A Boneca Solitária – II

Dando prosseguimento à análise do caso da boneca solitária, vemos que, de fato, Dare Wright parecia ter o dom de “dar alguma vida” aos brinquedos que viraram os astros de seus roteiros literários. A maioria das fotos, mesmo sem legendas, passa uma impressão bem clara do que poderia estar acontecendo. Nessa imagem, o Senhor Urso sugere uma pose de comando, e Edith parece curiosa, intimada, ou impedida de fazer alguma coisa.

Essa é uma das muitas imagens de afeição, reforçando a teoria de que a autora buscava tanto extravasar a sua própria amabilidade (há relatos da afilhada dela, Brooke Ashley, confirmando que era uma criatura extremamente doce e paciente), quanto preencher antigas carências.

Há muitos takes externos, mostrando os personagens ao ar livre, “como uma família feliz”.

Mais uma vez, fica claro que a relação entre Edith e o Senhor Urso seguia um modelo pai-filha de acordo com os padrões da época. Ela constantemente busca conforto nas “patas” dele.

Em 31 de outubro de 2011, Stephen Gerz, redator do blog Booktryst, fez uma análise sobre a obra e a biografia da autora.

…………………………………………..

A mais perturbadora série de livros infantis já publicada.

Por Stephen J. Gertz.

Uma bonita atriz e modelo tornou-se fotógrafa de moda, e ela, para todas as aparências uma urbana sofisticada, falava com as bonecas que fotografava para seu prazer pessoal, “Agora, fiquem paradas; não se mexam; só fiquem aí como estão”, em uma voz infantil e melódica. Ela, na verdade, falava com suas bonecas sempre que estava rodeada por elas, o que era frequente.

Sua [boneca] favorita, Edith, a criança entre ursos de pelúcia, ela nomeou inspirada em sua mãe dominante. (…) Edie, como sua mãe era conhecida, era uma pintora de retratos respeitada pela sociedade, embora a sociedade fosse confinada a Cleveland, onde elas viviam antes de chegar em Manhattan, atraindo artistas, interesses e alguns meios, e às vezes para a sua sorte, todos os três. Formavam uma dupla e tanto: [Greta] Garbo, uma vez como convidada de um jantar, ficou encantada.

Dare Wright (1914 – 2001) era A Boneca Solitária (1957), o livro que lhe trouxe fama e o primeiro em uma série de livros infantis sobre Edith, os dois ursos de pelúcia que fazem amizade com ela, os psicodramas juvenis que Wright colocou nele, uma família grande e feliz, e o anseio de uma mulher-criança resolvendo suas neuroses. Os livros são, em grande escala, exercícios autobiográficos de realização de desejos.

Dare Wright, em essência, fotografou e publicou cenas de sua vida de fantasia com ela sendo a estrela, uma garotinha presa em um mundo além de sua compreensão e trabalhando nisso com percepção infantil. E garotas jovens responderam: os livros se tornaram muito populares. Através dos olhos de criança de Dare Wright e seus leitores, a série A Boneca Solitária reflete o mundo como elas o entendem. Para adultos maduros, ela pode ser um pouco perturbadora, com uma essência estranha, neogótica, um tanto assustadora e perversa; a vida de Dare Wright foi escrita em versão infantil. Agora a série é bem colecionável.

Dare Wright foi atraída para a fotografia após sua carreira como atriz e modelo estagnar. Ela era absorvida por autorretratos, com frequência fotografando a si mesma como uma ninfa do mar, nua e inocente, também com frequência presa por uma rede ou lavada pelo mar, aparentando um cadáver, ornamentada com detritos do mar, uma concha sobre um olho, como se estivesse deixando uma moeda para Caronte para atravessar o rio Estige até o mundo dos mortos. 

Ainda assim, as fotos possuem um erotismo palpável do qual ela parecia completamente inconsciente. Elas são todas simbólicas de algo que não podemos sempre compreender, mas vagamente sentir. Às vezes o simbolismo é óbvio.

É inevitável que em quase todos os livros da série A Boneca Solitária, a pequena Edith leve uma surra. Em um deles, ela está amarrada a uma árvore com uma corda, e amordaçada. 

Há momentos em que você olha os quadros inocentemente concebidos em preto e branco de Wright nos livros e vê, ao mesmo tempo, um sádico e masoquista, os dois papéis como um só no subconsciente do autor, id e ego em conflito com propriedade perfeita.

Em um outro autorretrato ela está completamente nua em uma praia, aberta, ousada, orgulhosa, quase desafiante. Sua mãe está sentada em uma toalha no fundo distante. Dare segura algo – um peixe morto? – em sua mão direita, acima de sua cabeça, e com o rosto virado em um desrespeito frio e desdenhoso, ela parece pronta para jogá-lo em sua mãe. É uma declaração subconsciente de independência, raiva e desdém que ela nunca pôde reconhecer para si mesma, muito menos declarar abertamente.

Em 2004, Jean Nathan escreveu A Vida Secreta da Boneca Solitária, uma biografia de Wright. É uma das histórias mais estranhas, tristes, bizarras e simplesmente esquisitas que você lerá. Ela faz Marilyn Monroe parecer a mulher-criança mais sã e bem-ajustada que já viveu.

As primeiras edições dos livros A Boneca Solitária (Wright escreveu dezenove edições entre 1957 e 1981), em boa condição e com sobrecapa, são vendidas a partir de 325 dólares para os primeiros volumes subsequentes, e por até 750 dólares pelo conjunto da primeira edição do primeiro livro da série, a primeira sessão de auto psicoterapia de Wright e o mais bem vendido de todos eles. A Boneca Solitária foi reeditado em 1998.

Dare Wright envelheceu, tornou-se alcoólatra, foi horrivelmente estuprada, ficou mentalmente confusa, e morreu sozinha, talvez o destino inevitável da inspiração e modelo vivo de A Boneca Solitária

…………………………………………..

Após essa publicação, a própria Brooke (afilhada de Dare Wright) fez algumas correções: na verdade, os spankings não aparecem em todos os livros, mas em apenas alguns. A autora também não morreu sozinha, pois tinha amigos dedicados com quem manteve relações afetivas até o fim da vida.

Alguns(as) comentaristas disseram achar “presunçoso” tentar fazer uma análise psicológica da autora, outros acharam certos detalhes perturbadores, e houve quem reconhecesse jamais ter feito tal leitura da obra exatamente por não conhecer a história e o cotidiano de Dare Wright, que se expressava muito pelas lentes, mas era extremamente discreta em sua vida pessoal. 

Essa comentarista indica que lendo o livro em sua infância, nunca desconfiou da mente que estaria por trás do enredo.

…………………………………………..

Uau, eu não tinha ideia de que a autora era tão problemática. O primeiro livro foi absolutamente o meu favorito, sendo uma criança dos anos 60, e eu não sabia que havia sequências. Agora terei que procurar por elas. Realmente não penso que alguma criança leria algo perturbador nesses livros, embora seja necessária uma pausa para respirar após ver essa foto foto da Edith amarrada em uma árvore.

…………………………………………..

Outra comentarista levanta um ponto interessante: ela se fascinou pela cena de spanking por fazer uma relativização, já que julgava que sofria abusos mais graves em seu lar, e por isso interpretou as palmadas em OTK levadas pela boneca como “carinho”, sobretudo pela reconciliação que houve depois entre spankee e spanker

…………………………………………..

Esse livro me tornou uma permanente fetichista de spanking. Lembro vividamente da primeira vez que a minha irmã leu para mim – eu tinha uns 3 anos, por volta de 1966. Meus irmãos e eu éramos surrados mesmo, não levávamos palmadas assim, e eu de fato nunca tinha nem visto um spanking sobre joelhos (otk) até ver essa foto. Edith tinha sido atrevida e fortemente mereceu a punição, que foi bem suave, e depois ela foi perdoada e o Senhor Urso prometeu nunca deixá-la. Aquilo foi tão amável, tão tranquilizador, e tão diferente do que eu estava experimentando, que eu imediatamente erotizei a cena e passei a ficar sexualmente excitada por qualquer referência de spanking a partir de então. Tem sido fascinante e ao mesmo tempo triste ler sobre a vida conturbada da pobre Dare.

…………………………………………..

Será que é esse o mecanismo que pega muitos(as) fetichistas? Por sofrerem situações que consideram muito dolorosas e acima de suas tolerâncias (mesmo que não sejam especificamente abusos físicos), de certa forma minimizam o spanking e o categorizam como uma manifestação de afeto e ternura, excluindo a lente da violência – e por isso apresentam uma certa frieza na leitura da cena, como a comentarista que em vez de se comover pela protagonista ter apanhado, julga que a surra foi “fortemente merecida”. Afinal, o que teria acontecido com ela, caso estivesse no lugar da bonequinha?

Fica uma sugestão para refletir.

Outro comentário foca nas imagens, e em como elas são hipnotizantes.

…………………………………………..

Um de meus livros favoritos de todos os tempos quando criança. Dare Wright sempre me fascinou. A fotografia dela é incrível.

…………………………………………..

Uma comentarista manifesta incômodo ao saber que a autora sofreu graves abusos sexuais.

…………………………………………..

Queria que você não tivesse dado detalhes sobre o estupro horripilante. Gatilho máximo para mim. Me arrependi de ler essa página.

…………………………………………..

Alguém tentou suavizar a situação, talvez por ter percebido o quanto a informação foi perturbadora para a comentarista.

…………………………………………..

Não há detalhes sobre o “estupro horripilante”, só uma menção a isso. Ensaio muito interessante e recordo-me de ter lido alguma coisa dela infância. Lembro principalmente das capas quadriculadas. Que triste luta pela vida. Acho que a autora estava tentando aniquilar o que era muito claro: uma batalha muito pessoal para essa mulher.

…………………………………………..

Outra pessoa compartilha a experiência de ter sido uma criança daquela época e leitora dessas obras.

…………………………………………..

Tenho adorado esses livros desde a minha infância até o dia de hoje. Às vezes eu os pego e leio sozinha, olhando fixamente as imagens como uma criança fascinada, e tenho 56 anos. A senhorita Wright era um individuo brilhante e eu espero que ela tenha tido alguma felicidade na vida dela, a mesma felicidade que com certeza deu a muita gente.

…………………………………………..

Outra pessoa, interessantemente, reconhece que já via “algo sombrio” por trás daquela inocência.

…………………………………………..

Li esses livros quando era menina nos anos 60. Eles eram perturbadores para mim e me deixavam inquieta, e eu não sabia o porquê. Agora tenho algum entendimento.

…………………………………………..

Já essa outra comentarista via (e ainda vê) tudo com olhos bem inocentes.

…………………………………………..

Amo tanto esses ursos. Acho que a boneca, Edith, é tão linda. Eu só queria fazer um chamego bem longo com eles em um sofá durante uma noite de inverno. Dare é uma fotógrafa incrível – de ursos e pelúcia e de tudo mais. Eu acredito que os ursos e a Edith ainda existem e agradeço aos céus por isso. Simplesmente adoro todos eles. Não consigo me cansar deles. Preciso de mais. 

…………………………………………..

Uma outra acha que fazem alarde demais em cima da cena de spanking, que na visão dela, seria uma coisa banal para a época, quando muitas crianças eram punidas dessa forma.

…………………………………………..

“A Boneca Solitária” era um de meus livros favoritos quando criança, e eu me identificava com a Edith e identificava a minha irmã mais nova com o Pequeno Urso, já que ela era mais atirada e levada do que eu. Mas as pessoas hoje estão vendo coisa demais na cena das palmadas e procurando por significados escondidos que tenho certeza de que não existem. Os tempos mudaram, mas naquela época (1957) quase todas as crianças apanhavam se faziam malcriação, incluindo eu em algumas ocasiões, e a cena no livro pareceu absolutamente nada de extraordinária para mim naquele tempo. Um pouco de palmadas (não surras realmente abusivas, claro) eram muito parte da vida normal de uma criança e eu realmente não acredito que haja qualquer coisa profunda para ser lida nessas cenas. A única coisa que lembro ter me espantado, quando eu tinha uns seis anos – já que eu costumava pensar em tudo de um jeito muito lógico -, é que se aquela era a casa da Edith, então com certeza todas as roupas e maquiagens eram coisas dela, então por que ela não deveria usá-las se quisesse? No meu ponto de vista, eles foram punidos mesmo foi por escrever “o Senhor Urso é um bobão” no espelho. Aquilo me chocou!

…………………………………………..

Parece uma lógica da época, de fato: no ponto de vista de muita gente que cresceu naquele tempo, seria mais chocante as crianças escreverem uma bobagem no espelho insultando a autoridade da casa, do que a referida autoridade bater nas crianças, em vez de fazê-las limpar o batom, se retratar e seguir a vida. Sem juízos morais; apenas constatações.

O autor do blog procura explicar o motivo para a sua análise, enfatizando que nenhuma obra artística, seja escrita, pintada ou fotografada, surge sem algum pano de fundo que começa com as necessidades psíquicas do(a) próprio(a) autor(a). Aqui fica bem explicado:

…………………………………………..

Uma palavra em geral: um artista é às vezes o pior intérprete de sua própria obra; eles estão muito próximos a ela e frequentemente não entendem de onde veio o produto de sua imaginação, um espaço sagrado nas profundezas do subconsciente no qual eles devem confiar e não questionar, para que a fonte não seja contaminada pela dúvida e seque. Dare Wright era uma artista problemática que fez urgir o seu talento em um gênero literário que embora seja rico com ilustrações artísticas, não é geralmente associado à estética das artes refinadas. 

E, por fim, é isso que os livros “A Boneca Solitária” são: arte refinada adentrada em um gênero popular. Eles transcendem a audiência para a qual haviam sido feitos originalmente para endereçar os demônios interiores que se escondem discretamente sob a superfície plácida da vida cotidiana de uma criança. O dom especial de Dare Wright era que ela falava com os seus leitores mirins como uma colega, não como uma adulta. Ela não precisava mediar entre os dois mundos para encontrar um caminho até a criança; ela falava diretamente, através de suas simples (embora altamente estilizadas) fotografias e de seus textos. Os demônios de infância não precisavam ser despertados por ela. Eles estavam vivos, no presente, ultimamente a única companhia constante da Boneca Solitária.

…………………………………………..

A conexão de Dare Wright com crianças ficava evidente sobretudo em sua interação com a afilhada Brooke Ashley, que se entendia com ela a ponto de às vezes desejar ser sua filha. Dare fazia agrados a Brooke dos quais ela nunca se esqueceu (e que fez questão de citar na biografia póstuma que escreveu sobre a madrinha), como levá-la para relaxar à beira dos lagos de Maryland, preparar festa de aniversário onde os “convidados” eram os próprios personagens da série A Boneca Solitária, e deixá-la ajudar a posicionar os bonecos para as fotografias dos livros em produção. 

Brooke também se refere à madrinha como alguém que preparava mingaus gostosos e fazia os seus bolos favoritos, decorava a mesa de refeições para vê-la feliz, e a embalava na cama antes de dormir, inventando histórias sobre piratas e tesouros escondidos. Dare Wright, a despeito de seus problemas interiores, conseguia transparecer uma imagem de pessoa brincalhona e descontraída, atendendo ao perfil que costuma agradar à pequenada.

É interessante notar o contraste entre a pose de Dare junto de sua mãe, Edie, e aquela que ela mostrava quando estava “do outro lado” da relação. Com a mãe, ela parecia mesmo um pouco recuada (embora confortável) como uma criança pequena. Seria apenas um toque poético a um ensaio fotográfico, ou a revelação de uma relação baseada em poder?

Já posando com o famoso “Senhor Urso”, ela o segura e o encara com firmeza, e faz um olhar bem cintilante. Como quem pretende dizer: “Nos livros, é você que me controla. Já aqui fora…”

A mesma pose confiante e altiva é mostrada nessa foto com o gatinho Kitten, que também serviu como “modelo” para alguns de seus livros. Mas dessa vez, o olhar é mais maternal do que inquisidor (dá para entender: o Kitten não representava nenhuma figura de autoridade…).

E quando posava sozinha, Dare tinha quase sempre um ar seguro e elegante, basicamente um mulherão que não lembra em nada a bonequinha triste e carente que implora para o urso de pelúcia não deixá-la sozinha…

Voltando à tão comentada cena de spanking: afinal, o que Dare pretendia ao fazer uma boneca apanhar de um urso e colocar tal imagem em um livro infantil?

Segundo sua afilhada Brooke, nada de mais. O spanking foi meramente uma inspiração de momento, que na verdade surgiu de uma reação espontânea da própria Brooke, conforme ela conta nessa página do site oficial da fotógrafa/autora.

…………………………………………..

A musa secreta de A Boneca Solitária.

Por Brooke Ashley, afilhada de Dare Wright.

Algumas pessoas (muito poucas das quais cresceram quando o livro foi publicado pela primeira vez nos anos 50) inferiram que o texto e as imagens de A Boneca Solitária expõe um lado obscuro e problemático da autora. Apontam para uma cena no livro onde o Senhor Urso dá umas palmadas em Edith por ser malcriada, e são críticos quanto ao vestido curto de Edith que mostra a sua anágua. Sem um entendimento da Era em que o livro foi escrito, quando a maioria das crianças levava palmadas e as meninas pequenas usavam vestidos curtos, uma única fotografia fora de contexto se tornou um alvo fácil.

Por trás das cenas – A história real.

Segurei Edith pela primeira vez quando tinha três anos, logo antes de “A Boneca Solitária” ser publicado. (…) Na época em que eu tinha seis, passava a maioria de meus fins-de-semana com a Dare e nós começamos a vestir Edith com uma série de figurinos. (…) As orelhas pequeninas de Edith tinham dois brincos de argola como os que Dare usava, e de repente ela se parecia muito com a própria Dare.

Depois que o irmão da Dare, Blaine, a surpreendeu com dois ursos de pelúcia, Dare e eu começamos a imaginar aventuras para o trio. O Senhor Urso seria uma figura paterna adorável, embora um pouco mal-humorada, que fumaria cachimbo enquanto lia seu jornal. e o Pequeno urso era um irmãozinho chato, mas carinhoso. A personalidade de Edith era tanto tímida quanto impetuosa. Como todas as crianças, ela ansiava por uma família estável e amizades duradouras, enquanto expressava um medo universal do abandono.

(…) Mas Edith, embora fosse carinhosamente doce e atenciosa na primeira parte de 1955, estava um pouco monótona sem um lado rebelde para balançar essas boas qualidades. Isso estava prestes a mudar.

Era fim de ano, às vésperas do Natal de 1955, e a Dare criou figurinos de anjos para mim e para Edith. Ela tirou uma série de fotografias onde eu posava docemente com Edith para um conto breve chamado “O Anjo e Sua Boneca”, que Dare magicamente transformou em um outro modelo de livro para mim.

No final da sessão formal, quando já estava tudo bem sair do personagem, fingi que a Edith tinha sido um querubim muito travesso que havia invadido um camarim celestial para se encharcar de purpurina proibida. Dare decidiu continuar clicando quando curvei Edith sobre o meu joelho para um spanking – e essa foi a gênesis da posterior cena de spanking em “A Boneca Solitária”, que se tornou ganhador de prêmios em literatura infantil clássica.

A Dare não manifestou nenhum trauma obscuro de infância ao criar a cena de spanking de “A Boneca Solitária”. Ela apenas ecoou os impulsos inocentes de uma criança pequena que sabia como era apanhar, e que ocasionalmente mostrava suas anáguas.

…………………………………………..

A explicação de Brooke parece razoável quando levamos em conta que, realmente, nos anos 50 era comum crianças apanharem de adultos, o que já foi endossado por comentaristas de outros artigos e não chega a ser grande “novidade” para tanta gente.

No entanto, naquela época Brooke era uma criança de seis anos, e para ela, Dare era a adulta divertida com quem ela passava momentos lúdicos. Fossem qual fossem os demônios do subconsciente de Dare Wright, sua afilhada com certeza não poderia percebê-los; e talvez a Brooke tenha se sentido até um pouco “responsável”, em certa medida, pela confusão que sua inspiração de momento causou à obra e pelas consequentes críticas e especulações que recaíram sobre sua madrinha querida.

Algumas questões ainda não se calam por aqui. Brooke reconhece que a protagonista do livro ansiava por uma família estável e por amizades duradouras, assim como sofria com um medo universal do abandono. Mas será que aos seis anos, ela se perguntaria de onde isso veio, e por que esse enredo surgiu e/ou encantou sua madrinha? 

Da mesma forma, na visão de Brooke, tudo o que ela estava fazendo ao sair do papel de anjo protetor para repentinamente encarnar uma spanker, era “brincar inocentemente”. É assim que uma criança da época veria as coisas. Porém, ela não deixa de dizer sobre si mesma: uma criança pequena que sabia como era apanhar. Ou seja, ela podia não saber disso, mas estava descarregando algo na boneca Edith, que já devia estar ficando “meio irritante” por ser tão perfeita e inatingível aos olhos de uma criança normal. A inspiração para aquele ato não veio “do nada”, tampouco de qualquer referência etérea ou meramente visual; Brooke apanhava, e sabia como era. Se sua madrinha resolveu aproveitar a cena para seu livro (ela poderia ter descartado o spanking, mesmo tornando a boneca um pouco mais levada para que não ficasse tão certinha e acabasse virando mais uma antagonista do que uma referência para leitores-mirins), fica mesmo quase descartada a possibilidade de alguma insinuação erótica. Mas não a probabilidade de que com esse cenário, Dare Wright estivesse dando vida à família que sempre quis ter, ainda que o “pai” fosse um spanker ocasional. 

E é bem curioso que nenhuma das duas tenha pensado em incluir um personagem que representasse uma figura materna… Talvez porque Dare já tivesse a sua mãe sufocante, e Brooke enxergasse em Dare um tipo de mãe substituta. Em um de seus escritos, Brooke comenta que quando ela era bebê, “seus pais ficaram aliviados por se livrar de uma criança com cólicas” (ao deixarem-na com Dare pela primeira vez por um fim-de-semana inteiro, onde ela foi muito bem cuidada enquanto os seus pais acampavam), além de falar com um certo sarcasmo sobre uma foto onde posou com sua outra madrinha, Tallulah Bankhead: “As fotografias da Dare capturavam os raríssimos momentos onde Tallulah mostrava o seu lado maternal.” Tudo indica que as duas – Dare e Brooke – preenchiam mutuamente suas carências mais profundas; e assim sendo, é esperado que apesar de tamanha sintonia, uma não pudesse captar “exatamente” o que se passava no subconsciente da outra.

Sejam coisas da época ou expressões de traumas, o fato é que algumas obras de Dare Wright podem perturbar os desavisados. Além da boneca Edith, ela usou Persi, uma outra bonequinha de sua infância, para ilustrar três livros, todos com a mesma essência de criança abandonada, entristecida e sentindo-se só. Um deles chama-se A Pequenina, e foi publicado em 1959. Segue o enredo:

…………………………………………..

Essa é a história de uma bonequinha chamada Persis que foi resgatada de uma fazenda abandonada por uma tartaruga gentil. “Fuja agora e veja o mundo”, disse a tartaruga ao deixá-la sair da casa velha e escura para a luz. Quando o sol aqueceu Persis e o vento soprou o último grão de poeira de cima dela, foi exatamente isso que ela decidiu fazer. 

O Urso Legal e o Urso da Cruz estavam fazendo sua caminhada da tarde quando encontraram Persis tirando uma soneca sob uma macieira. Quando a bonequinha acordou, perguntou se poderia ir para a casa com os ursos, e assim eles partiram juntos. O Urso Legal mostrou a ela como se divertir ao ar livre e a alimentou com mel e uvas. O Urso da Cruz, que era excessivamente mal-humorado, chamava Persis de “pedra no caminho”, até um acidente fazê-lo perceber o quanto ele também se importava com ela.

…………………………………………..

Bem interessante: a figura paterna é sempre representada por um urso, e é sempre essa figura que resgata a protagonista da sensação de desamparo.

Outro livro com a mesma boneca chama-se Faça-me Real, com publicação póstuma. O roteiro já é mais simbólico e poético:

…………………………………………..

“Faça-me Real” é uma estória agradável sobre uma garotinha chamada Brett e sua bonequinha Persis, que se torna sua melhor amiga. Persis só pode ganhar vida quando for amada por uma criança, e deve voltar a ser apenas uma boneca quando a criança crescer. 

…………………………………………..

É uma boa metáfora para o mundo de fantasia infantil, e parece evidente que representa a própria autora com a sua “melhor amiga”. A boneca “perde a vida” quando a criança cresce (parece que toca de leve na ferida do abandono). Para esse livro, Dare convidou Brett, a filha de sua afilhada Brooke, para ser a modelo.

Já o que foi publicado em 1965, Leve-me Para Casa, parece bem sombrio desde a capa.

A boneca Persis (que nessa história se chama Robin) está completamente nua no meio da floresta, e estica os braços pedindo colo. A foto já poderia servir para instigar a imaginação (ou ativar memórias killer) de muita gente, mas o enredo ainda tem nuances adicionais:

…………………………………………..

Uma bonequinha chamada Robin vivia alegremente na floresta com pequenas criaturas, e todas a amavam. Ela amava cada pequeno esquilo, coelho e pássaro. Até que um dia uma menina chamada Susan viu Robin deitada entre as folhas e levou a pequenina boneca para sua casa. Susan não era uma garotinha que conseguia ouvir conversas de bonecas, e não escutou Robin gritando: “Ponha-me no chão, ponha-me no chão. Vivo nas florestas. Essa é a minha casa!” 

Robin foi rapidamente bem recebida pelas outras bonecas de Susan e por seus animais de brinquedo, mas sentia falta de seu lar nas florestas, e tinha saudades terríveis de seus amigos animais silvestres. O amigo de Robin que também vivia na floresta, o Corvo, procurou e procurou até encontrar para onde ela tinha sido levada. Com a ajuda esperta do Corvo, Robin conseguiu escapar como um brinquedo e retornou para o seu amado lar nas florestas.

…………………………………………..

Seria uma analogia para adoções e seus difíceis processos de adaptação? Quem viveu para conhecer a autora, talvez saiba…

Dare Wright faleceu em 2001, aos 86 anos, e deixou todo esse legado – sombrio ou encantador? Vai de cada freguês.

Dez anos após sua morte, o cantor americano Cass McCombs lançou uma linda valsa com o mesmo título do livro: The Lonely Doll. Claro que é uma homenagem póstuma à autora. Vale a pena escutar, é uma canção bem suave e relaxante.

Em homenagem a todas as coisas, petite

Linda e doce

A boneca solitária

Esse verso eu ofereço e saúdo

Em desejo de agradar

A boneca solitária 

Um retrato pintado de verdade

Mas imaginado para acalmar

A boneca solitária

Por eterna beleza em juventude

Amor, pena, compaixão e amizade

A boneca solitária

Tropeço para fora do salão

Em uma noite de junho passado

A boneca solitária

E escuto uma melodia distante e triste

Sob a lua de díade

A boneca solitária

Minha alma com vinho apaguei

A música despertou 

A boneca solitária

Sigo uma garota que parece bêbada

Por uma casa de papelão

A boneca solitária

E pela janela eu vejo

Uma garota à minha frente

A boneca solitária

Ela estava cantando para o espelho

Seria um apelo?

A boneca solitária

O quarto dela estava cheio de vestidos e laços

Já que uma boneca precisa de suas roupas

A boneca solitária

Ele se curvou para cheirar uma rosa

E ficou na pontinha dos pés

A boneca solitária

Com uma escova feita de jade e pérolas

Ela escovou seus cachos dourados

A boneca solitária

Vi os olhos tristes de uma menina

Sob lágrimas caindo como redemoinhos

A boneca solitária

Ela foi para a sua cama de dossel

E deitou sua cabeça

A boneca solitária

Pegou sua ovelhinha e disse

Algo com temor

A boneca solitária

Mas eu estava muito bêbado para ver sentido

Senti a essência dela

A boneca solitária

Virei-me para deixar aquela pretensão

Parti para a noite escura e imensa

A boneca solitária

Lembro daquela boneca cantante

E de seu chamado doloroso

A boneca solitária

E esse é um pequeno lembrete da música

Cuja tristeza não era tão pequena

A boneca solitária

O que acharam?

Conhecendo a história pessoal da autora e seu consequente perfil psicológico, não é difícil entender como surgiram os arquétipos que vieram compor a saga da boneca solitária. O que é difícil mesmo de entender é como tal história teve tanto sucesso de público. Como um enredo tão restrito a circunstâncias pessoais pôde encontrar eco no imaginário de uma multidão de leitores? Teria a autora conseguido transmitir uma mensagem universalmente inteligível, que “toca qualquer coisa” dentro de qualquer um? As reações foram variadas, desde quem viu apenas uma narrativa inocente até quem se assumiu fetichista de spanking após ler as obras, mas quase todos perceberam algo perturbador. E o que é perturbador, também é fascinante.

Examinando mais de perto os arquétipos, vemos que a figura do urso é universalmente associada a força, poder e destreza, mas ao mesmo tempo, sabedoria e proteção. Dá a impressão de ser uma criatura ao mesmo tempo carinhosa, protetora e disciplinadora; poderoso, não deixa de ser “fofo”, e sereno, só exibe sua ferocidade quando se faz necessário. Muitos deviam deixar-se seduzir por uma figura paterna com tais características. O que realmente “saiu um pouco do esquadro” foi a empostação sensual-inocente que a autora deu às cenas de spanking (que de resto, eram recorrentes nas HQ e histórias voltadas ao público infantil, mas sem tal empostação). Alguém sabe de outras histórias infantis com características semelhantes?

Sim, eu já publiquei um artigo sobre palmadas na literatura infanto-juvenil, onde cito a obra Marcus Robô, publicada pela primeira vez em 1975 (bem após a Boneca Solitária, mas já distante de nosso tempo). É contada a história de uma menina que ganha de presente um robô que faz tudo, só que entre suas “funções” está “Dar Palmadas”. Criatura diferente, mas o mesmo enquadramento de companhia+proteção+disciplina. Talvez forçando um pouco a memória, alguém se lembre de mais.

17 ideias sobre “A Boneca Solitária – II

  1. Thalita Britto

    Oi, Arnaldo!

    Tive um insight aqui: será que o sucesso desses livros também não teve a ver com as imagens quebrarem um pouco daquela pegada de “brinquedos assustadores”? Ok, muita gente achou o negócio perturbador, mas isso inclusive porque no imaginário infantil, ver brinquedos se mexendo e falando é uma coisa meio arrepiante mesmo. Ainda mais com as bonecas de antigamente, que já eram figuras meio bizarras. E aí, a autora até consegue colocar alguma “fofura” nas fotografias, fazendo com que os personagens infantis pelo menos se parecessem com qualquer criança por aí, que é curiosa, mexe onde não deve, faz umas levadices e dá umas respostas nem sempre agradáveis… Pode ter sido também por isso que muitas pessoas da geração que leu esses livros na infância acabou se identificando com as obras. Mas os spankings ficam totalmente dispensáveis mesmo, com ou sem o tal do “erotismo implícito”. O papai-urso aí poderia ter ficado uma figura mais carismática sem essas cenas de palmadas…

    Mas também não sei se ursos são vistos sempre como animais simpáticos, apesar da popularidade dos cursinhos de pelúcia… Acho que crianças o veem como bichos meio imprevisíveis, que podem passar de anjos a diabos sem muita razão ou aviso, hehe! Lembrei de uma cena daquela série de filmes com o John Travolta, veja só (pobre guri!).

    Bjs!

    Resposta
    1. adolespanko Autor do post

      Olá, Thalita!

      Tem a ver, sim. As crianças têm um relacionamento forte com os brinquedos que depois que a gente cresce, a gente esquece. Brinquedos são frequentemente usados para extravasar sentimentos reprimidos, como eu já publiquei naquele artigo sobre dar palmadas em bonecas. Tendo tanto poder sobre os brinquedos – tem aquela foto da Dare segurando o urso e olhando-o fixamente, como quem diz: eu mando em você – deve haver também um medo lá no fundo de que os brinquedos invertam o jogo e passem a comandar. Bonecos fofos à luz do dia podem ficar assustadores no escuro, como foi o caso daquele palhaço de Poltergeist.

      Uma das cenas mais marcantes do cinema foi no filme Brinquedo Assassino (o primeiro, as continuações foram uma porcaria). Um filme realmente assustador, pois pela primeira vez mexeu com esse medo de que os brinquedos invertam o papel. O garotinho está contando para a mãe coisas que o Chuky lhe disse, e a mãe achando tudo fofo, crente que é apenas imaginação do menino. Então, de repente, o menino solta uns palavrões típicos de marginais, mas sem perder o ar inocente de uma criancinha. Devastador…

      Eu acho que o pessoal vê tanto no urso uma figura benfazeja porque o urso não tem uma agressividade ostensiva, tal como outros predadores tipo um tigre. O urso tem um porte sereno, então é gostoso crer que ele não é “do mal”, e só usará sua ferocidade quando justo e necessário.

      A mensagem da história poderia ser passada sem nenhuma cena de spanking, mas apenas mostrando o Senhor Urso como sério e dando repreensões quando necessário. Ficaria a mesma figura paterna forte e protetora. Então temos que concluir que o spanking mexia mesmo com o imaginário da autora. Alguns leitores podem ter se identificado, mas a maioria só achou as cenas esquisitas e desnecesárias, pois embora o spanking fosse aceitável em histórias infantis na época, ele não era mostrado com aquele sensualismo perceptível.

      Bjs.

      Resposta
      1. Thalita Britto

        Oi, Arnaldo!

        Por curiosidade, pesquisei sobre a origem dos ursos de pelúcia. No começo eles eram vistos como brinquedos malignos, e não como “coisas fofinhas”. Lá por 1902, Theodore Roosevelt estava caçando na floresta. Frustrado por não ter conseguido abater nada, ele viu seus colegas agarrarem um filhote de urso negro e o prenderem por uma coleira de caça, deixando o animal indefeso, e dizendo a Roosevelt que ele poderia atirar à vontade. Mas ele se recusou, por julgar aquilo um ato imoral. A imprensa tomou nota e logo uma charge se espalhou, mostrando a figura do presidente se recusando enfaticamente a matar o ursinho. Essa charge inspirou um cara chamado Morris Michtom, que era dono de loja de doces do Brooklyn, a criar um urso de pelúcia, e com autorização do presidente Theodore, batizou o brinquedo de Teddy Bear (como é chamado até hoje na língua inglesa).

        As vendas bombaram, mas um padre local não gostou, dizendo que aquele brinquedo encorajaria o “suicídio racial” e faria as crianças perderem o interesse pelas bonecas tradicionais, que na época eram vistas como um incentivo à maternidade. Nas falas do padre havia toda uma pegada de estereótipos de gênero, papéis sociais e romantização da “família tradicional”, evidentemente. Ele inclusive considerou “nojento” que as gurias gostassem de acariciar, abraçar e beijar ursos de pelúcia. A principal preocupação dele era que os tais ursinhos reduzissem os índices de natalidade entre os americanos de cepa velha (ou seja, descendentes dos primeiros britânicos), por tirar o foco das crianças da brincadeira de “ser mamãe”.

        Bom, a Dare Wright nasceu em 1914, então ainda viveu a onda dos discursos do reverendo anti-ursinhos, pois ele ficou uns trinta anos alugando a imprensa com as mesmas falas. Será que usar ursos de pelúcia como figuras de autoridade nos livros, inclusive permitindo ao mais velho agir como um pai-spanker que pune uma perfeita bonequinha caucasiana da Lince, não era até um tipo de “protesto pacífico” da autora? Talvez ela quisesse moldar a mentalidade da nova geração com uma pegada transgressora. Ela não fantasiava ter o “pai perfeito”, mas idealizava o “pai urso” (e de pelúcia, ou seja, o “ser abominável”), que não se encaixaria nos padrões da “família de velha cepa americana”. Se ela quisesse apenas reproduzir a família padrão que nunca teve, usaria bonecos com formas humanas para representar todos os personagens (e não só a guriazinha), e não abriria mão da “indispensável” figura materna, pois se mãe solteira já era vista como “aberração” na época, imagine então se alguém sequer imaginaria um pai solteiro criando dois filhos. A Dare Wright era espirituosa e “genial”, ou carente e infantilizada?

        Agora o negócio está mesmo instigante, hehe!

        Bjs!

      2. adolespanko Autor do post

        Olá, Thalita!

        Então foi essa a origem do Teddy Bear? Nem desconfiava…

        Aquele padre era doido mesmo, mas é preciso entender a mentalidade da época. Havia um racismo obcessivo nos EUA, um medo enorme que a população negra crescesse. Agora, qual era a intenção da autora, consciente ou inconsciente, talvez nem ela soubesse. A única certeza é que ela tinha fixação por spanking. Sua afilhada poderia explicar mais, mas ela deu a impressão de que estava mais preocupada em “passar pano” na madrinha.

        Bjs.

      3. Thalita Britto

        Oi, Arnaldo!

        Acho que inconsciente da Dare Wright já havia registrado que spanking é uma das formas mais contundentes de castigar e desemponderar alguém. Se ela fez da bonequinha um protótipo de si mesma, e ali projetava o auto-desprezo, ou se queria usar a bonequinha como protagonista de um protesto pacífico contra os modelos sociais e familiares da época, de qualquer forma ela deve ter achado que precisava mandar uma mensagem marcante, e no mundo da “disciplina doméstica”, nada é mais marcante do que uma surra. Eu concordo que as cenas de palmadas foram desnecessárias, mas talvez para a autora elas tenham sido essenciais. Ela não poderia gerar a mesma polêmica e o mesmo impacto se o Senhor Urso fosse um papai legal que só dá uma bronca ou até deixa de castigo. Se ele não tivesse um lado um “escrotão” que bate em crianças, não causaria frisson e nem perturbações, e talvez fosse isso mesmo que ela quisesse, por motivos que sempre serão obscuros, e que a afilhada dela não poderia saber, pois na época era apenas uma criança. Não vamos esquecer que mesmo apanhando, a boneca e o Pequeno Urso não deixaram de escrever insultar o Grande Urso escrevendo insultos no espelho, e nem de dizer “eu não ligo a mínima para o que ele fala”… Existe uma certa dubiedade na obra que deixa impreciso se a autora realmente “aprovava” aqueles spanking (ao meu ver). O que ela aprovava era a lealdade dos ursos, que prometeram não abandonar a bonequinha mesmo quando ela cometia erros e se comportava mal. O resto é mera especulação.

        Bjs!

  2. Kiara

    Boa tarde, gente!

    É estranho mesmo como é fácil confundir spanking com amor. Isso com certeza é coisa de quem tem alguma carência, eu também fui um caso assim. Como uma violência tão óbvia pode simplesmente não parecer violência pra tanta gente? No meu tempo eu já tinha alguma consciência, nunca achei certo bater em crianças e ficava com dó quando via alguém da turma da Mônica levando palmadas, lendo os gibis mais antigos dos meus primos mais velhos. Mas eu quase acreditei naquela mentirada de “palmada é coisa de pai que se importa” e de que é possível existir amor na agressão. Acho que essa contradição só aconteceu comigo porque eu também passei por um abandono. Não foi como o da autora dos livros porque acho que ela já se lembrava do pai quando ele foi embora, mas eu sempre me perguntei o que acontecia comigo quando me tiraram da família do meu pai biológico e porque nem ele e nem a minha mãe quiseram ou puderam ficar comigo. Se a pessoa tem uma noção falsa do que é amor e também uma noção falsa do que é violência, ela confunde mais fácil um com o outro. Fica essa ideia de “se não me abandonar, pode até me bater, só não me deixa, não va embora”.

    Autor, aqueles bebês reborn que falei estão pegando no Brasil também. Tem uns vídeos de pessoas mostrando como é a rotina dos “bebês”, tem gente que coleciona até bonecos muito realistas imitando crianças mais velhas também. Dão comida e bebida de verdade pra esses bonecos, dão banho e gastam água e produtos infantis com eles, falam com eles como se falassem mesmo com criancinhas, e filmam e publicam, é muito estranho. Acho que além de carência isso é vontade de ter controle sobre tudo. Um bebê reborn não chora de verdade, não faz xixi e cocô de verdade e não joga comida no chão, não acorda de noite, também não cresce, não muda de comportamento, que beleza né é uma criança bem fácil de cuidar. Pra mim que sou adotada é meio triste ver essa adoração em cima de bonecas. Está querendo cuidar de alguém, vai adotar uma criança de verdade. E não cuidar de um boneco ou de uma pedra…

    Resposta
    1. adolespanko Autor do post

      Olá, Kiara!

      O cérebro tem mesmo diversas “fórmulas químicas” para transmutar um sentimento em outro. Muitas pessoas que sofreram um abandono se sentem culpadas (embora não faça sentido) e querem ser punidas pela pessoa que as abandonou, ou por quem represente essa pessoa. Isso acontece até com pais que faleceram, conforme já disse um comentarista.

      Nossa, começou com bebês, e agora já tem bonecos de crianças pequenas? Não sei se o pessoal é muito carente, perdeu um filho, ou é comodista mesmo para querer uma criança que não dá trabalho. Espero que não virem brinquedo para pedófilos.

      Bjs.

      Resposta
      1. Kiara

        Boa tarde, autor!

        Tem muita relação com a questão de ser sujeito ou ser objeto. Uma pessoa que fique no lugar de spankee é como um objeto, porque até se ela sentir algum prazer com aquilo a pessoa está se deixando ser dominada, controlada. Quem sofre abandono não se recupera. A adoção é cheia de tabus e isso não é só no Brasil. Muita gente não vê isso com naturalidade, acha que adoção é favor e quem é adotado é um pobre coitado. Isso cria um tipo de complexo. Se a pessoa se sente um objeto porque foi adotada, ela só procura relações onde pode continuar se sentindo um objeto porque isso é a única coisa que ela conhece. Ou pelo contrário, ela não gosta de ser o objeto e quer ser o lado que controla tudo. Na minha família adotiva ninguém me discriminou por eu ser adotada, mas é aquilo, o mundo pode ser cruel. O que a gente ouve fora de casa e lê na internet também pode mexer com a nossa auto estima.

        Essa moda dos reborn já é criticada por psicanalistas, tem esse vídeo falando de como isso é perigoso.

  3. Marcos S.

    Salve, pessoal!

    Creio que o verdadeiro fascínio não está no perturbador, mas em triunfar sobre ele. A sensação de exceder ou anular o que ou quem nos amedronta e realizar que aquilo ou aquele não é indefectível é o que causa a autêntica sensação de vigor – o ardor eletrizante da força pessoal, rsrs! Por essa razão, pergunto-me o que conduz determinadas pessoas (como a autora desses livros infantis) a estar sempre em busca da sensação de medo e de terror, ao invés de focar realmente na sensação de superação. Se eu fosse o autor desses livros, veria-me representado pelo urso mais jovem, mas o desfecho seria outro: o urso adulto seria bem desbancado por palavras ou por alguma outra reviravolta no enredo, ao passo em que eu e a boneca, se não saíssemos ilesos, sairíamos pelo menos com a moral bem alta, rsrs! Essa definição de paizão que é ao mesmo tempo protetor, bonachão e rigoroso com os filhos cai bem ao meu próprio pai. No entanto, vejo algo de pesaroso em ver um ser dócil e um ser bruto no mesmo indivíduo. Penso que com o seu jeitão, meu pai incutiu em mim e nos demais filhos uma certa competitividade pelo topo do pódio, por ser ele o “chefe” e nós os “moleques”. Isso decerto afetou de alguma maneira o tipo de relação que temos com ele, além de ter gerado um temos desnecessário. Em minha fantasias, sempre fui o menino-herói que derruba as peças de dominância – aquelas que me davam algum medo, precisamente -, o que acaba sendo uma manobra para lidar com crises de frustrações de juventude.

    Admito que fiquei impressionado com esse pessoal que cuida de bonecos simulando crianças reais. É um hobby arriscado, posto que um boneco, por mais corpóreo que seja, não pode dar lugar a um ser humano. Recordei-me de um filme que assisti há algum tempo com a minha esposa, sobre uma moça – que aliás, coincidentemente, é a mesma modelo que representa a personagem Valéria daqui do blog, rsrs – contratada para ser a babá do filho de um casal de milionários, sem desconfiar que o garoto é um boneco usado para preencher o vazio deixado pelo menino morto. Decerto é um filme de horror psicológico sem grande pretensões de apresentar cenários psicóticos do mundo real, mas vê-se que o assunto não é assim tão inusual. Sou sincero em dizer que o trailer empolga mais que o próprio filme, mas ainda vale uma conferida.

    Grande abraço a todos!

    Resposta
    1. adolespanko Autor do post

      Salve!

      Penso que a autora não focava na sensação de superação porque ela estava com a autoestima baixa – ela queria ser punida por haver sido abandonada. Mas você, ao contrário, embora bolado por uma figura paterna que podia ser ao mesmo tempo gentil e bruto, tinha a moral alta, sentia-se forte e queria desbancar aquela figura.

      Não sabia desse filme, realmente toca um temor raramente abordado: o desejo de dar vida a uma criatura, e essa criatura ganhar uma vida própria e maligna, fora de nosso controle. Esse temor foi magistalmente abordado em Frankenstein, de Mary Sheller, mas poucas obras posteriores insistiram no tema. Esse desejo de “criar uma criatura” pode nascer da carência oriunda de uma perda, mas também de uma ambição descabida, susceptível de punição por alguém “querer ser Deus”.

      Grande abraço!

      Resposta
  4. Liam

    Oi, Adolespanko!

    Essa história toda me fez lembrar de uma música que escutei quando tinha uns oito anos, e que me marcou muito. Vinha de um disquinho que os meus irmãos ganharam quando eram bem pequenininhos, mas eu só ouvi mesmo uns dez anos depois, talvez por acaso. Vi que está no youtube, procure lá: Trem da Alegria – A Boneca e o Soldadinho.

    Eu me sentia muito triste com a letra da música, e não entendia direito o motivo. Um amigo meu alguns anos mais velho (que pegou mesmo a fase do lançamento desse LP) falou que também ficava abalado quando escutava a canção. Assim como muita gente disse que leu esse livro da Boneca Solitária, se sentiu mal, e não compreendeu o porquê. Depois eu percebi que a letra se relaciona com abandono, negligência e maus-tratos. A boneca que vive despenteada e com o vestido rasgado é uma gravura para uma menina que não é bem cuidada em casa, e o soldadinho de perna quebrada que diz que “o dono dele nem ligou” é a representação de um menino que está sofrendo porque o pai foi embora, ou de uma hora para outra parou de ligar para ele. Esses livros sobre uma boneca que vive com medo de ser deixada sozinha parecem ir no mesmo náipe: apesar da embalagem de inocência, falam sobre os grilos de uma pessoa adulta, ou sobre problemas familiares bem sérios. Eu acho que não deixaria os meus filhos lerem não, até por isso mesmo que vocês já estão falando: pode ser aterrorizante para uma criança ficar imaginando os próprios brinquedos agindo como pessoas, e eu lembro como sentia uns medos meio viajados quando era pequena, como o de ser embrulhada e sufocada por aquela geleca que vinha dentro de um potinho, parecida com os slimes de hoje (acho que alguém se descuidou e deixou a televisão ligada na reprise daquele filme “A Bolha Assassina”, e eu fiquei com aquela ideia na cabeça. Cheguei até a ter pesadelos).

    Esse lance de adultos brincando com bonecos realistas também é meio arrepiante, na minha opinião. Bebês reborn parecem crianças empalhadas. Não vejo como poderia ser agradável tratar um deles como se fosse de verdade, e pior ainda se ele tiver a cara do nosso filho (vivo ou morto). Só de pensar nisso eu já fico com uma sensação muito ruim. Mas não vou julgar quem usa esses bonecos como terapia improvisada, pois cada um sabe da sua dor. O Adolespanko e eu até estávamos conversando sobre isso (o luto) em outra matéria que ele publicou, tratando dos pais que perderam os filhos na tragédia da balsa Sewol, que afundou na Coréia do Sul. Se a pessoa se sente melhor transformando o quarto do filho falecido em um memorial, quem somos nós para dizer que é errado? Mas acho que tentar suprir a falta de um filho de verdade com bonecos vai dar ruim em algum momento, pois a pessoa pode até vagar demais, criando a ilusão de que um dia aquele modelo perfeito vai mesmo ganhar vida. Tentar camuflar as nossas dores não é uma opção legal, o melhor mesmo é procurar entender os nossos sentimentos, ver bem “o que somos e porque somos”, e enfrentar as dificuldades sem muletas. Se fosse fácil, estaria muito bom né, kkkkk! 😉 Mas é possível, com toda a certeza.

    Beijos!

    Resposta
    1. adolespanko Autor do post

      Olá, Liam!

      A Boneca e o Soldadinho é uma óbvia releitura do clássico O Soldadinho de Chumbo, de Andersen. Naquela história, o soldadinho nasce sem uma perna porque não havia chumbo suficiente, e fica diferente dos demais. Mas se apaixona por uma boneca bailarina de papel, que está com uma perna tão erguida que ele pensa que ela também só possui uma perna.

      As histórias de Andersen sempre exploram a carência, o abandono, o amor não correspondido – O Patinho Feio, A Pequena Sereia, A Vendedora de Fósforos – e raramente têm final feliz. A Vendedora de Fósforos, então, foi uma das obras mais tristes jamais escritas, e só um gênio para transformá-la em conto infantil. Mas essas narrativas têm mesmo um impacto no inconsciente coletivo das crianças, daí que A Boneca Solitária, com todo o seu exotismo, tenha feito tanto sucesso, mesmo que muitos a definam como perturbadora. Com certeza é o medo de perder a presença ou o amor dos pais.

      A reação dos pais que perderam os filhos variam – uns constroem o “memorial”, preservando o quarto e o objetos do filho falecido, mas outros até mudam de casa, para não ter nenhuma recordação. Mas manter um boneco é decididamente doentio, não dá para justificar. Um caso muito triste que eu pesquisei e escrevi no meu outro blog (eu acompanho casos assim) foi o estupro e assassinato da adolescente Vitória Schier. A mãe dela, que tem página no facebook, ficou quase louca de dor e revolta, e só se aliviou quando entrou para uma seita que afirma que os bons ressuscitarão ainda nesse mundo (ao contrário da crença cristã canônica que afirma que os bons reviverão em outro mundo, o céu). Ultimamente ela tem recorrido à Inteligência Artificial para criar imagens da filha, que publica em seu facebook – não deixa de ser uma tentatriva de “recriar” a filha. Muito triste isso.

      Bjs.

      Resposta
      1. Liam

        Oi, Adolespanko!

        Para mim não foi óbvio, porque eu não fiz uma associação da música com uma releitura de um clássico da literatura. 😉 Provavelmente porque gravei a canção como algo que me marcou na infância, e bem depois eu vi a interpretação da mensagem subliminar sobre as questões psicológicas envolvidas na letra, sem fazer uma ligação com qualquer obra de Andersen. Mas O Patinho Feio tem um final feliz, pois ele descobre que não era “estranho”, mas um cisne. E a Pequena Sereia se dissolve no mar, mas a alma dela é libertada, não foi assim? A expressão “patinho feio” é usada até hoje para descrever a pré-adolescência, aquela fase em que quase todo mundo fica meio desengonçado, mas logo desabrocha.

        Você tinha falado sobre essa mãe da menina que foi assassinada, eu só não sabia que agora ela usa a I.A. para recriar a filha. Lembrei de uma série que assisti, onde uma viúva usa uma tecnologia avançadíssima para criar uma imagem perfeita do marido falecido, mas aos poucos ela começa a se frustrar porque ele age como um robô que só faz e fala o que ela manda, e deixa de se parecer com verdadeiro marido que ela conheceu. É muito triste, com certeza. A dor intensa realmente pode fazer uma pessoa desandar de vez, e é difícil imaginar uma dor maior do que a da perda de um filho. Espero que alguém consiga ajudar essa mãe, sinceramente…

        Beijos!

      2. adolespanko Autor do post

        Olá, Liam!

        É triste mesmo. Eu acompanho esses casos, e noto: perder um(a) filho(a) assassinado não é o mesmo que perder por enfermidade ou acidente, fica um inconformismo, uma revolta sem fim.

        Há muitos exemplos na ficção de pessoas desesperadas que tentaram de alguma maneira ressuscitar um ente querido falecido, e foram punidas de alguma maneira. Leia, por exemplo, A Mão do Macaco. Isso é um tabu, pois quem faz isso “quer ser igual a Deus”, mas a intenção é tão absurda que o tabu se justifica.

        Bjs.

      3. Liam

        Oi, Adolespanko!

        Rapaz, vou falar de coração mesmo, sem nenhuma, mas nenhuma intenção de polemizar ou contestar: por favor, não diga algo como “perder um(a) filho(a) assassinado não é o mesmo que perder por enfermidade ou acidente”, pois ninguém pode e nem tem o direito de ficar classificando esse tipo de dor. Eu entendi a sua argumentação: você quis dizer que perder filho ou filha por uma violência cometida intencionalmente provoca (além da dor da perda) uma repulsa, uma vontade de matar quem matou, que deve ser muito difícil de superar, talvez até impossível. Um caso que me dá embrulhos até hoje é aquele do menino João Hélio, que morreu de repente, e de um jeito horroroso.

        Mas vou dizer na boa mesmo: perder um filho por enfermidade ou acidente não é “menos doloroso”, e dizer uma coisa dessas pode ser bem complicado. Tive a sorte de não perder o meu filho, mas ainda me sinto muito mal quando lembro dele quase sufocando e tendo que ir para a ventilação mecânica, e também me sinto muito mal quando penso naqueles pais que perderam o bebezinho na mesma UTI, porque a criança teve um tumor cerebral que acabou com a vida dela em questão de dias. Eu vi a dor daqueles pais de perto, ninguém precisa me contar. Eu vi o drama que é isso.

        Digo de novo que não quero polemizar, mas só quero pedir para que você repense essa afirmação sobre “uma dor não ser o mesmo que outra”. Se não sentimos essa dor, vamos tentar não julgá-la, pois isso pode “sem querer” virar pretensão (sei que você não é assim, e que essa não foi de jeito nenhum a sua intenção, mas a gente não pode esquecer que é fácil ser pragmático com a dor do outro…). Se eu tivesse perdido o meu filho pela doença que ele teve, você teria coragem de dizer na minha cara que a dor do outro é maior que a minha? Pois o meu filho morreu em um fim-de-semana por uma doença neurológica, e não assassinado, né não? Teria coragem de dizer essa frase para os pais daquele bebê que saiu da UTI na maca do IML?

        Inconformismo e revolta sem fim podem ser sentimentos de todos os pais que perdem filhos por todas as causas, mesmo doenças ou acidentes. Eu vi uma mãe chorando desesperada no apartamento hospitalar reservado aos pais de crianças da UTI, questionando: “Por que Deus me ignora?” (o filho dela tinha acabado de precisar voltar a respirar por aparelhos). Li entrevistas com a Cissa Guimarães e com a Cristiane Torloni, que perderam filhos por acidentes, e é devastador. A moça que trabalha como faxineira no app de uma grande amiga minha de infância perdeu a filha em um acidente de moto, e não consegue falar sobre isso sem chorar e ficar sem ar. Nunca menospreze a dor de perder um filho, seja qual for o motivo. Você pode até me achar “meio idiota” por isso, mas quase cinco anos depois da internação do meu menino, eu ainda fico com vontade chorar quando falo no assunto. Talvez um dia eu supere…

        Beijos!

      4. adolespanko Autor do post

        Olá, Liam!

        Peço mil desculpas. Não quis de modo algum menosprezar a sua dor, e nem fazer uma comparação. É verdade, não podemos avaliar corretamente uma dor quando não a sentimos pessoalmente, mas posso ter uma ideia lendo comentários das pessoas que sofreram. E fico muito chocado ao ler no facebook da mãe de Vitória Schier frases como “O ódio me define”, isso mais de dez anos após.

        Bjs.

      5. Liam

        Oi, Adolespanko!

        Tudo bem, não tem problema. Sei que não foi pessoal, e que você não quis falar nada para me ofender ou desmerecer.

        Mas que bom que você reconhece que não existe termômetro para a dor, ainda mais a dor de uma perda como essa. A tragédia da balsa Sewol foi um acidente (causado por falha humana, mas mesmo assim, um acidente). Isso significa que a dor daqueles pais é menor ou menos significante do que a dor de quem perde um filho por atentado ou assassinato? Claro que não. E como cada um lida com isso, é uma questão muito particular. O Eric Clapton compôs a Tears in Heaven quando perdeu o filho pequeno. Foi o jeito dele de botar a dor para fora, além de fazer uma homenagem ao menino. E acabou sendo um sucesso e ganhando vários prêmios, pela sinceridade e entrega com que ele tocava e cantava.

        Você deve conhecer a música, mas se não conhece a história que a inspirou, é só fazer uma busca por vários vídeos que contam como tudo aconteceu. Resumindo: o menino estava brincando de pega-pega com a babá no apartamento que estava hospedado com ela e com a mãe, em Nova Iorque. Naquele dia as janelas estavam abertas, pois o zelador estava fazendo a limpeza. Em questão de segundos, o menino avançou para o espaço aberto e despencou de quase 50 andares. Quando o Clapton foi buscar o filho para fazer mais um passeio com ele, a mãe do menino deu a terrível notícia. Tem muitos clipes fazendo tributo ao Conor Clapton, aqui vai um deles:

        Também tem vídeos mais atuais do próprio Eric falando sobre essa perda trágica. Mais de 30 anos depois, ele ainda tem uma expressão de dor quando fala no filho. Não existe prazo para esse tipo de sentimento, acho que a pessoa passa o resto da vida em luto e em luta.

        Beijos!

Deixe um comentário