Surras Doídas, Memórias Doloridas

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Oi gente! Hoje temos mais um conto, e esse vai mostrar o desfecho da saga da Kelly e do Nelsinho. Como sabem, o Nelsinho é um garoto um tanto problemático (para dizer o mínimo) que tem uma relação esquisita (para não dizer obsessiva) com a prima Kelly. Ele ficou bastante mordido ao vê-la se aproximando de um colega a quem ajudava na escola, e o último conto terminou com ele adentrando a sala da diretora e “exigindo” falar com a psicóloga. Agora vams saber o que se passou em seguida.

Sozinho em seu quarto, Nelsinho matutava solitário. Recordações da conversa que tivera com a doutora Sônia quando fora confrontá-la na escola vinham a toda hora, como o som de uma TV ao fundo que ele não podia desligar. Também não havia muita coisa que ele pudesse fazer para distrair os pensamentos. Ele estava desanimado, com os dois braços engessados e esperando a sisuda dona Gilca, faxineira da casa, trazer o prato de sopa quente para dar-lhe na boca. Tudo fora consequência de uma queda feia na área escorregadia da piscina, quando ele tentara correr para alcançar a Kelly após uma aula de natação, antes que a prima entrasse no vestiário feminino. Tinha sido alguma brincadeira ou provocação, mas ele não se lembrava direito, tampouco do tombo, apenas de fragmentos onde se via resgatado pelo corpo de bombeiros, e depois do ambiente do hospital, onde sua mãe e Kelly tinham semblantes preocupados. Suspirou, resignado. Fora o preço que ele tivera que pagar por ser tão controlador e ganancioso…

Tentando fazer um balanço da sequência de fatos que culminara naquele triste destino, reconheceu que tudo começara com aquela amizade entre a Kelly e o Luan, seu colega de classe. Uma amizade que ele sentia como fagulhas em brasa, posto que quanto mais a prima se aproximava de Luan, mas se afastava dele, e tudo o que ele desejava era entender o motivo. Com um suspiro, reviveu aquele dia quando não aguentou mais a angústia, e praticamente invadiu a sala da direção escolar soltando fogo pelas ventas.

– Queria ver como faço para conversar com aquela psicóloga daqui… Aquela doutora que a Kelly está vendo. Quero saber o que ela está falando para a Kelly!

Foi esta a sua justificativa para a diretora, após ela explicar-lhe em poucas palavras que seria necessário marcar um horário para essa conversa, e que assuntos tratados em particular são confidenciais, de modo que nada do que Kelly tivesse revelado à psicóloga poderia ser repassado a ele. Nelsinho não tinha entendido o que seria aquilo – “confidenciais” – carecendo de mais uma paciente explicação da diretora, que o deixou ainda mais zangado.

– A Kelly está mesmo de segredinho com essa tal de doutora. Por isso que ela nem fala mais comigo! Mas eu vou descobrir tudo!

Esses foram os pensamentos do garoto, após sair satisfeito por ter conseguido um agendamento para uma conversa informal com a psicóloga. Estava surpreso com sua coragem. Mas também um pouco desconcertado com a reação da diretora, que só mostrara estupor no primeiro instante, para logo depois mudar para uma expressão condescendente, como se ele fosse um pobre coitado que precisasse de ajuda.

Suspirando de volta ao tempo presente, em seu quarto bem arrumado por dona Gilca, Nelsinho notou que nem soubera decerto porque desejara tanto marcar aquela conversa. Pensou em Kelly, sentindo desconforto ao criar em sua cabeça aquele rosto sério e indiferente da prima, tão contrastante com o seu jeito outrora espalhafatoso, e até meio alegre. Relembrou com raiva que já fazia tempo que Kelly só mostrava aquele lado divertido para o Luan. “Aquele metido CDF!”, pensou o garoto com desdém. Na verdade, Nelsinho não compreendia como o Luan, menino de sua turma, conseguira mexer com a Kelly de uma maneira que ele nem mesmo havia imaginado ser possível.

– Mas afinal, você gosta mesmo da Kelly?

A voz da psicóloga soou límpida, como se ela estivesse repetindo aquelas palavras naquele instante, sempre com aquele olhar que penetrava a alma e tudo entendia, dando a Nelsinho a impressão de que não seria capaz de engambelá-la.

– Ahn? Gosto, sim…

– Mas o que, na Kelly, você gosta mais?

Nelsinho engasgou, pressentindo aonde a psicóloga queria chegar. Sem tirar o sorriso da boca, ela prosseguiu:

– Você tem tesão por ela, né?

– Ahn… er, tenho sim – Respondeu o garoto, sabendo ser impossível negar.

– Mas além de tesão, o que mais você sente por ela?

Nelsinho engasgou novamente, sem saber ao certo o que dizer.

– Você gosta dela, tipo, como uma irmã que você não teve?

– Er… sim… às vezes eu fico pensando nela como uma irmã – Respondeu o garoto, sem ter certeza de estar sendo sincero – Daí que eu fico com raiva quando ela parece que gosta mais do Luan do que de mim. E o Luan não é nada dela! Porra nenhuma!

– Mas será que você gosta da Kelly da mesma maneira que o Luan gosta?

Aquela pergunta estava até agora travada em sua garganta. Com raiva, relembrou aquele dia dentro do ônibus escolar, vendo Luan gostosamente recostado no ombro de Kelly, e ela tinha o braço envolto no corpo dele como uma asa protetora, ambos cochilando ao sacolejar do veículo, com uma serenidade invejável. Uma pontada invadiu o peito de Nelsinho, e no momento ele conseguira apenas esnobar em pensamento: “Aposto que o Luan já está de dinamite na calça, com a Kelly assim toda colada nele!”

No entanto, ali no regaço da adolescente, Luan parecia mais um bebê dorminhoco do que um bolo de testosterona. Aquela paz causou alguma perturbação no íntimo de Nelsinho. “O que ele está querendo com a Kelly?! Primeiro foi aquela coisa de ter aula particular de história com ela. Agora já estão dormindo juntos?!” Secretamente desejou que o pessoal do ônibus começasse a tirar sarro dos dois e a fazer fotos comprometedoras da cena, e por dentro até chegou a torcer que isso deixasse a prima em maus lençóis com a sua mãe. “Acho que ainda dá tempo de falar para a mamãe que a Kelly está de sarrinho com o Luan… Olha ele aí dormindo nos peitões dela, babando como um cachorro São Bernardo! A mamãe vai achar que tem safadeza… E aí a Kelly vai se ferrar…” 

Mas bem sabia que nada teria se passado de acordo com as suas vontades malignas e mesquinhas, posto que as eventuais fotos tiradas no ônibus seriam compartilhadas com emojis de sorrisos e corações, e teria até quem criasse os hashtags “irmãos nota mil”, “dois fófis no busão” e “Luan-Kel, bora shippar”. Nelsinho sentiu-se aliviado por ver que ninguém estava encarando a Kelly e o Luan como namorados. “Também! O que essa gostosona de quase 17 anos vai querer com esse pirralho?!”, pensou afoito, antes de se lembrar que ele e Luan tinham a mesma idade, o que tornava a alcunha de “pirralho” igualmente adequada para ele.

Mas se eles não eram vistos como namorados, tinham a imagem de “irmãos perfeitos”, e isso era o bastante para deixar Nelsinho mortificado, especialmente por ser ele – e não o Luan – o verdadeiro parente de Kelly. Procurando consertar a própria gafe consigo mesmo, partiu para a próxima reflexão: “O Luan só olha para o rosto da Kelly. Como ele consegue? O que ele faz? E por que ela não zoa com ele, como zoava comigo? A Kelly só põe o braço no ombro do Luan, dá tapinha no boné dele, brinca, e eles riem demais.”

Suspirando desanimado por não lhe vir nenhuma resposta àqueles questionamentos, Nelsinho deixou a imaginação maldosa vagar novamente. “E se eu contar para o Luan que a Kelly apanha na bunda? Ele vai zoar, ela vai ficar p*ta e vai acabar aquela fofura de irmãozinhos HAHA”. Visualizou-se de novo no ônibus, mirando os dois abraçadinhos. A boca quase se mexeu de prazer ao pronunciar as palavras em seu cenário mental.

– Êh Kelly, olha esse agarra-agarra aí, eu vou contar para a mamãe e ela vai te bater! Vai ficar com essa bunda vermelhona, que você sabe como ela bate HAHAHA.

Os olhos do ônibus se dirigiram para a dupla. As feições de Luan se transfiguraram em um sorriso sarcástico encimado por um olhar guloso de quem quer saber mais.

– A mãe do Nelsinho bate em você?

– Como é que ela te bate, é na bunda?

– Ela bota você no colo para bater?

– É com a bunda de fora?

Mas as imagens logo se esvaneceram. Nelsinho bem sabia que as coisas não se passariam daquele jeito. Luan nunca havia apanhado na vida, possivelmente nunca vira alguém apanhar, não tinha a menor vivência com surras e certamente não levaria aquelas palavras a sério; as teria como linguagem figurada, ou no máximo imaginaria a Kelly levando só uns tapinhas no bumbum. Decepcionado com mais aquela gafe consigo mesmo, então veio a questão mais difícil de levantar: “O que ele tem, que eu não tenho?”

– Mas será que você gosta da Kelly da mesma maneira que o Luan gosta?

A toda hora a voz da doutora Sônia voltava a sua mente, fazendo a mesma pergunta. Talvez o Luan efetivamente gostasse da Kelly como a uma irmã mais velha, o que ele não conseguira…

A psicóloga havia se mostrado segura e tranquila em seus discursos e sacadas, que ela oportunamente usava para enlaçar o “paciente” em suas próprias incongruências. Nelsinho não teve outro jeito senão perceber que sua relação com Kelly sempre fora conturbada.

– Mas a gente também tinha muita brincadeira…

– Mas eram umas brincadeiras meio picantes, né? Eu dou o nome para isso de “provocação”.

Nelsinho baixou os olhos, sem saber o que responder. A voz da psicóloga soou compreensiva.

– Mas conte como isso tudo começou.

Nelsinho suspirou aliviado. Agora tinha muito o que falar.

– Olha, quando a Kelly chegou lá em casa, eu era muito garoto ainda. Eu não gostei, não! Quem era ela, que eu nem sabia de onde veio, e um dia a minha mãe chegou em casa com ela a tiracolo? Eu não estava a fim de dividir a casa com ninguém, não.

– Então você viu ela como uma invasora dos domínios que eram só seus...

– Foi. Mas ela não era igual a mim na casa, não, a minha mãe deu um jeito de botar ela no lugar dela, desde o início. Não era igual hóspede, não. A mamãe deu para ela um quartinho que era onde antigamente ficava uma máquina de costura, e ficou com a mala dela.

– Hum… mas por que ficou com a mala dela?

– Porque era a minha mãe que dava para ela a roupa que ela podia vestir. Ela não queria que a Kelly saísse por aí de qualquer jeito, porque ela era muito zoneira. E botou ela para trabalhar. Tinha uma porção de serviço que ela tinha que fazer, arrumar os quartos, passar pano nos móveis, varrer o chão, passar roupa…

– Hum, sei…

– Mas era assim, tinha roupa para fazer o serviço, que era a minha mãe que dava, umas roupas bem batidas. E tinha que fazer o serviço sempre descalça. Para mostrar mesmo uma diferença comigo e com a minha mãe, e o resto da família, sabe? E tinha que chamar todo o mundo de senhor e senhora, para fazer qualquer coisa precisava pedir licença…

A memória de Nelsinho vagou da sala da psicóloga para a sala da própria casa naquele tempo lá atrás, quando a prima era apenas uma estranha recém-chegada ao seu lar, reduzida a uma “parente distante” que não gozava do mesmo direito de usufruir da casa. Reviu o vaivém da adolescente pela sala enquanto passava pano nos móveis, volta e meia tinha que esticar o braço para alcançar algum objeto e a alcinha do vestido surrado teimava em cair sobre o ombro, para a alegria dele. Às vezes ela precisava se curvar para varrer algum cantinho, agachar-se para limpar o assento do sofá ou subir em uma escada para lavar a vidraça, e tinha dificuldade para evitar que a calcinha ficasse ao alcance do olhar glutão do primo. A mãe não a permitia sequer vestir shorts, tinha que ser sempre vestidinhos curtíssimos.

Reviu-se mirando o volteio dos pés descalços de Kelly pela casa. A atração dele pelo corpo da prima sempre começava pelos pés, depois ia subindo… Súbito reviveu mentalmente um sonho que às vezes tinha. Ele estava perseguindo os pés da prima que corria pela casa, pois sua mãe ordenara que ele segurasse aqueles pés para dar-lhe uma surra. Mas Kelly estava sempre fugindo. Corria da sala para o quarto, do quarto para cozinha, e o corpo dela parecia ficar cada vez maior. Nelsinho tinha que olhar para cima para divisar as pernas, depois as coxas roliças da adolescente fugidia, e mais acima, mais acima… aquele mundo de carne que era o ponto máximo da adoração de Nelsinho.

Conseguiu por fim travar os tornozelos de Kelly, fazendo-a tombar, e em sua queda ela arrastou o menino em direção àqueles dois globos, que àquela altura já estavam do tamanho de uma piscina, uma piscina onde ele ia mergulhar de cabeça… Mas então tudo ficou escuro. Ele não estava mais no traseiro de Kelly, e sim recordando do tombo na piscina que o deixara naquele estado. A voz da psicóloga veio tirá-lo do inoportuno devaneio.

– Hum… mas você gostava daquilo, né?

O garoto sentiu-se pego com a boca na botija. De volta à sala da doutora, recordou-se da resposta que dera.

– Ahn… olha, gostava sim, mas é porque… a Kelly era muito exibida, doutora. Ela mexia comigo só para me fazer passar vontade! Provocava, atentava, e depois saía andando! Eu ficava na seca!

– Certo… Mas era a Kelly quem pedia para usar aquelas roupas curtinhas na sua frente, enquanto ela limpava a sua casa e o seu quarto? – Rebateu a profissional, erguendo uma sobrancelha – Ou alguém a obrigava a usar trapos?

Pego pelos tornozelos, Nelsinho abriu a boca para responder, mas a réplica não saiu. O silêncio o obrigou a endossar que era a sua mãe que confiscava a modesta mala da Kelly e forçava a sobrinha a ficar quase nua enquanto fazia o vai-e-vem de limpeza dos cômodos. Agora, finalmente, pudera perceber: a mãe dele havia armado tudo aquilo para constranger a sobrinha, e ele fora uma parte essencial daquele jogo. Teria sido um cúmplice? Ou um joguete? Uma isca, para que posteriormente sua mãe tivesse mais pretextos para castigar a Kelly, provando que a sobrinha era a “tranqueira” que todos queriam acreditar?

– Nelsinho, quando a Kelly fazia aquelas coisas, ela deixava você muito bravo, não era?

A pergunta da psicóloga fizera o garoto ficar vermelho até as orelhas. Ele sabia que inicialmente a Kelly o irritava, só não sabia explicar o porquê. A doutora Sônia não achou necessário prosseguir, e limitou-se a beber um gole d’água e deixar o garoto cozinhando seus pensamentos.

Aos poucos, Nelsinho foi revivendo todos aqueles momentos em que sentira uma cólera contra a prima, a quem considerava uma intrusa, uma invasora de seu espaço privativo, apesar de agora lhe ser claro que não fora por sua vontade que ela acabara indo parar ali. Gostava sobremaneira do cinismo de sua mãe, que primeiro submetia a sobrinha a exibir o corpo estrategicamente ao primo pré-adolescente, e depois de muito “tentar” o filho, o convocara para ajudar a surrar a Kelly. “Não tem problema o menino assistir, isso é uma aula de anatomia…”, era uma de suas desculpas interiores para gostar de ver a Kelly apanhar.

– Filho, dá uma mão aqui?

Essa era uma frase que Nelsinho adorava escutar, a ordem para que segurasse os tornozelos da prima de modo que ela não tivesse como debater as pernas e dificultar a ação de sua mãe, empenhada em estalar aquele cinto na pele nua na adolescente. O “convite ao espetáculo”, que agora ele sabia como causava vergonha e desespero na prima. Como que para auto infligir-se, reviveu aquelas cenas, aquelas surras que testemunhara, que agora lhe pareceriam de uma feiura dantesca.

– Fica parada aí, moça! Nelsinho, bota mais força aí, menino!

– Para de remexer essa bunda, que indecência! Fica com a bunda quieta para apanhar!

– Mas tia, está doendo!

– Para com isso, não estou te matando, não! Ô Nelsinho, segura na batata da perna!

“Eu sou o orgulho da minha mãe”, era a sua sensação após tal “obediência”, enquanto Kelly ainda soluçava e convulsionava o corpo, nua e com as nádegas machucadas pelo cinto de couro. “Quando ela esperneia, dá para ver até…” De súbito, Nelsinho sentiu o pensamento cortado e experimentou vontade de regurgitar, como se aquelas lembranças remexessem algumas de suas entranhas de maneira frenética. Até aquele momento, nunca havia notado quanto fel guardava dentro de si. O fel dos maus sentimentos, do rancor, do desejo de uma vingança injustificada contra uma garota que tivera a audácia de alfinetar seus instintos sexuais. A podridão de um desejo predatório que ele deixara dominá-lo de modo drástico.

Teve vergonha de estar sendo observado pela psicóloga após sentir cair aquelas pesadas fichas, sem saber que sendo uma especialista em comportamentos humanos, ela não o estaria julgando como ele próprio se via naquele momento. “Eu sou um m*rda…”, foi a frase que lhe passou pela cabeça.

– Mas se você queria vingança, você já estava bem vingado, não é? Mas se você ainda está incomodado com a Kelly, então você quer alguma outra coisa dela…

A observação caíra como uma pedra. Foi a última coisa que a doutora lhe dissera naquela conversa que não lhe saía da cabeça, depois ela não acrescentou mais nada, pois preferiu deixá-lo só com seus pensamentos. Sim, ele quer alguma outra coisa da Kelly. Uma coisa singela, mas que vê totalmente fora de seu alcance. Uma coisa que o Luan conseguiu facilmente. Súbito, sentiu lágrimas aflorando-lhe aos olhos.

Procurando sair daquela nuvem de memória, Nelsinho tentou em vão abraçar as próprias pernas, impedido pelo gesso grosso que envolvia seus dois braços. Encolheu as pernas, torcendo a pélvis para segurar a vontade de urinar. Sua barriga doía fortemente, e mesmo a contragosto, ele notou que teria que fazer o chamado.

– Dona Gilca! Preciso ir ao banheiro!

Sem resposta, o garoto insistiu, já começando a suar frio pelas torcidas no abdômen.

– Dona Gilca!

Mas a voz que veio em resposta foi a de Kelly.

– Ela já foi. Só eu estou em casa.

Nelsinho mordeu os lábios, sabendo não ter muito tempo para decidir. Era pegar ou largar. Aceitar a ajuda de Kelly, ou se borrar e passar vexame, posto que sua mãe decerto lhe daria uma reprimenda se chegasse em casa e visse toda aquela sujeira na cama do filho de 12 anos.

– Não esquenta, garoto. Já vou aí.

Um pouco aliviado por ter escutado a prima se adiantar, Nelsinho se dirigiu até o banheiro, onde uma calada Kelly cuidou de abrir o botão de sua bermuda, baixar-lhe as calças e ajudá-lo a sentar no vaso, onde ele não conseguiu mais controlar a potente evacuação. Apesar de a situação ser inteiramente constrangedora, a expressão de Kelly era inescrutável. Em respeito ao embaraço do primo, ela virou o rosto para o outro lado enquanto ele permanecia sentado, e depois, sem dizer palavra, ergueu o tronco dele e higienizou seu traseiro com a mesma indiferença com que trocava as fraldas dos priminhos gêmeos, filhos da tia Laís e do tio Beto.

O rosto de Nelsinho estava quente, mas ele não sabia dizer se aquela tremenda vergonha seria pior do que ver a Kelly mexendo em suas áreas reservadas com a mesma cara de quem poderia estar limpando um balcão de lanchonete ou os vidros das janelas. O que a velha Kelly faria? “Creeeeedoooo, que nojoooo, garoto!!! Você andou comendo comida mexicana?! Está podre, Nelsinho!!!” Conseguiu imaginá-la tapando o nariz e fazendo caretas, segurando o papel higiênico usado com as pontas dos dedos e o braço esticado. Seria vexatório, decerto. Mas será que ainda pior do que aquilo, era toda aquela desatenção?

– Pronto, está limpo. Agora, pode lavar as mãos – Foi o comando da prima, após subir sua bermuda e ir até a pia para também higienizar as próprias mãos. O embaraço foi tanto que ele não conseguiu agradecer. Engoliu em seco, pensando com certo aperto como a vida pode ser sacana: ele já se gabara de poder ver as partes privativas da Kelly em momentos vexatórios, e agora dependia dela, ainda que temporariamente, para ter as próprias partes privativas limpas. E a prima conseguira fazer aquilo com um silêncio respeitoso, que porventura até havia tornado o momento ainda mais desonroso para o garoto. 

De volta em seu quarto, Nelsinho foi lembrando de mais algumas das conclusões às quais chegara com auxílio da psicóloga. Após aquela fase inicial de marcação de território, ele e Kelly até haviam conseguido entrar em uma fase de parceria, onde um acobertava as artes do outro e ambos chegavam a se divertir juntos, o que ele recordou como os melhores momentos vividos desde que a Kelly chegara à sua vida.

Porém, a prima certamente não havia esquecido de todas aquelas humilhações de apanhar na frente dele, e tão logo o Nelsinho fizera 12 anos e começara a se sentir “homem”, as coisas haviam decaído, a mãe havia perdido o controle sobre o filho e Kelly fora gradativamente se afastando dele, olhando-o como um entulho, talvez como parte de um passado doloroso. E ele, por seu turno, achava doloroso ver como Kelly tinha apreço pelo Luan.

Suspirando, pôs-se a lembrar de discussões feias que já tivera com a prima, onde escutou ela dizer com convicção: “Você é tarado, garoto??? Queria me ver apanhando, né? Gosta de ver cu?! Então, olha bem aqui, ó: não precisa ver ninguém levando coça não, é só se ver bem no espelho! Você já é um cu!” Aquela fora bem dolorosa, Nelsinho teve que admitir. Kelly soltara aquelas frases amargas em um momento de muita mágoa, e ele ainda sentia a prima segurando o rosto dele para obrigá-lo a se encarar no espelho. Outra porrada de Kelly tinha sido quando ela lhe dissera que pelo menos ela já havia tido uma mãe que gostava dela, ao passo em que a tia Juliana só gostava de si mesma, e não queria nem saber se o filho estava de cueca suja ou limpa. Nelsinho temia que aquilo fosse verdade. Kelly, com toda a piriguetagem, nunca deixara de mostrar algum afeto protetor por ele. Isso é, até o Luan aparecer.

Luan, Luan, Luan…

Em mais um lampejo, o garoto começou a se divertir imaginando o Luan apanhando da própria mãe. Sabia que o colega de turma jamais haveria apanhado, e também constatara frustrantemente que Luan era mais educado e sensível do que ele, mas não se importava com tais detalhes, e pôs-se a buscar consolo criando mentalmente a cena do garoto choramingando enquanto era conduzido pela mãe que portava um cinto.

– Desce a calça e deita de bruços na cama.

Deliciou-se imaginando o garoto de início choroso e tremendo de medo, e depois desabotoando a bermuda, descendo a cueca e mirando a mãe com um olhar apavorado, como se esperasse um milagre.

– Deita de bruços no meu colo.

Como seria a bunda do Luan? Não importava, agora a tinha toda em seu cenário mental, virada para cima, branca e com espinhas, pronta a receber o cinto, que no instante seguinte já estava subindo e descendo, subindo e descendo, até deixar os globos daquele traseiro em brasas. Não pensou mais em falas, discursos, enredos, somente na imagem de Luan todo humilhado, com a moral arrasada, derrotado por uma mãe mais maioral do que ele. Mas tal devaneio foi logo cortado por flashes desagradáveis, posto que a surra imaginada no colega começou a se intercalar com lembranças da surra que ele mesmo, Nelsinho, levara recentemente de sua mãe. A terrível surra de cinto no traseiro nu, que o deixara dolorido por um tempo impreciso, e com a moral destruída até o fim dos tempos.

Nelsinho fez força para afastar aquelas memórias, mas não conseguiu: a espiral de más lembranças o sugou como se ele entrasse por um túnel, e no segundo seguinte ele estava lá novamente, ouvindo o cinto cortar o ar e bater em sua pele, não conseguindo evitar a dor, ainda tendo forças para se preocupar com o quanto de sua intimidade a mãe estaria vendo, para em seguida levar outra cintada, e mais outra, e mais outra, até ter a dignidade reduzida a choro e lágrimas.

Ofegante, o garoto finalmente compreendeu: era exatamente assim que Kelly se sentia quando aquelas terríveis lembranças apareciam sem convite e vinham mexer com ela. E ele sabia ser parte dessas más memórias da prima. Ele a havia marcado para sempre como uma coisa negativa. Após mais essa constatação desgostosa, teve vontade de ter alguém com quem conversar sobre o assunto.

Recordou também de como ficara chateado quando soubera que Kelly estava ajudando Luan a se aproximar de Dani, a garota da turma por quem ele estava descobrindo interesse. A Dani havia sido legal com ele mesmo depois de saber que ele se excitava quando a Kelly apanhava. Ela o havia convidado para uma festa em sua casa, junto com todos os outros garotos, sem taxá-lo de nenhum apelido por causa de suas manias e de sua fama. Dani era inteligente, popular, bonita, e além de tudo, uma simpatia de menina. Nelsinho estava descobrindo uma sensação agradável que não tinha relação com seus instintos sexuais: ele realmente gostava da Dani.

Mas o Luan também gostava, e a Kelly, como boa amiga, ajudara o garoto a conquistar a colega. A discussão entre os primos fora pesada, a Kelly tentando garantir que não sabia nada sobre ele estar a fim da Dani, e Nelsinho, por seu turno, soltando acusações em disparada, sentindo-se traído e julgando o Luan um intrometido.

– A Dani não vai aguentar muito tempo com aquele babaca! Você vai ver, Kelly, sou eu que vou ficar com ela!

– Você não muda, né, garoto? – Replicou a prima, mãos na cintura – Se liga, a Dani não é sua propriedade não, ela sai com quem ela quiser! Se gosta tanto dela, que corresse atrás! Mas como alguém ia saber que você estava na parada dela, Nelsinho? Você vivia fazendo torcida organizada para a menina apanhar, era doido para ouvir história dela tomando coça da mãe! Queria que a gente adivinhasse que você curte a garota? Você curte é ver os outros apanhar!

Mais uma ficha caída, e Nelsinho suspirou com a lembrança daquele bate-boca. Parecia que seu destino era ser “estranho”. Ou que a realidade se apresentava concomitantemente dura e sutil: ele teria que mudar os seus modos para ser apreciado. Teria que superar e aprender muitas coisas, mas a Kelly, que era quem poderia lhe servir como guia, agora estaria ocupada em ser “irmã” do Luan. E logo ela iria embora para o Rio, haveria conseguido estágio, e a mudança estaria programada para dali a poucos meses. O tempo de Kelly em sua vida estava se esgotando, e depois voltaria a ser ele e a mãe.

“Fica frio, garoto. Você vai ter a sua casa de volta, não era isso que você queria? Não vou mais perturbar… E se quiser ver menina pelada, tranquilo, aposto que a tia Juliana logo vai arrumar outra periguete para você zoar” Foi a voz de Kelly em sua cabeça. Nelsinho quase sentiu vontade de rir, pensando que no fundo ele até achava a Kelly divertida, e sentiria falta dela. Dela como pessoa, e não do corpo dela. Um sentimento até então inédito para o garoto. Notou-se um pouco mais maduro, ou agora sim, “quase um homem”. 

Porém, ainda não estava nada orgulhoso de si mesmo, posto que ainda percebia-se confuso e com muitos nós a serem desfeitos. Recordou-se da conversa posterior entre a doutora Sônia e sua mãe, com a psicóloga alertando: “O Nelsinho é um garoto muito voltado para si, muito centrado nos interesses dele, o que é preocupante. Ele persegue os desejos dele sem nenhum remorso, e não demonstra empatia nenhuma pelas pessoas! Isso não é normal, dona Juliana.”

Não havia sido uma conversa aberta, mas dona Juliana tinha repetido as falas da profissional em tom de deboche, levando suas conclusões aos ouvidos do filho. Também havia captado fragmentos de conversa entre alguns adultos sugerindo que sua mãe pudesse precisar de algum tratamento. Já aflito com tantas considerações, ele resolveu fazer uma pergunta a Kelly, assim que a prima terminou de lhe alimentar com a sopa.

– Kelly… Pode falar de boa… Você acha que eu sou doente?

Vendo a expressão de surpresa da prima, ele completou, envergonhado e cabisbaixo:

– Doente da cabeça…

Arregalando os olhos e mordendo os lábios, Kelly pensou por um tempo, e deu um suspiro. A resposta veio em tom ameno.

– Normal, eu acho que você nunca foi, garoto… Mas se você está assim tão bolado com essas coisas, tenta conseguir vaga com a doutora Sônia, ou com outra pessoa. Faz bem, ajuda muito!

Nelsinho concordou nervosamente com a cabeça, e fechou a expressão como se quisesse endurecer. Sua vontade era dizer: “Kelly, me perdoe. Por favor, me perdoe. Eu sei que fui horrível com você, eu estou muito arrependido, juro. Ah, e vou sentir a sua falta para caramba… Vou me sentir vazio e perdido sem você aqui” Mas a confissão ficou só em pensamento, enquanto Kelly ia recolhendo o prato vazio, a colher e o copo e acomodando tudo sobre a bandeja para levar de volta à cozinha. 

Meses depois, Kelly estava correndo para abraçar Marcela, que tratou de lhe dar as boas-vindas no Rio. Estava combinado que a primeira semana seria passada com a tia Cecília, e então Kelly seguiria para algum alojamento de onde poderia se locomover até o estágio remunerado. Após trocarem muitos assuntos, Marcela arriscou-se a perguntar:

– E a tia Juliana e o Nelsinho, sis? Como ficaram as coisas?

– Nossa despedida foi sussa, Má… E os dois continuam no tratamento psiquiátrico – Respondeu Kelly, confiante.

Meneando a cabeça em aprovação, Marcela pareceu satisfeita.

– Que bom… E como é mesmo o nome do transtorno lá? Uma coisa de personalidade o quê, mesmo?

Apesar da seriedade do assunto, Kelly deu uma risadinha antes de responder.

– Transtorno de Personalidade Narcisista! Parece que saiu esse diagnóstico para a tia Juliana, e o Nelsinho é portador também… Uma coisa assim…

– Beleza… Depois eu pesquiso sobre isso no Google – Comentou Marcela, franzindo o cenho – Mas agora, me conta, Kel! E aí, está animada com esse estágio na escola infantil? Você vai se dar tão bem, mulher! Sua cara, cuidar de criança, eu que sou mais de ficar lá nos treinamentos do postinho mesmo… Ah, e agora vamos lá fazer a nossa nova composição, que o streaming está bombando! Bora ganhar mais grana honesta, sis!

Kelly abriu um riso largo, e concordou: “Demorou!” Ambas partiram para escrever as letras da “batida do futuro”, cada qual mandando os seus versos sobre as respectivas expectativas sobre o que virá pela frente. Agora Kelly não pensava mais no Nelsinho.

13 ideias sobre “Surras Doídas, Memórias Doloridas

  1. João Paulo

    Muito bom mesmo autor. Se o Nelsinho me perguntasse se eu acho que ele é doente eu ia dizer: brother eu não acho isso, eu tenho certeza. Cara eu nunca entendi direito esse personagem. E pra ser sincero eu acho que no fundo nem o Nelsinho e nem o Guto gostam de mulheres. Eles nunca gostaram. Quem gosta de mulher não ia querer ver o corpo dela apanhando e ela gritando com dor e sendo toda humilhada assim, é tipo meio óbvio. Falando a verdade brother, acho que o maior sonho do Nelsinho é ser a quenga do Guto. E certeza que o Guto também quer ser o ativão do Nelsinho. Quem tem mesmo tesão por essas meninas são as tias, a Juliana e a Jucinta. Eu sempre achei estranho demais elas quererem sempre tirar tudo pra bater nas meninas. Pra mim as duas tias são as verdadeiras tesudas pelas meninas, e os moleques cortam pro outro lado. Por isso que eles sentem despeito das primas, porque elas são as gostosas que eles queriam ser kkkkkkk! A Kelly e a Marcela são personagens que eu gosto e a história está fodástica, valeu autor. Abs irmão!

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    1. adolespanko Autor do post

      Salve!

      Fico contente que tenha gostado. O Nelsinho com certeza nunca foi normal, mas eu não sabia de ínicio qual era o problema dele. Eu pesquisei e achei esse Transtorno de Personalidade Narcisista como o mais compatível com as características dele. É uma coisa bem escrota, quem sofre disso não tem empatia, é autocentrado, não sente compaixão nem amizade, na verdade não gosta de ninguém a não ser de si próprio.

      É, parece que as tias têm tesão por aquelas meninas rsrs. Elas fazem questão de despi-las para quebrar o orgulho que elas têm por sua própria sensualidade, já que na opinião das tias, elas são piriguetes. É como castigar a criança gulosa forçando-a a comer demais, aí elas pensam: quer mostrar? Então vai ter que mostrar tudo!

      Mas note que apesar de tudo o que passaram, a Kelly e a Marcela se tornaram pessoas bem legais. Com certeza ainda aparecerão em muitos contos. Já o Nelsinho, não vejo necessidade de abordá-lo no futuro.

      Grande abraço!

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  2. Thalita Britto

    Oi, Arnaldo!

    Antes de qualquer coisa, queria te perguntar umas coisas, e realmente desejo que você responda da forma mais honesta que conseguir. Sem subterfúgios ou explicações “mirabolantes”. Se você fosse a Kelly, e o Nelsinho te pedisse perdão (de verdade, e não na mente dele. A Kelly com certeza não tem a habilidade de ler pensamentos), você perdoaria? E (ainda) se fosse a Kelly, perdoaria a tia Juliana?

    Acredite, não são perguntas retóricas, e eu nem teria porque ficar fazendo-as aqui (sendo que somos amigos próximos e temos contato privativo fora desse espaço). Só estou um pouco confusa mesmo, porque esses contos da Kelly e da Marcela me abrem muitas janelas killer, e já que você criou as histórias desde o princípio, eu realmente me interesso em saber como você agiria/reagiria/se sentiria se estivesse na pele de qualquer uma de suas personagens spankees, principalmente aquelas que sofreram as punições mais hard core, como essas duas gurias.

    E quer dizer que o Nelsinho tem Transtorno de Personalidade Narcisista? Genial, Arnaldo, hehe! Só falta definir se ele seria o narcisista oculto, e a tia Juliana é a principal vertente, ou se os dois são narcisistas-matrizes… Seja como for, a Kelly foi o alvo da rebordosa toda, e é muito reconfortante que agora ela esteja fora da zona de perigo.

    Bjs!

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    1. adolespanko Autor do post

      Olá, Thalita!

      Achei interessante o seu questionamento. Mas é preciso distinguir: se eu, por passe de mágica, me transportasse agora para o corpo da Kelly, é claro que eu não perdoaria. Mas e se eu fosse a Kelly desde sempre? Aí eu teria minha mente moldada pelos anos de criação negligente e pelos maus tratos por que ela passou. Eu penso que veria o Nelsinho simplesmente como um escrotão, mas não pior do que outros maus elementos com quem ela cruzou. Alguém mais chato do que perigoso, basicamente desprezível. Então, se ele viesse com palavras pedindo perdão, acho que eu ia soltar um esculacho parecido com esse que a Kelly soltou no conto, mas no fim ia perdoar, mesmo porque não acharia que ia valer a pena manter rancor com tal criatura, e de qualquer maneira, a vida já havia me ensinado a não esperar muito das pessoas.

      Já com a tia Juliana, eu não ia propriamente perdoar, mas ia esquecer. A vida ensinou a Kelly a ser prática e a cooperar com o inevitável, então eu ia ver a tia Juliana como uma ameaça neutralizada desde que ele parou de me bater e me fazer de empregada, e procuraria ter uma convivência pacífica com ela, o que obviamente não significaria que eu gostasse dela.

      Com certeza a mãe teve um papel na (de)formação da personalidade do Nelsinho, e talvez até fosse a principal vertente e ele o coadjuvante, mas para saber disso eu teria que penetrar mais no universo familiar daquele núcleo, e creio que não terei motivo para abordá-los mais em histórias daqui por diante.

      Bjs.

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      1. Thalita Britto

        Oi, Arnaldo!

        Obrigada por sua resposta honesta ao meu questionamento. Vejo sentido, mas vejo também alguns pontos a observar. Acho que se a Kelly já cruzou com outros maus elementos, seria mais um motivo para ela saber reconhecer bem uma ameaça, mesmo que a ameaça não fosse “imediata”. O Nelsinho agora é mais chato do perigoso, e basicamente desprezivel. Pois por enquanto, realmente, ele é só um (quase) adolescente obcecado e contraditório, cheio de formigas no fiofó para ouvir histórias de surras e saber “como foi”, “quando foi”, “se foi na bunda de fora”, etc. e etc., e que mesmo assim quer ser admirado e amado, bem como exige que os outros deduzam que ele “gosta” das mesmas gurias que deseja ver apanhando. Tanto quanto a tia Juliana é uma criatura contraditória e que usa as próprias contradições para legitimar suas maldades, por exemplo: ela se incomoda profundamente que a sobrinha seja “exibida”, mas acho normal o filho ser um voyeur pervertido. Exige que a Kelly seja disciplinada, mas vê como “exemplar” o guri que nem arruma o próprio quarto. Faz questão de “marcar diferenças” para que a Kelly não tenha dúvidas de que a casa não é dela, mas ignora que se a casa não é da guria, a obrigação de limpar e arrumar a tal casa também não deveria ser dela. Enfim, nem vale a pena ficarmos aqui listando essas coisas, pois isso seria redundante e nos faria perder o foco.

        O caso é que se hoje o Nelsinho é apenas um guri chato, amanhã ele pode virar uma ameaça concreta. Ele já tem alguma força, se consegue derrubar a Kelly no chão e imobilizá-la pelas pernas enquanto ela luta. E está claro que a lei na casa da tia Juliana é: manda o mais forte, obedece “quem tem juízo”. Desde sempre, tanto ela quanto o Nelsinho estavam dedicados a mostrar à Kelly quem é que manda ali e qual deveria ser o lugar dela (na concepção deles, claro), como se dissessem: “Não comece uma guerra que você não pode ganhar”. Se a tia Juliana (de)formou a personalidade e reforçou o mau caráter do filho, passando a ele a mensagem de que está tudo bem ele ver a Kelly como serviçal dele (inclusive sexual), existe sim o risco de que ele “se empolgue” quando perceber que agora sim, pode vencê-la fisicamente. Você já tinha me falado que o Nelsinho não tem autocontrole, e tudo indica que ele só não cede aos próprios impulsos porque é basicamente comandado pela mãe. Mas isso até agora, né? Quando ele mal e porcamente está entrando na adolescência. A tia Juliana vivia deixando os dois sozinhos em casa, sem nenhuma supervisão, e dava ao Nelsinho todo o poder para “vigiar” a Kelly e controlar tudo o que ela estivesse fazendo. A hora que ele achar que não precisa mais ser o marionete da mãe, não sei se alguém segura. Principalmente se o ego dele voar alto demais por ele finalmente se ver como o mais forte da área. Por isso eu disse que é reconfortante ver a Kelly “fora da zona de perigo”: porque não se sabe o que pode germinar de uma semente que já começou a brotar errado…

        Você também deu a entender que a Kelly tem lembranças de uma boa mãe, ou seja, ela pode puxar a sensação de ter sido bem cuidada e querida por uma figura materna. Nesse caso, a tia Juliana seria mais impactante do que gostaríamos que fosse, porque se a Kelly já foi acolhida e protegida por mãe, ela com certeza teria esperado alguma coisa dessa “nova mãe” que a levou para morar na casa dela. Por isso eu achei que foi tão cruel o que essa tia fez: ela basicamente usou a tática do “vírus atenuado”, pois sabia que o Nelsinho não passaria daquilo que ela permitia (ou seja, de ficar comendo a guria com os olhos e colando o rosto nas partes íntimas dela), mas também sabia que aquele “castigo” daria à Kelly a sensação de estar sendo violada. Ela queria fazer a guria se sentir muito mal, mas “sem passar pela estrada principal”, só indo pelos atalhos. E aí que entra a questão: o Nelsinho é um vírus atenuado agora… Na pele de um guri pentelho que curte “bater uma” enquanto mergulha em suas fantasias bizarras. Mas pode ter certeza de que sem o tratamento psiquiátrico, esse guri poderia chegar a se tornar algo muito pior.

        De qualquer forma, é bom saber que você já está sem disposição para moer carne velha e ficar dissecando esses personagens, concordo que não teria utilidade mesmo. E uma cena aí já diz tudo: a frieza com que a Kelly limpou a bunda do Nelsinho me deu goosebumps aqui… Acho que calou mais fundo do que mil esporros. Não vou dizer que “senti pena” do guri, mas mexeu comigo. Se isso não o fizer criar alguma consciência, nada mais fará.

        Bjs!

      2. adolespanko Autor do post

        Olá, Thalita!

        Talvez a Kelly esteja mesmo fazendo pouco caso da periculosidade do Nelsinho, mas para ele já foi demonstrado que por enquanto, bem ou mal, certo ou errado, quem está no comando é a mãe. Isso ficou bem claro na memorável surra de cinto que ele levou, que deu um nó na cabeça dele e marcou um divisor de águas em sua vida: depois da surra ele ficou confuso ao ver que não era mais o “reizinho”, e não conseguiu mais imaginar surras sem sentir um mal estar.

        Na história desses meninos “reizinhos sem limite”, das duas uma: ou ninguém os contém e eles crescem até se tornarem efetivamente perigosos, ou uma hora encontram alguém mais forte que não os atura, e lhes dá um bom corretivo. Foi também o que aconteceu com o Guto, que levou uma surra do padrasto com direito a vídeo compartilhado.

        Bem lembrado: a Kelly teve uma mãe que cuidou dela, então ela tinha referência de como uma boa mãe deveria ser. Mas o pai e a madrasta violentos também a fizeram crer que surras podiam ser parte da dinâmica familiar. Provavelmente ela teve esperança de que a tia Juliana fosse como sua mãe, e decepcionou-se ao ver que não era, mas acomodou-se ao constatar que ela era pelo menos previsível: se fizesse os serviços que a tia exigia, e escondesse suas escapadas, não ia apanhar. Preferiu não começar uma guerra que não podia ganhar, e talvez tenha sido a melhor escolha.

        O futuro do Nelsinho é uma incógnita, mas no presente a Kelly só o vê como uma bunda suja que ela tem que limpar e depois ir cuidar de outra coisa.

        Bjs.

  3. Marcos S.

    Salve, meu amigo!

    Foi realmente uma ótima sacada encontrar um nome para o problema que acompanha esses personagens, eu também não conhecia esse TPN. Na passagem onde o Nelsinho tem o devaneio em que entregaria a todos no ônibus que a Kelly apanhava na casa dele, admito que imaginei de imediato o Luan fazendo uma cara bem espantada e dizendo à Kelly: “A mãe dele bate em você?! Que horror… Venha morar na minha casa, Kelly, lá você vai ser bem tratada!”, deixando o Nelsinho com uma boa cara de tacho e vendo o jogo se virar contra si próprio, com todos apontando-o, cochichando e rindo dele, rsrs! Seria plausível imaginar muitas cenas extras para essa narrativa: a Kelly se vingando do Nelsinho por vê-lo com os dois braços inutilizáveis – agora seria a hora para ela provocá-lo bastante e mexer com os seus brios sexuais, posto que o garoto não teria como “descarregar”, e só passaria vontade e dor se tivesse uma ereção nessas condições -, ou deixando-o sujar as calças e levar reprimenda da mãe – ele não se aproveitou das fragilidades dela para colocá-la em problemas com a tia Juliana, tantas vezes? -, talvez também se recusando a limpa-lo e largando-o plantado no vaso com o traseiro coceirento e malcheiroso; em suma, há uma infinitude de revanches em que a Kelly poderia pensar vendo o Nelsinho totalmente nas mãos dela, como ela já esteve nas mãos dele.

     

    Porém, nota-se de saída que a menina já está tão farta disso tudo (e do próprio Nelsinho), que não tem mais motivação nem mesmo para pensar em dar algum troco no garoto. O que ela mais quer é sair dessa campânula e ir viver uma vida próspera e pacífica, deixando tudo isso no passado. Creio que mostrar uma Kelly serena e focada – e não vingativa ou debochada – foi mesmo a melhor decisão, e faço parte do time daqueles que torcem por um futuro mais tranquilo para essa personagem. 

    Grande abraço!

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    1. adolespanko Autor do post

      Salve!

      Essa TPN foi a anomalia que eu achei mais parecida com o perfil do Nelsinho. Nem todos os TPN´s se tornam agressivos, mas caracterizam-se pela ausência de empatia e consequente incapacidade de fazer amizades sinceras, gostar e serem gostados. Faço votos para que o Nelsinho consiga se tratar.

      Sendo o Luan um garoto de bons sentimentos, ele poderia até fazer o convite que você sugeriu, mas preferi não ir por este caminho, pois nesse caso a Kelly teria que confirmar que apanha da tia e seria desagradável para ela. Então imaginei que a reação do Luan teria sido achar aquilo uma piada fora de hora do Nelsinho, tão longe passa da mente dele a ideia de alguém ser submetido a castigos corporais. A Kelly com certeza não cogita entrar em detalhes com o Luan sobre a maneira como ela era tratada, pois isso deixaria o garoto muito chocado e trata-se de um passado que ela que enterrar.

      De fato, a Kelly teve a oportunidade ideal de se vingar do Nelsinho. Nem precisava maltratá-lo fisicamente, podia só fazer piadinhas tipo “quero ver você bater uma agora” ou “não está com tesão? Bate uma!” Mas ela mostrou que o Nelsinho já não desperta nenhum sentimento nela, muito menos raiva. Ela pode até ser legal com o Nelsinho, mas isso depende dele primeiro ser legal com ela, e começar por pedir desculpas.

      Grande abraço!

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  4. Joana Fonseca

    Sou uma entusiasta da literatura baseada em psicologia e as vezes eu sigo os contos e matérias aqui. Tenho uma teoria sobre a Marcela e a Kelly. Acho que a Marcela cometeu suicídio, e agora ela só “vive” na imaginação e nas lembranças da Kelly. O que aconteceu: depois que a Marcela enfrentou a tia e fugiu de casa, ela acreditou que a vida podia melhorar. Mas então ela foi encontrada, devolvida pros parentes que não faziam nada além de concordar que as surras que ela levava eram merecidas, boas pra ela e faziam parte de um bom desenvolvimento e do crescimento dela, e no final ainda foi entregue de volta para a tia que batia horrores nela e a humilhava. Nessa volta ela percebeu que o primo Guto já estava mais forte e por isso não ia demorar pra ele ser mais um abusador na vida dela. Vendo que ninguém no mundo ia poder dar apoio (porque a família inteira concordava que ela merecia ser tratada daquele jeito, como classe baixa e rameira que só dava vergonha em todos), que fugir não adiantava nada (porque nem as autoridades ficaram do lado dela) e se sentindo totalmente sem apoio e sem compreensão, sabendo que até os tios da cidade grande achavam que ela só servia pra ser empregada da casa, ela tirou a própria vida.

    A Kelly nunca superou o trauma de perder a prima preferida e nem a culpa por não ter conseguido provar para a Marcela que era a única pessoa no mundo que podia entender o sofrimento dela, e então ela criou a versão de que a Marcela se emancipou e foi morar em uma cidade com mais oportunidades. A emancipação é só uma metáfora para a libertação da alma. A Marcela está livre agora, ela “se emancipou” porque acabou com a própria dor e com a desesperança depois de perceber que ninguém acreditava nela, que para a família inteira ela não passava de uma piriguete escrota. Por isso que a Kelly agora quer seguir o caminho que a Marcela não teve tempo de seguir, ela quer honrar a prima que teve um fim tão triste fazendo o que ela não fez: indo embora do pesadelo e mostrando pro mundo que ela pode ser uma vencedora. Não sei se é essa a teoria do autor mas eu interpreto as histórias assim.

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    1. adolespanko Autor do post

      Olá, Joana!

      Não, não pensei nisso, mas tenho que admitir que você fez uma boa interpolação. Nas minhas histórias, a Kelly aparece em primeira pessoa bem mais do que a Marcela, então dá para sentir que a Marcela virou mais uma recordação das pessoas do que uma pessoa real. Inclusive teve uma história recente onde durante a terapia, a Kelly “incorpora” a Marcela, revive cenas do passado dela como se fosse a própria, dando a entender que vê a prima como uma propriedade de sua imaginação.

      Realmente, no mundo real, seria um grande vacilo a família entregar a Marcela de volta para a tia carrasca sem garantir que os maus tratos não voltariam a acontecer. Mas pelo menos o Alberto ajudou e arrumou aquele trabalho para ela, e no final ela foi ser feliz com quem? Com uma tia também socialmente desfavorecida, mãe de um garoto que já teve problemas com a polícia e igualmente desprezada pelo lado “bom” da família.

      Mas não pense que a Kelly e a Marcela vão sumir. Elas se descolaram de seu núcleo original e aderiram ao novo núcleo do Cauan – a tríade dos ex-explorados, morando no subúrbio mas tendo afeto e respeito, que vai protagonizar aventuras interessantes.

      Bjs.

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      1. Joana Fonseca

        Obrigada por suas explicações. Gosto de pensar que a Marcela está viva de verdade e não só em lembranças. Eu imaginava mesmo que depois de tanto sofrimento a Marcela tivesse se suicidado e virado o anjo da guarda da Kelly, mas com certeza total eu me sinto muito melhor sabendo que foi uma teoria errada que pensei, e que na verdade elas duas estão bem. Vivi abusos, sofri demais com gente tóxica, manipuladora, e sei que muitas pessoas que passaram por isso pensam em suicídio. Algumas chegam a cometer. Essas famílias não sabem o que é ter valor e o que é cuidar com amor, as tias faziam coisas de quem tem muito ódio no coração. Por que isso? São só duas meninas. Usar roupa curta pra chamar atenção dos meninos é uma coisa que justifique tanta raiva? E aqueles primos? Não dá pra explicar, o Nelsinho por exemplo queria tanto a privacidade dele na casa, mas achava normal invadir completamente a maior privacidade da Kelly, que é o corpo dela, suas partes íntimas e sua vontade de se proteger. Desculpa mas vou ter que falar, pra esse menino uma PORRA de uma casa vale mais do que a integridade de outro SER HUMANO. É revoltante, eu só sinto muito por essas duas meninas e também só consigo sentir pena e raiva das tias e dos primos. Mas se a Marcela e a Kelly agora são felizes, fico feliz com elas. Parabéns para as duas, que tenham uma vida maravilhosa e esqueçam essa gente.

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