Reações Honestas ao Spanking – I

Oi gente! O título do artigo de hoje é instigante: reações honestas ao spanking. Então quer dizer que existem reações desonestas ao spanking?

Sim, por assim dizer. Para começar, surras na juventude não são um assunto que se toque só por tocar, descontraidamente. Se o tópico é trazido à baila, em geral é de forma bombástica, como em certos forum´s já citados aqui, onde os comentaristas se pronunciam de maneira apaixonada, uns dramatizando, outros repetindo aquelas conhecidas bravatas tipo “apanhei mais do que todos vocês” e “a surra me tornou a pessoa que sou hoje”. Tive um certo trabalho para encontrar depoimentos emitidos em uma atmosfera isenta, desapaixonada e… honesta. Mas justamente por serem sinceros e sem firulas, estou certo que muitos comentaristas aqui se identificarão com eles e reconhecerão que tiveram reações parecidas. Vamos lá!

Esse é um depoimento de 2019 de um rapaz que (pelas minhas contas) estava com 29 anos de idade quando publicou o relato. A pergunta lançada foi aparentemente trivial:

A maioria das repostas foi contra (não surpreende, se o debate ocorreu em 2019), mas uma reação particularmente enfática veio desse comentarista, que logo de início explica a motivação para sentir e pensar de tal forma, e cita que por conta dos castigos corporais que levou, nunca conseguiu ter um bom relacionamento com pais depois de adulto.

Ele também fala sobre a diferença entre o pai e a mãe: enquanto o pai batia de formas ritualísticas, inclusive fazendo os filhos sofrerem por antecipação (ao ter que olhar o cinto ou ficar o dia inteiro esperando a surra), a mãe era mais de reagir espontaneamente, sem dar surras severas como cintadas no bumbum, mas pregando beliscões e tapas soltos.

Sem bloqueios, ele conta que não consegue perdoar o pai por uma situação particularmente triste e injusta.

E também não poupa a mãe, embora reconheça que ela costumava ser mais benevolente. Ele critica abertamente a mentalidade que insiste em diferenciar “palmadinha” de “surra”.

O final do depoimento, infelizmente, é bem triste: ele reconhece que não consegue ser próximo dos pais, ou confiar neles, e que nunca pôde superar as surras do passado.

O relato ganhou apenas votos positivos, e todos os comentários foram solidários. Quando uma comentarista lamenta por tudo o que ele passou, o autor do depoimento tenta justificar porque se abriu dessa forma em uma rede social, ganhando uma reposta compreensiva e de apoio.

Outra participante também demonstra empatia, e lembra que é normal que fique uma marca quando a pessoa sofreu esse tipo de agressão no passado. No final, o encoraja a ver positividade no fato de que dado todo esse reconhecimento, ele não vai bater nos próprios filhos.

Mais dois comentaristas se manifestam, uma aparentemente mais velha que diz ter sofrido com o relato, e outro reiterando que foi lúcido da parte do autor compartilhar sua história pessoal naquele espaço.

Um rapaz diz ter se identificado com a história do autor, pois também sofreu castigos corporais em sua família.

Mais um comentarista se encorajou a reconhecer que assim como o autor do relato, não conseguiu se relacionar bem com o pai pelos mesmos motivos.

Um outro comentarista demonstra uma mágoa particular por ter sido agredido físico e moralmente pela madrasta, sempre com apoio do próprio pai, que também batia nele.

E vocês, se identificaram com algum desses depoimentos? Podem descrever de forma sucinta e sem floreios como reagiam ao spanking?

13 ideias sobre “Reações Honestas ao Spanking – I

  1. Milena

    Olá sr. autor! Adorei vc escrever um post assim. Até que enfim vamos falar de reações honestas porque sinceramente é muito chato ler sempre as mesmas coisas, aquele blablabla de “vamos levar na esportiva” e “umas palmadas não matam”, até com as suas personagens que já apanharam MUITO já tentaram forçar pro lado de “blablabla mas a Kelly não é rancorosa” e “blablabla a Bruna é tão fofinha ela não tem raiva da mãe”. Não é só ter raiva, pode até não ser raiva mas fica algum sentimento duro pra quem apanhou e a lembrança nunca vai ser boa, isso é normal e ninguém devia se sentir culpado porque não consegue “rir” quando lembra de um tapa, uma surra que levou. Eu apanhei mais quando era criança, tipo surra mesmo, chinelo ou qualquer coisa na bunda. Quando eu era adolescente a minha mãe me dava mais uns tapas nos braços e ombros ou pegava pelos cabelos, na adolescência quem apanhava mais surra mesmo era o meu irmão, essas surras mais feias de cintada e chinelada na bunda. A gente não sente raiva da nossa mãe mas também nunca tivemos muito respeito. O meu irmão era sonso, sofria na hora da surra mas depois continuava fazendo tudo o que queria e vivia enchendo a minha mãe, fazendo o contrário do que ela mandava. Tipo aumentar o som quando ela gritava pra ele baixar e ligar a TV na hora que ela tinha falado que não era pra fazer isso. Até que eu não discutia muito, ela sempre fala que eu dava menos trabalho e por isso ela até me soltava mais e me deixava fazer mais coisas. Mas quando ela batia no meu irmão eu ficava brava, aí não respeitava muito não. A gente entende que ela não tinha uma vida fácil e criava a gente sozinha mas também ISSO NÃO É DESCULPA, quantas pessoas criam filho sozinhas e não saem batendo, quanta gente estressada ou sem dinheiro nunca levanta a mão pra filho nenhum? O que sinto pela minha mãe não é raiva mas também não é tipo uma admiração. Gosto dela mas acho que não tenho muita coisa em comum com ela. Sou bem mais parceira do meu irmão do que da minha mãe. Fui sincera como o sr. pediu e espero não ter chocado ninguém.

    Bjs! Milli

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    1. adolespanko Autor do post

      Olá, Milena!

      É verdade, as surras podem não ser motivo nem para piada, nem para ódio, mas um sentimento ruim sempre deixam. Você resumiu bem: o efeito era fazer você e seu irmão perderem o respeito por sua mãe. Ninguém que ouve uma ordem dada aos berros sente vontade de obedecer, a vontade que dá é desobedecer. Com certeza era por isso que o seu irmão aumentava a TV quando a sua mãe mandava ele abaixar. Eu penso que desde aquela idade vocês já percebiam que o descontrole da sua mãe era exagerado e não podia ser explicado só pela vida difícil.

      Mas você e seu irmão souberam lidar com a situação da melhor maneira possível, e se tornaram bons aliados. Nem sempre é isso o que acontece, muitas vezes os ambientes domésticos onde surras acontecem tornam os filhos violentos e ardilosos, com frequência fazendo o outro apanhar como forma de vingança ou chantagem, conforme já mostrado em outros artigos.

      Bjs.

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  2. Liam

    Oi, Adolespanko!

    Não sei se tenho muitas novidades sobre isso, porque já falei tantas coisas sobre como eu me sentia quando apanhava… Mas posso falar sobre como vejo a minha família hoje. Eu sinto amor por todos eles, nunca deixei de sentir. Até por aqueles que me batiam. Gosto de estar com eles, tenho gratidão por muitas coisas e valorizo os meus pais, sempre sabendo porque estou valorizando. Beleza, eu “apanhei e me saí bem”.

    Mas não deixo de me sentir triste ou com alguma raiva quando lembro das surras, e tem momentos em que desejaria mesmo poder voltar àquelas cenas e ter força e tamanho para impedi-los de me bater. Às vezes eu queria ter o poder de voltar ao dia em que a minha avó me ladeou para deitar no colo dela e levar aquelas sandalhadas, só para dizer na cara dela: “Não, não vou fazer isso”, e dar um discurso sobre agressão contra crianças. Eu também queria voltar ao dia em que a minha mãe entrou em casa e mal cumprimentou alguém, só escutou a moça que cuidava da gente entregar que eu havia ido brincar no terreno baldio onde estava proibida de ir, e sem falar nada pegou um chinelo e me deu uma chinelada de um lado. Quando encostei em algum lugar para me proteger (já chorando), ela mandou eu virar, e como não virei (obviamente. Alguém viraria?), ela repetiu a ordem gritando, e me deu outra chinelada do outro lado. Foi “só isso”, só duas chineladas. Nem foi a “pior” surra que levei. Mas a sensação de impotência e de humilhação foi muito marcante, acho que mais marcante do que a do dia em que o meu pai me deu um tapa na boca (naquele dia eu até ri na cara dele, já contei isso). E por isso mesmo eu queria voltar àquele momento: para crescer para cima da minha mãe e dizer, “Se acalme, que ninguém aqui tem culpa se você teve um dia de cão, não é assim que se resolve nada, e se me bater, vai apanhar com esse mesmo chinelo, para aprender a se controlar!”. Vamos resumir: eu queria voltar no tempo e reviver aquelas situações, mas sendo o lado poderoso, o lado mais forte, que dá uma brecada e uma lição de moral para ficar na história. Eu não pude impedir aquilo de me acontecer, nem de acontecer com os meus irmão, não consegui defender a mim mesma e nem a mais ninguém, e isso é uma sensação ruim e difícil de superar. Pelo menos para mim, é.

    Sou diferente do rapaz desse depoimento porque nunca parei de sentir prazer em ter contato com a minha família, e inclusive sempre ligava para os meus pais (e tios, irmãos, avós) quando morava fora do Brasil. Adoro trocar ideias com a minha mãe, adoro o jeito e os papos do meu pai, sou muito amiga dos meus irmãos, e até pela minha avó bitolada eu sinto muito carinho. Mas já aprendi que pancadaria em filhos é um assunto polêmico, que não vale a pena ser relembrado e discutido (muito menos nos melhores momentos em família), porque só dá faísca. É uma coisa que eu vou aprendendo a trabalhar sozinha, e simplesmente faço diferente com os meus filhos, mas não tento mais fazer algumas pessoas da família entenderem os meus sentimentos, porque isso dá confronto com os sentimentos e valores deles. Já saquei que para a minha mãe, reconhecer que eu tenho algumas mágoas é reconhecer que ela é uma das pessoas que causaram isso, o que é muito difícil para ela, e a faz entrar naquele estado de quem devolve a culpa para o outro (“Apanhar é ruim? A pessoa que não apronte!”, “Eu ficava nervosa sim, mas vocês também davam motivo!”, essas coisas), ou de quem apela para a caçoada porque não quer baixar a cabeça e dizer que se arrepende. Acho que é isso…

    Não fui muito sucinta, mas me abri com o máximo de franqueza que consegui.

    Beijos!

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    1. adolespanko Autor do post

      Olá, Liam!

      Você teve uma reação honesta. Note que mesmo pessoas bem resolvidas e perfeitamente cordatas, que convivem sem problemas com quem lhe bateu, ficam com essas mágoas guardadas. Eu acho que essas mágoas só desaparecem de todo se a pessoa que bateu um dia vier reconhecer que agiu errado e pedir desculpas sinceras. Mas é muito difícil isso acontecer, acho que nunca soube de um caso.

      Bjs.

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      1. Liam

        Oi, Adolespanko!

        Você tem razão. Muitas coisas ficam guardadas aqui dentro, por mais que o tempo passe e a gente cresça. A minha mãe já cobrou os filhos que aprendessem a superar o passado, mas ela mesma, que tem vinte e tantos anos a mais que eu, não superou completamente o passado dela. E quando eu disse isso a ela, no primeiro momento ela fez cara de brava e de saco cheio, depois ficou quieta por uns dias (o que em nosso código de relacionamento, quer dizer: “Estou pensando seriamente no que você disse”), e já ido um certo tempo, começou a fazer uns desabafos comigo sobre casos da própria infância. Um dos casos que ela me contou nesses desabafos foi aquele da queda do corrimão, que você estava relembrando outro dia.

        Concordo com você sobre a mágoa passar mais fácil quando o outro pede desculpas, mas também não quero depender de ouvir os meus pais (muito menos a minha avó) se desculparem para me sentir em superação, pois acredito que o mais importante é a gente perceber que tudo o que fazemos com os nossos filhos sempre vai ter consequências, e que é por isso que devemos aprender a fazer diferente se enxergamos alguma coisa que não foi boa para nós mesmos. Se no meu tempo de infância os adultos acreditavam que tinham mais direito de surtar e de errar do que as crianças, e que podiam bailar a tarantela no fogo e depois não precisavam pedir desculpas, que jeito? Era a mentalidade que eles conheciam. Obviamente é bem difícil para mim entender como bater em crianças podia ser tão normal para os adultos da geração dos meus pais (e mais ainda para a dos meus avós), e também é difícil eu entender porque sempre foi tão “apavorante” para eles a menor ideia de se desculpar com os filhos, afinal, eu fico mais leve sempre que me desculpo com os meus filhos quando entendo que errei, e se algum dia tivesse batido neles, com certeza iria me sentir muito mal. 

        Mas com aquilo que não se pode mudar, a gente procura se conformar. Eles pensavam assim, achavam que bater educava e “dava limites”, e se não posso construir uma máquina do tempo para voltar lá naqueles momentos e refazer tudo, também não posso injetar arrependimento ou coragem nas pessoas que nos bateram para que elas assumam que aquilo foi um erro. Só posso me sentir feliz porque eu e os meus irmãos estamos bem, apesar de alguns defeitos do passado, e também posso ficar satisfeita por hoje estar criando crianças educadas e solícitas sem que elas tenham algum dia levado qualquer tapa (e nem mesmo castigos). 

        Está difícil ser sucinta (vocês estão mandando melhor que eu nisso 😉), porque esses assuntos chamam muitas coisas escondidas, e aí dá mesmo vontade de falar bastante. Mas está valendo, acho que estou desabafando.

        Beijos!

      2. adolespanko Autor do post

        Olá, Liam!

        É a pergunta repetida mil vezes: se percebemos que uma coisa nos fez mal na infância, por que repetimos a mesma coisa em nossos filhos?

        A superação tem duas vertentes: a primeira, voltada ao passado, é apagar as mágoas e sentimentos ruins deixados. A segunda, voltada para o futuro, é não repetir nos próprios filhos. Você conseguiu a segunda, mas nem tanto a primeira. Mas impressiona como a sua mãe e sua avó não conseguiram nem uma, nem outra. Pelo que você contou, a sua mãe sofre tanto de remorsos por haver batido em vocês, quanto de ressentimentos por haver apanhado da própria mãe, mas é dificílimo ela verbalizar isso. A sua avó, pelo visto, recorreu à religião para apagar seus conflitos internos (muita gente simples faz isso, é bom ter um “ente supremo” para nos dizer o que fazer e nos eximir da responsabilidade).

        Aliás, no próximo artigo publicarei um vídeo muito interessante, que cai como uma luva sobre esse assunto dos pais passarem para os filhos seus maus feitos.

        Bjs.

      3. Liam

        Oi, Adolespanko!

        Há coisas que acho que nunca expliquei a você com mais calma. Quando passei da adolescência e comecei a viver um cotidiano longe dos meus pais, eu não pensava nesses assuntos. Para mim, era uma coisa superada. Eu já sabia que questionava esse lance de bater nos filhos e que tinha minhas críticas quanto a isso, mas não era um tipo de pensamento que tomasse tanto do meu tempo, e também não era uma coisa que me doesse com muita intensidade. Saí de casa aos 17 anos, depois de passar em um vestibular, e mesmo com uma ajuda financeira no começo, aprendi a me virar em outra cidade e ali eu fui criando e consolidando os meus próprios valores. Às vezes eu me incomodava com alguns comentários dos meus pais e da minha avó, ou até dos meus irmãos, mas não passava disso, um incômodo. Quando eu visitava a minha afilhada (que não é nossa parente, e nasceu quando eu estava na adolescência), de vez em quando a minha mãe fazia uns comentários meio raivosos, como “alguém tinha que esquentar a bunda dela no chinelo”, e eu discordava abertamente, mas não ficava particularmente doída com as lembranças de quando faziam isso comigo. Acho que é porque eu me sentia alçando meus voos, cortando cada vez mais o cordão umbilical, então não via mais aquelas frases como “ameaças”, só como inconveniências. Eu ainda era estudante quando conheci o meu marido, logo a gente firmou a relação, e eu casei jovem para alguém da minha geração (pelo menos na minha família e entre meus amigos, fui a primeira). Mudei de país, trabalhei, construí a vida, e por muito tempo esse assunto (pancadaria nos filhos) ficou morto para mim. Eu estava numa boa.

        Na época eu também comecei a conviver com os sobrinhos do meu marido, aqueles estrangeiros. Adorava cuidar deles, mesmo do mais velho, que era mais zoeiro. Como eu também trabalhava com crianças, fui vendo e sentindo na prática como é tranquilo lidar com elas, e nem pensava mais no lado ruim do meu passado, a não ser para fazer uma ou outra comparação interna e perceber como os tempos haviam mudado.

        Mas comecei a me sentir um pouco mais incomodada quando a minha mãe me falou por telefone, muitíssimo revoltada da vida, que “querem sancionar a lei da palmada”. Eu só perguntei, tranquila: “E o que tem isso, mãe?” Ela respondeu indignada de tudo: “Agora não vai poder puxar a orelha, dar um tapa, nem umas chineladas, agora vai ter criança denunciando pai e mãe ou ameaçando, só porque os pais estão dando limites!” Achei exagerada aquela reação, e respondi que eu achava bom pensarem nessa lei, porque afinal, não é mesmo para puxar orelha de uma criança ou bater nela. Me pareceu que estava tudo bem termos opinões discordantes, e que isso poderia até ser normal com a nossa diferença de idade.

        E aí eu vi que esse assunto estava mesmo dando urticária em certas pessoas da minha família, a ponto de se tornar “chato”. Até que um dia falei que cada um faz como achar melhor, mas eu iria educar os meus filhos (então ainda não nascidos) sem bater. A minha mãe ficou bem incomodada com isso, e respondeu: “Deixa você ter mesmo os seus filhos, que a gente conversa.” Aquilo me surpreendeu, e até me chateou um pouco. Eu até então acreditava que mesmo que o pessoal da geração dos meus pais não visse motivos para ficar se martirizando tanto por ter batido nos filhos, eles pelo menos estariam prontos para aceitar uma nova realidade.

        Quando meu primeiro filho nasceu (já no tempo que tínhamos voltado para o Brasil, mas em outro estado, longe da minha família), comecei a sentir que principalmente a minha mãe passou a fazer uma certa pressão, talvez por ele ser o primeiro neto, não sei. Sempre que eu ia visitar os meus pais ou que eles vinham me visitar, tanto um quanto outro ficavam no meu pé para ser mais dura com o meu menino. Só que esse não é o meu jeito. Eu já tinha experiência prévia com crianças, e sempre havia lidado com elas de outra maneira. Comecei a me sentir cada vez mais desrespeitada, mesmo que a intenção dos meus pais até fosse boa (eles não teriam porque querer qualquer mal para a filha e para o neto), e a minha mãe foi gradativamente adotando atitudes cada vez mais inconvenientes, o que indiretamente ia me desqualificando como mãe. Ela dizia umas coisas como “Rapaz, se você fosse o meu filho, já estaria levando um chinelo no bumbum”, ou “Se fosse no meu tempo, já levava uma palmada, que naquele tempo podia”. Se fosse uma ou outra vez, eu até relevaria. Mas sinceramente, aquelas frases e algumas ações já estavam começando a me encher, e aos poucos eu fui até ficando insegura de que algum dia, sem a minha permissão, algum deles (com maiores chances para a minha mãe) chegasse a bater no meu filho. Se eu posso relevar comentários chatos, isso eu não poderia relevar. Daria uma trêta muito séria entre a gente, e eu realmente não queria que aquilo acontecesse. Moramos longe, mas nos víamos com muita frequência, principalmente naqueles primeiros anos do meu filho.

        E com essa atitude indignada e caçoadora da minha mãe (e às vezes também do meu pai e da minha avó), mais o medo de que alguém desse um tabefe no meu filho (que por sinal, era uma criança bem de boa, só às vezes fazia umas “chaticezinhas” típicas de criança pequena), eu comecei a me sentir mal por lembranças que já pareciam enterradas. Porque o que mais machuca nem é bem “ter apanhado”, isso acontecia com quase todo mundo que eu conhecia, e é possível entender que cada época traz a sua própria mentalidade (você já disse que não se julga o passado com a moral do presente, lembra disso?). Acho que o que machuca mesmo é essa atitude de “fod@m-se os seus sentimentos” e “fod@m-se os seus valores”. Eles terem me batido quando eu era criança, doeu, magoou, mas nisso eu até poderia passar uma borracha e seguir tranquila, se eles estivessem dispostos a fazer o mesmo. Mas como a gente vai conseguir fechar uma ferida, se as pessoas que a causaram fazem questão de ficar mexendo nelas? Com um ferimento físico, a gente dá o tempo para ele fechar até não doer mais, até a hora em que vai poder ser esquecido. Mas se alguém vai nesse ferimento e aperta, roda, gira, enche de germes, o que vai acontecer ali? Inflamar… Acho que foi isso que aconteceu com as minhas lembranças, a partir do ponto em que eu já era adulta, já era mãe, e vi que estavam me botando prensa para copiar um passado que eu já sabia que não servia mais. E foi nesse tempo que eu comecei a sentir muita necessidade de entrar em debates sobre esse assunto, falar das minhas experiências, e até de me sentir compreendida, porque essa compreensão estava faltando na minha família.

        Então, acho que agora o meu desafio é de um outro tipo: não é bem uma superação de feridas da infância ou da adolescência, mas de feridas que causaram em mim quando adulta, mas através de coisas do passado. Não sou uma filha ou uma neta com dificuldade para perdoar. É claro que eu perdoo, pois amo todos eles, e já falei que entendo que naquela época eles batiam porque achavam que era “normal” (mesmo que para mim isso seja estranho. Para eles não era, que jeito?). Desculpo até em pensamento, mesmo se eles nunca me pedirem desculpas ou nem mesmo concordarem comigo. Mas preciso aprender a dar a volta por cima nesse sentimento de não ser respeitada nos valores que construí. Acho que os meus pais se sentem um pouco “renegados” quando veem que existem coisas que eu faço diferente daquelas que eles fizeram, mas se for assim, eles também vão ter que aprender a lidar com isso, e a entender que eu não reproduzir algumas antigas atitudes deles não quer dizer que eu esteja rejeitando eles, ou insinuando que eles não foram bons pais, é só uma questão de mudança de pensamentos e de procurar acompanhar os tempos.

        Acho que terei que dizer mais vezes a eles tudo o que achei que fizeram certo, e citar as coisas que foram boas e que aproveito para a minha vida e para a criação dos meus filhos. Será que assim eles vão se sentir melhor, e essas trêtas bobas vão finalmente terminar? Rapaz, e a gente achando que depois dos 18, era só dar tchau e benção e a vida estaria pronta, né não? 😉 Kkkkkkk nada disso, os pais vão envelhecendo e só ficando mais rapadura por fora e maria-mole por dentro (com todo o respeito)…

        Beijos!

      4. adolespanko Autor do post

        Olá, Liam!

        Eu não sabia que tinha sido assim, eu imaginava que para os seus pais, as surras eram um assunto morto, e eles não se desculpavam, mas também não insistiam. Estranhei a motivação da sua mãe de fazer campanha para você bater no seu filho, será que ele a incomodava muito? Qual seria o motivo de tanta raiva? Ou ela queria meramente que você se igualasse a ela, para ela não sentir remorso?

        Realmente eles conseguiram transformar uma recordação do passado em uma preocupação do presente. Pelo que entendi do que você já contou, a sua avó não achava necessário pedir permissão à sua mãe antes de bater, né? Havia um acordo tácito de que sua mãe não poderia bater no seu filho, mas como era apenas tácito, certeza não havia de que isso nunca poderia acontecer.

        Não, as coisas não ficam no arquivo morto depois que a gente faz 18 anos, muitas ficam adormecidas e esperando um gatilho para acordar. Conheço gente que bem depois de adulta resolveu ter uma conversa com os pais para esclarecer as surras do passado, por aí você vê como o assunto ficou perturbando por anos a fio. Mas no fim a conversa foi proveitosa, então, se você quiser fazer o mesmo com os seus pais e acabar com essas trêtas, pode ser uma boa ideia, e no fim todos vão se sentir melhor. Você já viu que “espremendo”, a sua mãe até revela remorso por haver batido e ressentimento por haver apanhado.

        Bjs.

      5. Liam

        Oi, Adolespanko!

        A minha mãe não se sentia exageradamente incomodada com o meu filho, até porque, por incrível que pareça, ela adora ele (e adora a minha filha também). Acredito que aquelas frases que ela falava tinham a ver com a relação que sempre teve com crianças: ela é divertida, cheia de energia, e em algumas situações até sabia colocar alguns limites de uma maneira legal, mas sofria daquilo que chamo de neurose adultocêntrica. Enquanto estava tudo sob controle, ou ela achava que conseguiria resolver com uma imposição pacífica, ia na manteiga. Mas quando acontecia qualquer coisa que ela sentisse como uma ameaça à autoridade dela, o bicho pegava. E como o meu filho não estava na autoridade dela, mas na minha (porque ela pode ser vó, mas a mãe dele sou eu), ela se sentia aflita por ver que não tinha o controle da situação. E por isso ficava me enchendo o saco e falando aquelas infelicidades: acho que (por mais zoado que seja dizer isso) ela se sentiria mais segura se eu agisse com o meu filho do jeito que ela agiria se o filho fosse dela. E como no ponto de vista dela, há coisas que precisam de tapas para ser resolvidas (pelo menos era assim que ela pensava no tempo em que meu filho era pequeno), ela me pressionava nesse sentido.

        Eu e a minha mãe conversamos algumas coisas importantes depois que tivemos uma trêta bastante séria, coisa de um ano e meio atrás. Quando tudo passou e já tinha clima para falarmos sobre a briga, ela me explicou que há coisas que mesmo que pareçam desagradáveis, ela não faz e nem fala por mal, e só age assim porque um jeito dela de demonstrar que se importa com as pessoas, é “corrigir”. Portanto, se ela vê alguma coisa acontecendo que não ache legal, saudável ou adequada, ela sente essa necessidade de “sair corrigindo”, e por sentir liberdade comigo, que sou filha (uma liberdade que ela não teria com as noras), ela acreditava que estaria tudo bem se relacionar assim. Fui sincera: respondi que cheguei a pegar urticária desse verbo corrigir, só por causa dela, e que ela deveria começar corrigindo a si mesma e olhando o que precisa ser arrumado na vida dela antes de “sair corrigindo” a vida dos outros. Sabe que deu certo? Ela reconheceu que andava mesmo chata como a necessidade, com aquela mania de “correção” (além de tudo, é uma visão de mundo muito pessimista, né?), e começou a procurar outros jeitos de se entreter. Esse é um dos pontos fortes da minha mãe: ela tem uma vida própria, com interesses pessoais, e não fica dependendo de filhos e netos para ter companhia e lazer (mesmo sendo querida por nossos amigos, que vão visitar a casa dos meus pais mesmo quando nem estamos lá, só para vê-los).

        A minha avó nunca “pediu autorização” para bater em ninguém, ela ia batendo mesmo, e como o pessoal não reclamava, ela achava que tinha esse direito. A minha mãe nunca deu sinal claro de que bateria no meu filho, mas chegou uma hora em que fiquei mesmo com esse medo. E se isso acontecesse, eu sabia que não ia confrontá-la como filha, mas em um enfrentamento de mulher para mulher. De mãe defendendo a cria, e nunca se sabe onde isso pode parar…

        A minha mãe faz umas confissões mesmo, quando sente que estou disposta na escuta. No dia em que ela desabafou sobre o lance da queda do corrimão, eu tirei um sarro: “Você era goiaba da cabeça, mãe! Começa a fazer xixi com sangue, e não fala nada, fica deixando os outros fazerem exames que já sabia que iam dar errado? Os meus filhos sempre me contam quando fazem alguma coisa, mesmo que sejam coisas proibidas!” Ela desafiou: “Ah tá, mas você bate nos seus filhos?” Respondi que não, eu não bato neles. E aí ela disse com aquele jeito de quem fala uma coisa muito óbvia: “Então, está explicado! Eles não têm medo de você! Eu tinha medo da sua avó. Ela me batia!” Quase, mas quase, eu respondi automaticamente: “E você também batia na gente, e tentava controlar pelo medo!”. Mas travei a língua. Ela estava feliz de poder fazer aquele desabafo, e eu fui a escolhida… Não tive coragem de devolver essa bolacha na cara dela (tadinha…).

        Acho que a minha mãe ficou meio bitolada em “corrigir” tudo e todo mundo porque se criou em um ambiente que tinha mesmo muitas coisas que precisavam ser corrigidas, e a maioria sobrava para ela. E parece que ela arrastou esse vício até depois de crescer e ter os filhos. Hoje eu vou lembrando que lá em casa, muitas vezes, tudo era um agito, parecia que a minha família era um depósito de problemas alheios. Na época eu até gostava, porque havia fases em que a minha casa estava cheia e eu adorava dividir o quarto com os primos e ter crianças para todo o lado, aquela mesa com muita gente. Mas vendo direito, as melhores lembranças mesmo são as dos tempos em que no dia-a-dia estávamos só nós seis (meus pais, eu e os meus três irmãos), e o vira-e-volta de parentes ficava mais para as horas vagas e comemorativas. Os meus pais passavam por muito stress, porque era tudo despejado na carroça deles: alguém separou e não tem para onde ir, chega aí em casa. Alguém adoeceu e precisa de apoio no tratamento, beleza, se hospeda aqui. A nossa casa nunca teve luxo, mas sempre teve espaço (e quando não tinha, os meus pais arrumavam), e os meus pais são muito acolhedores, mas o problema era que tinha gente que não sabia a hora de dar um sossego para eles (e eles também nem sempre conseguiam brecar), que já tinham quatro filhos e trabalhavam bastante. E até isso eu falei para a minha mãe em uma dessas nossas conversas: pela primeira vez na vida inteira, ela tem a oportunidade de cuidar só dela mesma, então vá aproveitar! Os filhos cresceram, os netos estão bem, ela tem saúde, beleza e força, então tem mais é que curtir e deixar dessas paranóias. Né não? 😉

        Vou ter que pensar se será mesmo preciso ter essa conversa com os meus pais. Minha mãe já tem se controlado bem mais, e faz tempo que ela não faz essas campanhas para eu bater nas crianças (isso ela fazia mais quando o meu filho era pequenininho). Mas se eles estiverem a fim, até pode ser uma boa ideia. Só não sei como desarmar os dois, principalmente a minha mãe, porque ela nunca fica numa boa quando alguém fala nessas coisas, sempre vem com contra ataques ou ironias. Assim já nem dá coragem de começar a conversa, né? Às vezes parece que a minha família criou uma censura em cima desse assunto, ninguém quer falar disso para a trêta não recomeçar…

        Beijos!

  3. Marcos S.

    Salve, pessoal!

    Uma comparação que já foi feita é a de uma família saudável onde se usam surras a uma bela pintura com uma mancha em algum pedaço destacado. Aquela deformidade invariavelmente vai incomodar, mesmo que o fundo do quadro continue bonito, e que de longe a mancha grosseira possa até passar despercebida. O total da obra é agradável e valoroso, mas aquele detalhe feio sempre será algo a se lamentar. Penso que é essa a definição que cabe à minha própria família, que de maneira geral era sadia e alegre, mas também recorria a métodos no mínimo questionáveis – e já excessivos para os dias de hoje, vale ressaltar.

    Grande abraço a todos!

    Resposta
    1. adolespanko Autor do post

      Salve!

      Mas pelo menos seus pais não ficaram fazendo campanha para você bater nos seus filhos, igual fizeram os pais da Liam, né? Então, o assunto morreu, ficou só uma mancha no passado.

      Grande abraço!

      Resposta
      1. Marcos S.

        Salve!

        Só uma mancha no passado até certo ponto, pois sempre se pode haver algum ressentimento, ainda que mínimo, por a pessoa ser capaz de refletir: se é tão fácil criar bem os filhos sem palmadas, por que não se esforçaram para não me bater? Decerto dá para conviver com essas memórias na vida adulta, com ou sem esforço, mas sendo os personagens do blog adolescentes que estão sujeitos a surras ou que pararam de apanhar há pouco tempo, acho plausível mostrar os sentimentos de mágoa e reações de revolta que têm sido abordados nas narrativas, sem conformismos forçados.

        Grande abraço!

      2. Maurinho Fabiano

        ”O assunto morreu e ficou só uma mancha no passado”

        Deve ser simples assim para quem batia. Para quem apanhava, nem tanto.

        ”Surrou, passou, esqueceu”, realmente fácil pra quem segurava a cinta, quem sentia na pele é que sabe que a marca não some.

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