Levar para casa? Chinelada pode ser, desaforo não!

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Oi gente! Hoje temos mais um conto, e esse vai ser bem gostoso, lembrando aventuras e presepadas comuns da época de adolescente, quando não raro nos deparamos com gente valentona que quer botar banca, mas nos sentimos poderosos e não temos medo de enfrentar o perigo. Mas também será uma oportunidade para os adultos relembrarem presepadas iguais que fizeram em seu tempo, que agora são motivo para oportuna reflexão.

Vamos deixar a imaginação nos levar para um lindo dia de sol lá no RJ.

A praia estava tão prefeita naquele dia quanto poderia estar. Cantando versos, batendo palmas, batendo nos joelhos e pedindo que a criançada repetisse a canção e os movimentos, Bruna e a Alessandra faziam uma dinâmica com os pequenos alunos. Enquanto a cantoria induzia os pequenos se exercitarem sincronizadamente, Alberto estava em área próxima finalizando o seu próprio treino com a turma mais velha, e Marcela, por sua vez, havia terminado uma palestra sobre cuidados ao mar. Súbito foi escutado o agudo assobio do Alberto, que já havia recolhido alguns equipamentos e fez um sinal de longe.

– Bruna, Alê, estamos na mesa sete!

– Beleza pai, já estamos acabando aqui! – Gritou Bruna de volta, erguendo o polegar.

Alberto, então, guardou os próprios equipamentos na sala reservada, e tratou de se juntar ao animado grupo.

À mesa do quiosque já estava fluindo um papo entre dona Carol, o tio Nicolau, dona Laís com seus gêmeos, e os visitantes dona Nadir, seu Jair, Rafael, Luíza, Ricardinho e Renato. Para evitar casa muito cheia e os costumeiros aprontos de adolescentes sem supervisão, fora feito um arranjo com a turma da dona Nadir e do seu Jair ocupando o antigo apartamento do Alberto, o mesmo onde o tio Nicolau estava morando; e este, por sua vez, passava aqueles dias no apartamento da dona Carol, para liberar o espaço para o casal com os quatro jovens.

– Falando em Bruna e Alê, cadê essas duas, que já chamei? – Observou de repente Alberto a certa altura – A área delas já está vazia e as crianças já foram dispensadas...

– Será que elas não encontraram alguém na sala de equipamentos e ficaram de papo, Beto? – Sugeriu Nicolau de sacada.

– Boa, Nic! Vou ver se elas estão lá! – Respondeu Alberto – Essas meninas precisam comer!

Alberto, então, se retirou, deixando a conversa e a comilança prosseguirem à mesa.

De volta à mesa, Alessandra e Bruna já cuidaram de chamar o assunto de seu interesse:

– Cadê o Rafa e o Renato?

Alguém respondeu que eles haviam ido lavar as camisetas no chuveiro, então dona Carol compartilhou o estranhamento geral.

– Tudo bem, mas eles já deveriam ter voltado, não é? Vou lá atrás dos dois!

Balançando a cabeça, Nicolau fez a sua observação, brincalhão.

– Estão vendo, gente? O que eu disse? Cada hora some alguém! Com essa molecada no pedaço, não dá para ter sossego!

– Ah, não enche, Nic! – Respondeu Alessandra de bate-pronto.

As meninas começaram a puxar os cabelos dele e dar-lhe chaves-de-pescoço, quando então dona Laís tratou de colocar ordem, dedo em riste.

– Chega de palhaçada, todo mundo! Você também, Nicolau! Comportem-se à mesa!

Ricardinho e Luíza não pararam de rir com a cena, mas preferiram não colocar mais lenha na fogueira.

Perto da área dos chuveiros, dona Carol escutou uma discussão entre garotos e logo reconheceu as vozes de Rafael e Renato. Apreensiva, chegou mais perto, e viu que dois rapazes com pinta de surfistas estavam provocando os meninos.

– Já falei que o chuveiro aqui tem dono, ô seus manés!

Espevitado, Renato conferiu em volta e disparou, sarcástico:

– Sério?! Não estou vendo o nome de ninguém escrito aqui!

– Mas a área é nossa! – Devolveu um dos rapazes – É território dos Tubarões!

– Tá, tá, já entendemos! – Provocou Rafael, entrando na onda do primo – Vocês devem ter mijado aqui para marcar o território, né? Porque vocês não têm cara de quem sabe escrever o nome. Se quiser a gente até escreve para vocês, aí não tem erro. ‘Tubarão Podre´ e ´Baleia Encalhada´. Já posso começar?

Renato segurou um risinho, mas os dois ofendidos não gostaram nada. Um deles fechou o punho e cresceu para o lado dos recém-chegados.

– Tá maluco, agroboy?! Quer que a gente escreva uma mensagem bem no meio da cara de vocês?

Com essa dona Carol apareceu de surpresa e deu um pigarro bem alto, empinando bem o queixo.

– Algum problema aqui, meninos?

Renato e Rafael arregalaram os olhos, mas viram que a presença de dona Carol conteve os dois brigões.

– Nada não, dona… Tudo sussa! – Garantiu um dos encrenqueiros.

– Ótimo… A gente está bem na mesa em frente ao posto… Onde eu conheço todo o pessoal da brigada – Respondeu dona Carol, meneando bem a cabeça – Será que preciso chamar alguém de lá, ou foi só um engano?

Fez-se um silêncio constrangido, e então os surfistas, com raiva no olhar, asseguraram:

– Tem nada para chamar ninguém não, tia. É só uma parada do chuveiro aqui.

Assentindo com a cabeça e mantendo os braços cruzados, dona Carol comandou:

– Melhor assim. Rapazes, terminem de lavar essas camisetas e vamos voltar à mesa… Daqui a pouco já vai ser hora de ir para casa!

Sob a vigilância de dona Carol, Rafael e Renato fizeram o combinado, e voltaram ao seu grupo acompanhados por ela. Rafael já sentou bufando.

– Moleques folgados do cacete! Eu já estava quase para meter um pau neles!

– Pode crer! Platinados ridículos! Só porque sabem surfar, ficam aí se achando! – Aprovou na hora Renato, indignado. Imitando bem toscamente os trejeitos dos dois, com direito a passar as mãos abertas pelo topete parafinado, ele concluiu:

– A área é nossa, a área é nossa! Agroboy não pisa!

– Aaaaaah vão se catar!

Franzindo o cenho, seu Jair já cuidou de perguntar:

– Ei, ei, mas o que que houve? Alguém quis arrumar briga com vocês dois?

Dona Carol explicou o que tinha visto e escutado. Já entendendo tudo, Alberto prosseguiu com o esclarecimento, de olhar agudo:

– Pelo jeito, aquela turma do clã dos Tubarões andou aprontando de novo, não foi?

– Clã dos Tubarões, tio? – Questionou a desentendida Luíza – Que parada é essa? Alguma facção criminosa?

A turma do Rio soltou um riso carinhoso, e dessa vez quem explicou foi a Marcela.

– Não é crime organizado não, prima! Os Tubarões são o time de surfistas de uma das escolas dessa praia.

– Uma das escolas financiadas pelos programas do postinho, né? – Relembrou Alberto, enfático – Se não fosse o nosso trabalho aqui, eles não teriam todo esse prestígio, nem recursos para continuar treinando e competindo! Mas aquela garotada se acha dona daquele pedaço! São bem territorialistas…

– Ah pai, mas vamos combinar que já está todo mundo de saco cheio dos Tubarões, né? A praia é pública! Eles não podem dizer quem pisa ou não pisa em lugar nenhum! – Observou, sensata, a indignada Bruna.

– Não, filha, eles não podem – Respondeu Alberto, resignado – Tem muita reclamação daquele pessoal pendurada no postinho, e eu mesmo já conversei com os treinadores para acabar com essa farra toda. O problema é que eles ameaçam quem passa perto, às vezes se juntam em bando, intimidam, impõe condições. Mas ninguém tem como provar nada contra eles. Sem provas concretas, fica difícil segurar aquela turma!

O clima ficou um pouco mais pesado, com o pessoal local revivendo o já conhecido problema e os visitantes se inteirando do caso. No entanto, Rafael e Renato não pareciam compartilhar a preocupação. Altivo, Rafael fez sua colocação.

– Eu seguro eles sim, se eu quiser! Acabo com a folga daqueles metidos!

Antes que alguém dissesse algo contra, Renato deu imediato aval ao primo.

– Fechou, Rafa! Se eles vierem com topete de novo, a gente acaba com o topete deles!

Alberto foi rápido em cortar o papo.

– Opa, opa, podem parar, os dois! Não quero ninguém arrumando encrenca com os Tubarões!

O protesto de Rafael também veio rápido.

– Mas tio, quem arrumou encrenca com a gente foram eles! A gente nem fez nada!

– E vão continuar não fazendo! – Sentenciou Alberto, enfático – Não é para cair na provocação deles!

De braços cruzados, dona Nadir endossou as palavras do Alberto.

– Ouviram, seu Rafael e seu Renato? Nenhum dos dois vai se meter a bacana com aqueles garotos!

– Meter a bacana… Qual é, mãe? Eu toco bateria! – Respondeu Rafael desdenhoso, soprando o ar – Tenho os braços rápidos! Se quiser, eu meto vários socões na cara daqueles plêibas, e eles não vão nem conseguir parar para respirar!

Renato aproveitou o embalo:

– E eu sou pescador, tia Nadir! Consigo puxar peixe de vários quilos usando só uma linha! Acha que eu tenho medo de uns surfistinhas com cara de lambari?! Meus braços são poderosos! Se pego peixe no muque, não preciso ter medo de tubarão fake!

Vendo tamanha ousadia, Nicolau resolveu entrar na conversa, dando razão aos demais adultos.

– Caras, se liguem, vocês são moleques! E pelo jeito ainda não entenderam bem a lei da selva, não é? Ou melhor, a lei das praias! Escutem o que vou dizer: vocês dois estão fora de casa. O pessoal aqui olha para vocês e vê que não são do Rio. Na cabeça daqueles carinhas, vocês são intrusos. E com intruso eles não conversam. Eles avisam na primeira e agem na segunda. Entenderam?

Os dois garotos bufaram de revolta, mas deixaram os conselhos prosseguirem. Quem falou na sequência foi a dona Carol.

– Eu sei que dá raiva ser provocado, ainda mais de graça, do jeito que vocês foram. Mas se voltar a acontecer, ignorem na hora e façam uma reclamação depois. Não respondam, não enfrentem! Ali naquela área, vocês são minoria!

– Ah, então é assim que funciona?! – Retrucou Renato, sagaz – As minorias se rendem às maiorias, e fica tudo assim mesmo?

– Parceiro, aqui é cidade grande, certo? – respondeu o tio Nicolau de bate-pronto – Manda quem pode, obedece quem tem juízo!

Procurando acabar de vez com a discussão, Alberto reforçou:

– Não se responde intriga com mais intriga, meninos! Vocês não são os únicos que já sentiram vontade de usar os punhos contra aquele pessoal. Mas é muito arriscado. Fiquem na sua! Eu estou aqui, o pessoal da brigada está aqui, e tem posto policial logo ali. Vocês dois estão proibidos de tentar resolver a briga sozinhos!

Os meninos chegaram a abrir a boca para contestar mais uma vez, mas seu Jair foi rápido no corte.

– E caso encerrado! Vocês ouviram o Beto!

Vendo que ninguém apoiava a ideia deles, nem mesmo as meninas, que também menearam a cabeça em aprovação às palavras dos adultos, a dupla de primos limitou-se a segurar a indignação e baixar a cabeça. O almoço à beira-mar foi encerrado em relativa harmonia, e depois cada grupo seguiu para os respectivos apartamentos, enquanto Marcela se dirigia ao ponto de ônibus para voltar à casa da tia Cecília.

De noite o clima estava animado no apartamento da dona Laís, com os adultos conversando enquanto a turma de jovens já havia saído para a farra. Dona Laís resolveu abordar o assunto.

– Que idade complicada, hein? A garotada não quer que a gente se meta nos assuntos deles, querem sentir que conseguem se defender sozinhos. O que por um lado é bom, porque a gente precisa mesmo dar autonomia… Mas e a preocupação? E o medo?

– Ainda mais com dois moleques que nem são daqui do Rio, né? – Reforçou o tio Nicolau – Os meus pais tinham o mesmo tipo de preocupação quando eu era adolescente e vinha visitar a Laís…

– Nossa, Nic, eu lembro vagamente de você arrumando trêta com um pessoal da praia! – Observou dona Carol, pega por uma memória repentina – A gente não tinha muito contato naquele tempo, mas agora que você falou, eu lembrei… É que você quase sempre só vinha visitar a Laís em feriado, férias ou fim-de-semana, não era? Teve um dia que deu o maior quiprocó lá no calçadão!

Com essa, o resto do pessoal ficou atiçado por mais detalhes da história. Percebendo o interesse, dona Laís logo emendou, satisfeita:

– Vocês estão falando daquela vez que o Nic levou a Bruna no meio da confusão, escapou por pouco da briga, e depois tomou a maior coça chegando em casa?

As risadas do pessoal deixaram Nicolau meio embaraçado, mas ele tratou de tentar cortar.

– Águas passadas, gente! Vamos dar um desconto, né! Eu era moleque! Devia ter a idade do Rafa e do Renato!

– Mesma idade e mesma falta de juízo! – Completou dona Laís, rindo gostosamente – Quase enlouqueceu todo mundo!

O olhar de Nicolau ficou meio azedo, mas o pessoal manteve o clima de sarro. Com um sorriso bem maroto, dona Carol fez pressão:

– Quer dizer que você escapou de apanhar na praia, mas apanhou em casa, é?

Vendo que as insistências do pessoal não iam parar, Nicolau enfim se rendeu.

– Ah, beleza, então! Se vocês querem tanto saber, eu conto como foi! É que eu tinha vindo passar as férias de dezembro e janeiro aqui no Rio, porque a Laís precisava de uma força com a Bruninha… O pai dela já não estava comparecendo muito, sabem como é… Ela era bem bebê, tinha um ano, por aí. E eu tinha uns 15, ou 16 no máximo…

As memórias levaram Nicolau de volta àquele verão, quando ele, ainda adolescente, estava fazendo uma grande farra com a Bruna ainda bebê. A dona Laís, então com os seus vinte e tantos anos, não pôde deixar de chamar a atenção do irmão.

– Êh Nic, vocês estão zoneando demais, assim não dá! Por que você não pega essa criança e leva para tomar um sol no calçadão, põe ela para brincar no parquinho, qualquer coisa? Me deem algum sossego, eu tenho trabalho para terminar! E não esqueça de passar protetor solar! Na Bruninha e em você, viu?

Sem ligar muito para a repreensão da irmã mais velha, o então adolescente preparou tudo e saiu com a pequena sobrinha, no íntimo um pouco frustrado por não poder aproveitar as férias como gostaria, sem aquele “pequeno adendo”. Mas logo ele percebeu que levar uma criança fofa a tiracolo poderia ser um bom “chamariz de gatinhas”, pois as meninas da idade dele, e até algumas das mais velhas, mostraram-se encantadas com a pequena Bruna, aproximando-se dele na intenção de fazer umas graças e dar umas apertadas nas bochechas da bebê simpática, gorducha e sorridente.

– Olha que fofo!

– É a sua irmãzinha?

– Não, é minha filha. HAHAHA tô brincando…

Curtindo aquela atenção, o maroto Nicolau adolescente logo aprendeu a se gabar.

– Eu que cuido dela, meninas! Querem segurar no colo? Eu deixo! Se quiserem visitar a Bruninha lá em casa, podem ir também… Eu faço um lanche no capricho!

Com os dias passando, dona Laís estava surpresa e satisfeita com tamanha boa-vontade do irmão adolescente em levar a sobrinha para seus passeios diários. “Estamos indo, Laís!”, foi o animado anúncio assim que o sol se abriu. Nicolau, por sua vez, estava aproveitando ao máximo aquelas “oportunidades”, sabendo que em poucos dias os seus pais chegariam para visitar a filha e a neta e fariam questão de levar a pequena Bruna para passear, o que para ele significaria ter o seu “amuleto” roubado.

Maravilhado, o adolescente viu o grupo de garotas ao seu redor crescendo a cada dia, o que fez com que ele se apaixonasse ainda mais pela sobrinha. “Estamos mandando muito bem, pequena! Olha lá, olha lá, é aquela surfista de cabelos curtinhos! É gata demais, e já tem 19 anos! Se você ajudar, ela vai falar comigo, acho que até dá para conseguir o telefone dela! Quando ela chegar para dar oi pra galera, você manda um sorriso, tá Bruninha?

A dupla tio e sobrinha estava trabalhando perfeitamente bem, sem notar que era observada de longe por uma turma de garotos da praia, que julgou-se já cansada de ver toda a atenção das moças voltadas para aquele intruso com um carrinho de bebê. Aproximando-se, alguns dos rapazes tentaram estragar a festa, mas o debochado Nicolau provocou, emendando um gesto de “sei de nada”.

– Não tenho culpa se as gatas daqui acham até um bebê gordo que fala gugu-dadá mais interessante do que vocês…

A discussão ganhou proporções maiores e a história acabou chegando aos ouvidos da dona Laís, que proibiu o irmão caçula de continuar levando Bruna para perto da área daqueles surfistas, bem como de andar sozinho por ali. Bufando, o jovem Nicolau não se conformou. Passou os dias restantes todo “bicudo” para o lado da irmã estraga-prazeres. Naquele fim-de-semana de janeiro haviam chegado os avós de Bruna, que saudosos como estavam, tinham raptado a pequena neta, tirando do jovem Nicolau qualquer chance de continuar usando-a como “isca para belas sereias”.

Até que de alguma maneira, junto com uns amigos que havia feito no prédio, ele conseguiu dobrar a irmã e os pais, dizendo que levaria a sobrinha a um passeio na pracinha, quando sua intenção era retornar ao ponto de encontro dos surfistas. Mentindo na cara-de-pau, a dupla retornou à “zona proibida”, atraindo uma confusão que teria colocado inclusive a pequena Bruna em risco, para desespero da dona Laís e também de seus pais. Após uma patrulha esclarecer tudo e liberar os briguentos, o jovem Nicolau viu-se bruscamente conduzido de volta ao apartamento da irmã, onde encontrou a mãe já brandindo o chinelo.

– Moleque doido!!! Além de chamar briga e se jogar no meio da confusão, leva a sobrinha junto?! Tem o quê na cabeça, menino?!

– Ai mãe, eu estava só pondo uma moral pra cima de uns CHLÉPT! Ai!

As chineladas já começaram a cair no traseiro e nas pernas do garoto, que tentou em vão se desviar e inventar explicações.

CHLÉPT! Ai mãe CHLÉPT! Deixa eu falar CHLÉPT! Eu estava CHLÉPT! Ai para

– Fica parado, garoto! Não corre!

De braços cruzados e olhar bem sério, seu Julião tomou o filho pelo braço, fez um gesto para conter a esposa e fez ouvir sua proposta.

– Selma, deixa que eu resolvo dessa vez!

Ele então arrancou o cinto, engrossou a voz e disparou, bem enérgico:

– Nicolau, já para o quarto!!!

O rapaz, que teve energia para enfrentar a mãe e seu chinelo, desta feita ficou paralisado ao ver aquele cinto grosso nas mãos do pai. Ainda tentou balbuciar alguma desculpa, mas o irredutível pai limitou-se a repetir a ordem:

– Agora!!! LÉPT!

A primeira cintada já foi desferida sobre o calção, como um “convite” para que o filho tomasse o rumo do corredor. Rendido, o jovem Nicolau foi escoltado até o quarto, e lá prontamente sentiu o braço forte do pais sobre suas costas, debruçando-o na cama.

LÉPT! Ai LÉPT! Toma moleque sem noção LÉPT! Ai pai LÉPT! Toma LÉPT! Ai Ai LÉPT! Aiii LÉPT! Ai Ai AI LÉPT! Ahnn LÉPT! Ahhnnnnn

De volta ao presente, a expressão de Nicolau estava levemente apreensiva, e a própria dona Laís foi traída por aquela memória.

– Nossa, admito que fiquei com pena… Daqui da sala dava para escutar bem a surra que o papai estava mandando lá no quarto! Eu quis fazer alguma coisa, mas quem disse que a mamãe deixou? Ela me conteve e ficou aqui, impassível, com aquele olhar sério, deixando o meu pai ´completar o serviço´ lá dentro…

– Acho que você preferiria ter tomado um pau dos encrenqueiros lá na praia, não é, amor? – Observou dona Carol, aconchegando-se no namorado.

Com essa Nicolau até conseguiu soltar um sorriso, e deu sua réplica, após beijar os cabelos da namorada.

– Pode crer! Pelo menos assim eu ia sair de cabeça erguida! Mas agora, encarar o cinto do seu Julião foi pior, p…

Nicolau engoliu o resto da expressão PQP, achando que não ficaria bem soltá-la na presença do pessoal mais velho. O casal ficou trocando carícias, e dona Carol pareceu até meio arrependida por ter insistido naquela trágica história. Até que em um “estalo”, Nicolau puxou uma lembrança.

– Mas vem cá, Carol… Você não disse que uma vez tomou umas sapecadas da sua irmã porque levou a Alê para fazer uma coisa perigosa, também?

Dona Carol arregalou os olhos, e logo afastou o corpo e negou com a cabeça.

– Ah, amor, não sei que história é essa não!

– Como, não sabe? – Provocou o namorado, com olhar maroto – Você começou a contar e não terminou! Foi aquela vez que você colocou a Alê na cadeirinha da bike e saiu ladeira abaixo, não foi? As duas sem capacete!

Dona Nadir até prendeu a respiração.

– Geeeente, que falta de juízo!

– Carol, não me diz que você fez isso! – Reagiu Alberto, cruzando os braços.

– Ah gente, qual é! Eu era novinha ainda, e era meio desmiolada mesmo! – Devolveu dona Carol, inconformada.

– Só meio? – Disparou seu Jair, com olhar maroto.

– Tá bom, tá bom, eu fui bem louca! – Admitiu dona Carol, já um pouco irritada – Mas também… A Alícia me cacetou depois…

Nesse momento a conversa foi abruptamente interrompida pelo chorinho de um dos gêmeos.

– Ih gente, é o Artur ou o Theo?

– Theo! – Respondeu dona Laís, confiante – Mas não vai demorar até o Artur acordar junto… Acabou o meu happy hour, pessoal! Vou lá acudir os filhotes…

Dona Laís bateu as mãos como se quisesse tirar poeira, e já se levantou, deixando o copo de bebida pela metade. Solícita, a dona Carol se ofereceu apressadamente.

– Vou com você, Laís! Assim dou uma força!

As duas pediram licença e se retiraram da sala, indo ao encontro dos bebês. Dona Nadir, Alberto e seu Jair trocaram um olhar simbólico, compartilhando o olhar enigmático pela história que não havia sido terminada. Mas pensaram com seus botões que talvez fosse melhor assim, para evitar más recordações de Carol.

O dia seguinte amanheceu ensolarado, e logo cedo o grande grupo já estava de volta à praia. Tudo estava correndo bem, até que Bruna, Alessandra, Rafael, Renato e Luíza resolveram passar por um lado onde alguns dos “Tubarões” já estavam a postos.

– Ei ei ei, cambada! Pensam que vão aonde?! – Provocou um dos garotos, já se aproximando.

Bruna sentiu a mão do Renato tensionar de fúria, mas foi mais rápida do que a reação intempestiva do namorado.

– Eu e ela trabalhamos no postinho!

Ao ver Bruna apontar Alessandra e usar um tom tão resoluto, o garoto pôs agudeza no olhar, até que um outro chegou perto e confirmou:

– Ela está falando a verdade, Régis! Eu conheço essas minas. Elas fazem o treino dos mirins. São monitoras daquele grupo lá, o Peixinhos ao Mar.

De braços cruzados, o dono do pedaço meneou a cabeça, parecendo satisfeito. A própria Bruna completou:

– A gente surfa também, aqui na área vizinha. Somos do Clã dos Marinheiros.

Mais uma vez o rapaz arregalou os olhos, um pouco surpreso com a confiança da interlocutora. Mas tratou de perguntar:

– Tá. E esses três aí, quem são?

– Nossos convidados! – Foi a vez de Alessandra responder.

– E estão achando que aqui é casa da sogra, para ficar trazendo convidados? – Emendou um dos garotos.

Com essa, Rafael não conteve mais a irritação.

– Deixa de ser folgado, meu! A gente só está passando por aqui! Vocês não são donos da praia!

Alessandra deu um apertão de advertência na mão de Rafael, mas já era tarde. Fez-se um silêncio tenso, e então um dos Tubarões lançou o desafio.

– Iiiiiih, ficou ofendidinho, foi?! Hum, mas peraí… Ô Maçarico, chega mais! Esses dois não são aqueles agroboys que passaram aqui ontem, querendo usar o nosso chuveiro?

Fazendo o reconhecimento, o outro garoto confirmou.

– Eeeepa, pode pá… São eles sim, Régis! E essa gatinha aqui andando com esses vaqueiros, quem é?

Luíza sentiu a mão do garoto pegando a ponta de seus cabelos, e disparou meio enfadada, apontando Bruna e Alessandra para procurar se garantir.

– Sou prima dela e amiga dela.

– Sei, sei… – Questionou o outro garoto – Também está em território que não é seu, boneca… Mas como você é bem gata… A gente perdoa. Mas se quiser companhia, só falar… Te ensino uns macetes de surf… A gente troca umas ideias nesse marzão…

– Obrigada, mas a minha prima já me ensina a surfar – Respondeu Luíza, ainda com ar de monotonia – E eu tenho namorado.

– Tem, é?! – Perguntou o outro rapaz marotamente – E cadê ele?

Mais uma vez Rafael não se segurou.

– Porra cara, deixa ela em paz! Não percebeu que ela não quer nada contigo?! Se toca!

Alessandra foi rápida em sussurrar: “Rafa, cala a boca!”, mas tão rápido quanto o sussurro dela veio a bronca do garoto:

– Ôu, ôu, ôu, vai querer encarar, mané?! Você é bem folgado, né, agroboy?

Renato instintivamente ergueu o corpo, mas foi discretamente contido por Bruna, que tomou a frente.

– Peraí, Régis, peraí! É Régis o seu nome, né? Então… Eu e a minha amiga aqui somos monitoras da Peixinhos, você acabou de confirmar isso! Olha aqui o nosso crachá, o nosso uniforme! E também somos surfistas, a gente representa a Marinheiros! Não tem nenhum intruso aqui, sacou? Eles só estão com a gente de visita, daqui a pouco até já vão embora… Dá uma afrouxada! Ninguém veio aqui criar problemas, só estamos de passagem!

Alessandra meneou a cabeça em concordância, abalando a vontade de brigar dos garotos. Soprando o ar, um deles soltou:

– Tá valendo. Podem ir. Mas olha, não quero mais ver esses dois moleques aqui! Só estou liberando vocês porque as minas são da Marinheiros, e porque elas foram educadas com a gente. Mas fiquem espertos!

Um dos garotos deu um encontrão no ombro do Rafa, enquanto o outro fez um gesto ameaçador a Renato. O olhar dos primos estava furioso, mas eles não disseram mais nada.

O grupo seguiu o seu rumo, e quando já estavam longe o bastante, Alessandra foi a primeira a soltar a reprimenda.

– Porra, Rafa, cacete, Renato! Vocês são malucos?!

– É a segunda vez que parece que vocês querem tomar uma lavada! – Apoiou Bruna, Inconformada.

– Ah, qual é! – Respondeu Rafael, igualmente irritado – Vocês dão muito mole para esse bando de folgados!

– É, gente! Nós estamos em cinco! – Interpôs Renato, entrando no papo – Eles eram dois! É só fazer as contas! Quem ia ganhar a briga?

– Gente, vamos pensar! – Ponderou Luíza, batucando na cabeça – E se eles não estivessem sozinhos? Não ouviram o tio Beto falando que esses Tubarões às vezes andam em bando? Iam fazer a gente comer areia!

– Falando no seu Beto, acho que eu vou ter que contar isso tudo para ele, viu? – Sentenciou Alessandra.

– Pô gata, mas para quê? – Reagiu Rafael – Para a gente ouvir o mesmo sermão de ontem?

– Não! Para ele colocar um pessoal da brigada acompanhando vocês, sempre que vocês quiserem ir para aqueles lados! – Respondeu Bruna pela amiga.

Rafael e Renato trocaram um olhar, e então Renato rematou:

– Não precisa não, meninas. A gente vai maneirar

– É… Foi mal! – Concordou Rafael, mordendo os lábios – É que aqueles caras dão muita raiva, PQP!

– Então vê se vocês seguram a raiva, mano! – Replicou Luíza – Senão depois não vão conseguir segurar a bronca!

Soprando o ar e balançando a cabeça, os dois resolveram não discutir mais. Todos voltaram ao encontro dos adultos sem comentar nada sobre o ocorrido, e o resto do dia correu sem mais problemas.

Mais tarde, novamente os adultos viram-se sozinhos na varanda do apartamento enquanto a garotada estava ocupada com alguma atividade fora de casa. Durante uma conversa, Nicolau trocou olhares com o resto do pessoal. Todos estavam notando o ar macambúzio de dona Carol. O que se passaria com ela? Chegando por trás da namorada, Nicolau deu-lhe um abraço gostoso e beijou-lhe o pescoço, fazendo-a dar um riso fofo.

– Amada, a conversa está boa, né? Mas acho que você está um jeito meio triste… O que aconteceu?

Entendendo o recado, dona Carol mordeu os lábios e olhou o namorado nos olhos, como se dissesse: “É que aquela conversa de ontem me deixou meio para baixo…”. Já fazendo-lhe uma carícia no braço, dona Nadir procurou descontraí-la.

– Então conta, Carol! Todo mundo aqui pode ouvir, ninguém vai se surpreender com nada!

Vendo a pressão cair para esse lado, dona Carol se encorajou e viajou ao próprio passado, resgatando aquelas lembranças.

– Eu tinha uns 16 anos, e a Alê tinha pouco menos de um aninho… Mas ela já tinha tamanho para usar aquelas cadeirinhas frontais, sabem? Então eu colocava ela ali sentadinha e saía pedalando nas ruas… Era bem gostoso! Só que a minha irmã Alícia me enchia o saco, achava perigoso, tinha medo de eu levar um tombo com a menina ali, enfim! E eu falava que não pegava nada, que só ia pelo caminho seguro, mas não adiantava! Todo santo dia aquela voz de comandante na minha orelha: ´Caroliiinaaaa, já vai sair de novo com a bendita bicicleta?! E ainda vai levar a Alêzinha junto?! Por que você não vai a pé, garota?!´ Blá blá blá!

A imitação da dona Carol, juntamente com o gesto de “buzinar na orelha”, fez o pessoal conseguir soltar algum riso, desanuviando um pouco o clima. Ela prosseguiu:

– Até que de tanto a Alícia me encher, eu resolvi mesmo arriscar uma aventura… E que aventura!

De volta àquela ocasião de tantos anos atrás, dona Carol viu-se adolescente, cheia de energia e descendo rapidamente uma ladeira perto da praia, com a gargalhante bebê Alessandra cuidadosamente posicionada no assento da frente.

– Uhúúúúú, se segura, filha!!! Somos as melhores ciclistas da Baixada!

Extasiada, a adolescente fez voltas e mais voltas, percursos e mais percursos, ficando cada vez mais suada e cheia de areia e deixando a pequena filha no mesmo estado. Até que um imprevisto a obrigou a interromper as corridas.

– Ih Alê, precisa de outra fralda, é? Peraí, vamos voltar para o nosso pedaço! Eu troco você rapidinho!

A jovem Carol chegou ao ponto de sempre, encostou a bicicleta em algum canto e retirou a bebê Alessandra da cadeirinha, já perguntando ao pessoal conhecido se poderia encontrar algum lugar para fazer a troca de fralda. Mas Alícia estava por perto e viu a cena toda, não demorando a se aproximar para saber o motivo da irmã e da pequena sobrinha estarem descabeladas, cobertas de areia e suor, e meio queimadinhas de sol.

Displicente, a jovem Carol nem se preocupou em disfarçar.

– É que a gente subiu e desceu umas ladeiras!

Boquiaberta, Alícia já pôs as mãos na cintura e soltou a bronca.

– Como é que é?!

Com a filha no colo, a jovem Carol sacudiu os ombros.

– E daí, Alícia?! A Alê adorou!

Após uma calorosa discussão em público, Alícia pegou a irmã pelo braço e sentenciou:

– Quero ver se você vai adorar o castigo que vai levar! Para casa, Carolina!!! Quero ter uma conversa séria com você!

A indignada Carol viu-se puxada para casa, cambaleando com a bicicleta nas mãos, enquanto a irmã tinha Alessandra no outro braço. Após colocar as duas para se lavar na ducha e escoltá-las até o apartamento, Alícia fechou a porta, colocou a pequena Alessandra no chão e já cruzou bem os braços para admoestar a irmã.

– Irresponsável!!! Podia ter se machucado sério, e machucado a sua filha!!!

Soprando o ar, a jovem Carol replicou:

– Ai Alícia, quanto drama! A gente estava se divertindo! Você devia fazer isso também, assim não ficava com tanto tempo para pegar no meu pé!

Dona Carol lembrou como tinha o costume de agir e falar antes de pensar naqueles tempos. Quando viu, a irmã Alícia já estava tirando um chinelo do pé e catou a irmã pelo braço sem muito aviso.

– Chega!!! Vem aqui, Carolina!

– Porra Alícia, para com CHLEPT! Ai

As chineladas caíam no bumbum e nas pernas da adolescente Carol de corpo erguido, que dava pinotes para trás, procurando se afastar.

– Vem aqui, Carolina!!!

– Não CHLÉPT! Ai merda tá doendo CHLÉPT! Ai não vou CHLÉPT!

A jovem Carol foi recuando até dar com as costas na parede entre a mesinha e o sofá. Tentou fugir para o lado. Mas foi agarrada pela irmã mais velha, que jogou seu peso sobre ela, fazendo-a debruçar sobre o sofá.

– Toma, ô doida CHLÉPT! Aiii Maluca CHLÉPT! Me largaaa CHLÉPT! Irresponsável CHLÉPT! Para de me bater CHLÉPT! Toma mais nessa bunda CHLÉPT! Tá doendo CHLÉPT!

Sem conseguir soltar-se, os esbravejos da irmã mais nova foram trocados por súplicas, as lágrimas irromperam e ela deixou-se ficar de bruços no sofá a chorar. Alícia estava ofegante, a luta não havia sido fácil, pensou Carol no presente com alguma satisfação. Mas a certa altura, antes que uma das duas pudesse dizer alguma coisa, ambas notaram um choro meio assustado que só podia vir da pequena Alessandra, que estava testemunhando a cena. Caindo em si, Alícia parou de bater e foi acalentar a pequena sobrinha.

– Calma, Alê, calma, não chora… Vem cá com a titia, está tudo bem!

A jovem Carol aproveitou a pausa para recuperar o próprio fôlego, e ficou olhando de esguelha a irmã pegar sua filha no colo, demonstrando tanto jeito para acalmá-la. Sentindo o bumbum latejar cada vez mais, ela passou as mãos pelo quadril, tentando colocar a cabeça em ordem. Mas passado todo o estupor, Alícia recobrou o tom severo.

– Que tenha servido de lição, Carolina! E sem bicicleta até o fim do mês!!!

Já com a energia recuperada, a jovem Carol soltou o protesto.

– Ah Alícia, qual é! Você me bateu! Não pode me tirar a bike como castigo! E outra, você nem é a minha mãe!!!

– Não comece de novo com essa conversa, garota! – Disparou Alícia, apontando-lhe bem o dedo – Se você faz coisa errada, sou eu que tenho que resolver, então eu posso sim castigar você! Já está decidido, não vai mais usar a bike até o mês acabar! Agora dá licença, que vou fazer a mamadeira da Alê, que nem isso você deixou pronto!

Ainda de bruços no sofá, a jovem Carol soprou bem o ar, observando a irmã colocar Alessandra no chão e seguir até a cozinha. Vendo-se sozinha com a pequena filha, a adolescente fez uma cara bem sentida. Nesse momento, a pequena Alê chegou mais perto com um brinquedo nas mãos e o estendeu à mãe. Com essa a jovem Carol conseguiu abrir um riso. Apanhou o brinquedo babado e lançou um olhar enternecido à pequena filha. “Ah Alê… Foi legal, não foi?”.

De volta ao presente, dona Carol viu todos enternecidos com aquela parte da história. Experimentou uma pontada no peito ao constatar que tantas vezes batera naquela mesma pessoinha que fora consolá-la com um brinquedo, quando era ela mesma que estava apanhando. Mas não se sentiria bem de compartilhar aquilo com o pessoal, e voltou a fazer um olhar entristecido. Vendo a expressão da namorada cair de novo, o Nicolau procurou levantar o astral.

– Ih Carol, ainda bem que naquele tempo a gente ainda não tinha muito contato! Imagine quantas presepadas a gente não ia fazer juntos?

Fazendo sinal-da-cruz sob risadas gerais, dona Laís rematou:

– Deus me livre! Eu não ia dar conta!

– Ah, falou aquela que foi a maior santinha na adolescência! Né, Pinga-Fogo?! – Retrucou a sarrista dona Nadir.

A resposta veio rápida: “Fica na sua, Pinta-Brava!”. Aproveitando o momento de descontração, Alberto entrou na conversa.

– Agora que a história está contada, que tal sairmos para tomar um chopp e beliscar alguma coisa no calçadão? Está calor demais para ficar dentro de casa. E amanhã vai ter praia boa de novo, do jeito que esse céu está estrelado!

Todos acharam uma boa ideia, e a noite dos adultos terminou ao ar livre. 

A praia do dia seguinte estava boa como previsto, exceto por um momento em que o Rafael e Renato, durante um passeio de bicicleta, cruzaram sem querer um pedaço demarcado pelos Tubarões. Renato estava um pouco atrás, mas Rafael foi repentinamente brecado por um garoto.

– Ei ei ei! Vaza!

– Qual é, cara?

Mas a discussão engrossou rápido, e em determinado momento o garoto empurrou-o da bicicleta e ergueu-a no ar, jogando-a longe. Caído ao chão, Rafael ainda não se rendeu.

– Cacete, cara!!! Eu aluguei essa bike! Se você estragar, vai ter que pagar!!!

Alarmado, Renato viu o garoto pegar um punhado de areia com a mão e atirar no rosto de Rafael, prendendo-o ao chão em seguida. Com a visão embaçada, Rafael sentiu o medo começar a despontar, vendo-se sem grandes chances contra aquele ágil oponente. O rapaz ainda não estava batendo nele, mas torcendo agressivamente o seu braço para trás, provocando-lhe uma boa onda de dor, e as ameaças já se faziam ouvir.

– Quer que eu arrebente você, moleque?! Se eu quiser, ralo a tua cara ali no asfalto! Agroboy folgado!!! Já passou da hora de levar umas porradas, né?

Debatendo-se em vão e tentando mostrar-se mais forte, Rafael devolveu:

– Me solta! Solta, se tem coragem!!!

Mas logo foi a voz do Renato que foi escutada:

– Ali, tio! Olha lá, ele quer bater no Rafa!

Piscando bem os olhos ardidos, Rafael viu o pai se aproximando rapidamente.

– Ei, moleque, o que é isso?! Solte o meu filho! Você está machucando ele!

O garoto ainda tentou botar uma banca.

– Tio, a parada aqui é entre a gente!

Mas o vozeirão do seu Jair demonstrou sua falta de disposição para discutir com um rapazola briguento:

– Agora!!! Ou eu mesmo vou ter que fazer você soltar!

Vendo-se sem alternativa, o garoto paralisou, cara fechada. Mas não deixou de fazer o seu deboche antes de finalmente largar Rafael.

– Sorte sua que papai chegou, agroboy! Escapou na maciota!

Rafael ainda sentiu o corpo bater ligeiramente contra o solo, antes de ser largado. Seu Jair pediu ajuda a Renato para levantar Rafael, que fez umas caretas de dor, e então sentiu-se erguido no colo do pai, que disparou bem enérgico:

– Você agrediu um passante, rapaz! Isso não vai ficar assim! Ah, mas não vai mesmo!

– E vai fazer o quê, tio?! – Devolveu o garoto, raivoso e debochado – Se quiser vir me bater, pode vir! Mas vai ter que encarar o time todo!

– Nada disso, espertalhão! – Assegurou seu Jair, negando com a cabeça – Essa história vai ser resolvida de outro jeito! Pode aguardar, e falar para todos os seus amigos ficarem de olhos bem abertos!

Ele então ergueu um pouco mais o corpo do filho, que estava atravessado em seus braços, e pediu que o sobrinho pegasse a bicicleta do chão e a levasse de volta à área. Lá chegando o alvoroço foi grande, com todos preocupados com o estado do Rafael e querendo saber mais detalhes. Foi Alberto quem tratou de pôr ordem na roda.

– Calma, gente, calma! Vamos levar ele até o posto! Não foi nada grave, está tudo sob controle! Depois eu vou acionar a brigada para tomar uma providência contra quem fez isso!

Rafael foi levado a uma enfermaria, onde foi avaliado que ele sofrera apenas uma grande escoriação no braço e uns arranhões aqui e ali. Ele recebeu uma bandagem no braço ferido e uma boa lavagem nos olhos. Já de volta à área da praia, recostado no leito improvisado em uma espreguiçadeira, ele sentiu-se mais calmo, e logo viu o pai se aproximar com um prato de peixe escaldado.

– Come aqui, filhão! Isso é energia pura, vai ajudar você a se recuperar! Vamos lá…

Fazendo uma careta, ele ergueu um pouco o tronco e deixou o pai alimentá-lo. Renato entrou na conversa:

– Tio, eu juro, a gente não provocou aquele moleque! Aquela área nem é deles, a gente só estava passando de bike!

– Eu sei, Renato! – Respondeu seu Jair, bem tranquilo – A gente acredita que não foram vocês que puxaram a briga

– E não foram mesmo! – Concordou Alberto, olhar agudo – Agora, se eles intimidaram gente fora da área da barraca deles, e pior ainda, se teve agressão física, já somos obrigados a apresentar provas! Rafa, você sabe o nome do garoto que fez isso com você?

Rafael franziu o cenho, e foi Renato quem respondeu.

– Não era Régis?

– Não, não, Régis foi aquele que encrencou com a gente nos outros dias, Rê! – Respondeu Rafael – Um era Régis, o outro era um tal de Maçarico. O moleque de hoje, acho que a gente ainda não tinha visto! Ele deve ter ouvido falar da gente por causa dos outros dois…

– E vocês tem como dar uma descrição? – Questionou Marcela, entrando na conversa – Roupa, aparência…

– Ah, ele estava com uma regata cinza, uma bermuda de banho aí… Tinha um cabelo meio lambido…

– Bom, não sei se isso ajuda muito, né? – Lamentou Marcela, suspirando.

Seu Jair pôs fim à conversa:

– Eu vi bem a cara do rapaz, bati de frente com ele! Posso reconhecer na hora, se vocês trouxerem ele aqui!

O posto policial foi acionado, e não demorou para que alguns dos encrenqueiros mais conhecidos daquela escola fossem escoltados para um reconhecimento. Passou-se um tempo e notou-se um vai-e-vem até que as coisas fossem enfim resolvidas.

– Pessoal, já falei até com alguns treinadores da Tubarões – Chegou Alberto com a notícia – Os garotos que intimidaram vocês vão ser suspensos dos treinos e ter vetada a participação do próximo torneio. Já o que bateu no Rafa, aquele foi expulso mesmo! E está devidamente proibido de chegar perto da área onde começou a briga!

– Que aprendam com essa! – Disparou Bruna, batendo o punho fechado na própria mão – A praia é de todo mundo!

– Só espero que eles não tentem arrumar trêta em outras áreas! – Completou Alessandra.

– Não vão, Alê! – Assegurou Alberto – Porque ficou acordado que se isso voltar a acontecer em qualquer ponto da praia, a Tubarões perde o apoio financeiro. Os treinadores finalmente vão ficar na cola daquela garotada! Não adianta ter postura só ali em cima das ondas, não. Tem que mostrar uma atitude respeitosa fora delas, também!

– Apoiado, tio! – Replicou Marcela – Pena que o Rafa precisou tomar uns cacetes para alguém fazer alguma coisa, né?

A observação atrapalhada e ao mesmo tempo sagaz fez o pessoal se descontrair pela primeira vez desde o grande susto. Dona Nadir levantou a moral da história:

– Bom, meninos, espero que todos vocês tenham aprendido alguma coisa com essa aventura! Onde há fumaça, há fogo. É sempre bom pedir ajuda nesses casos. Melhor ser um covarde vivo do que um herói morto! Não é, meu filho?

Rafael prontamente concordou com a cabeça, sendo seguido por toda a garotada. Uma turminha mais nova pôs-se ao redor dele, que já estava mais relaxado em sua espreguiçadeira. 

– Ele cruzou a sua cara com o punho, Rafa? – Perguntou Ricardinho, empolgado.

– Caraca! E quase arrancou o seu braço? – Emendou outro garoto.

Antes que Rafael respondesse, uma outra pré-adolescente entrou no coro:

– Você mastigou areia e tudo?! Conta pra gente! O alarido dos mais novos deixou Rafael um pouco tonto no início, mas logo ele estava rindo divertido, saciando todas as curiosidades. Os adultos observaram conformados, soltando risinhos e meneando as cabeças.

10 ideias sobre “Levar para casa? Chinelada pode ser, desaforo não!

  1. Milena

    Ah tá, “chinelada pode ser”.

    Quando vão acabar com essa mentalidade de que pegar chinelo e bater nos filhos “pode ser”? Quando essa merda desse pensamento finalmente vai parar de ser normal? Triste. Desculpa sr. autor eu não quero ser grossa nem trompeta, só queria falar o que penso. Tô tão cansada disso. “Blablabla leva de boa blábláblá é só chinelada”. Cansa. Difícil.

    Bjs! Milli.

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  2. adolespanko Autor do post

    Olá, Milena!

    Quando vai acabar? Já está acabando. Note que o pessoal da geração passada, que fez presepadas semelhantes, apanhou umas chineladas, mas do pessoal da geração atual, ninguém apanhou.

    Eu pensei no título lembrando a mentalidade da garotada do meu tempo, que até achava “digno” apanhar dos pais em casa, mas que não admitia de modo algum apanhar de inimigos na rua. Eu me lembro de uma briga entre uns colegas de classe que eu presenciei quando era garoto, e um deles disse mais ou menos assim: “A minha mãe me bate, me ensinou a ter vergonha na cara”. Ou seja, parecia até sentir orgulho de apanhar da mãe, mas estava desafiando o outro, que aliás era bem maior do que ele.

    Nas minhas histórias, eu uso muito o paralelo entre os acontecimentos do presente e o flash-back da memória dos adultos, justamete para enfatizar as mudanças entre uma geração e outra.

    Bjs.

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      1. adolespanko Autor do post

        Olá. Milena!

        Quantos anos eu tenho? Multiplique 6 vezes 9 rsrs…

        Por aí dá para ver que aquele episódio que eu contei aconteceu muitas décadas atrás. Naquele tempo havia aquela mentalidade de que “não podia apanhar na rua, mas podia apanhar em casa”. Mas como eu fiquei muitos anos sem ter contato com pessoal jovem, eu não sei dizer bem como foi a evolução de lá para cá, se aquilo acabou tem muito tempo, ou se foi só a pouco tempo. O pessoal mais novo pode informar.

        Mas em um tempo mais antigo ainda, era ainda pior: se o garoto apanhasse na rua (ou não reagisse como devia) o pai dava uma surra depois, dizendo; “Filho meu que apanhou na rua, em casa apanha de novo”. Mas isso eu só vi em literatura.

        Bjs.

      2. Milena

        54 então? Tá novo ainda autor. A minha mãe tem 57. Mas ela batia em mim e no meu irmão, nele nem faz tanto tempo assim que parou. Mas com certeza é muita viagem essa de “não pode apanhar na rua mas pode apanhar em casa”, o meu irmão apanhava mas não quer dizer que ele aceitava tão bem assim. Muito menos achava isso digno, ninguém vai achar né. Deve ser coisa do tempo de vcs mesmo.

      3. adolespanko Autor do post

        Olá, Milena!

        Ops, me enganei, eu quis dizer 7 vezes 9. Sessenta e três aninhos rsrs. De qualquer modo, sou bem da geração da sua mãe. Mas com certeza, na época que ela batia em você e seu irmão, já havia passado o tempo em que as pessoas diziam de cabeça erguida que apanhavam em casa para “aprender a ter vergonha na cara”.

        Bjs.

  3. Liam

    Oi, gente!

    O Adolespanko questionou uma coisa que acho que posso responder. Essa história de “apanhar na rua e depois apanhar em casa” não acontecia só em literatura não, no meu tempo de criança viram acontecer de verdade mesmo. Eu não lembro bem dessa situação, mas a minha mãe já contou várias vezes. Quando eu estava no jardim I (que hoje nem tem mais esse nome, agora se chama 1º período), tinha um menino que era o terror da escola. Uma das coisas que ele gostava de fazer era passar pela fila do lanche batendo por baixo das bandejas dos colegas. Às vezes estourava os potinhos de iogurte, ou machucava o nariz das crianças com o choque da bandeja contra o rosto. Um dia eu esperei chegar a minha vez, e dei um empurrão no menino antes que ele batesse na minha bandeja. Como ele não estava esperando aquela reação, perdeu o equilíbrio e tombou. Acabou batendo a parte de trás da cabeça em um degrau de concreto. Foi pesado, saiu sangue e tudo, ele se machucou mesmo.

    Nossos pais foram chamados à escola e a minha mãe se desculpou com o pai do menino (o cara estava uma arara), dizendo que minha atitude havia sido por autodefesa, e que eu não pretendia que as coisas chegassem àquela gravidade. Quando ela disse “a minha filha não quis prejudicar o seu filho”, o cara questionou a palavra “filha”. A minha mãe mostrou quem eu era, apontando o pátio. O cara ficou ainda mais furioso, pegou o filho e saiu gritando: “Como você apanha de uma menininha dessas???”, e encheu o coitado de bolachas na frente da minha mãe e de sei lá quem mais.

    Não que isso seja desculpa, mas a gente até começa a ver de onde vinha o jeito ogro daquele menino. Até a minha mãe, que às vezes era bem impaciente e um bocadinho “raiz” (o Adolespanko sabe, já conversamos várias vezes sobre ela), achou aquilo um absurdo, e ficou com pena do menino. Para aquele pai, era vergonhoso o filho apanhar de uma menina (de onde ele vinha? Do tempo em que se amarrava cão selvagem com linguiça?), e isso era mais preocupante do que a criança ser a sarna da escola e ter terminado praticamente de cabeça rachada… E foi nos anos 90. O que significa que provavelmente foi antes do tempo da Milena (está parecendo que ela é mais nova que eu), mas já foi bem depois do tempo da minha mãe, que regula idade com o Adolespanko.

    Beijos!

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    1. adolespanko Autor do post

      Olá, Liam!

      Fico surpreso que uma coisa assim tenha acontecido em tempos tão recentes, mas a lógica é a mesma dos tempos antigos: os pais achavam vergonhoso que os filhos fossem fracos ou covardes, e se apanhassem na rua, apanhavam em casa depois. Apanhar de uma menina, então… Mas você nem bateu nele, foi mais um acidente. Com certeza o garoto já estava assimilando aquela mentalidade.

      Não tem mais jardim, agora é 1o Período? Estou desatualizado mesmo.

      Bjs.

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      1. Liam

        Oi, Adolespanko!

        Não são “tempos recentes”, foi nos anos 90. 😉 Mas entendi o seu pensamento: por uma perspectiva histórica, também não são tempos tão remotos assim, e surpreende que naquela época ainda houvesse pessoas com essa mentalidade tão tosca.

        Isso, agora o antigo jardim-escola (que no meu tempo se chamava Jardim I e Jardim II) chama-se 1º período e 2º período. Depois disso vem o 1º ano do Fundamental I (equivalente ao antigo pré-primário), e esse bloco vai até o 5º ano. Então começa o Fundamental II (equivalente ao antigo ginásio), do 6º ao 9º ano, e como última etapa, o ensino médio (que no meu tempo já se chamava assim mesmo, mas no tempo dos meus pais era “colegial”).

        Beijos!

  4. Maurinho Fabiano

    Olá Arnaldo!

    Essas brigas por pedaço de chão aconteciam muito no meu bairro de menino, acho que todo cabra criado em periferia viu disso. E infelizmente ainda acontece. Vc já fez esse tema nesse conto e em um outro, o das meninas cruzando uma fronteira com as bicicletas e fazendo esforço pra escapar da briga. Acho bom, porque é um tema que fica sempre atual. Essas coisas de pai sendo muito bruto com filho também é um tema que não é perdido, o machismo ainda está por aí e tem muito menino que sofre também. Mas já tem melhorado, a sociedade anda aceitando isso cada vez menos.

    Saudações!

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