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As Surras por Telefone – I

Oi gente! Título um tanto inusitado, né? Afinal, alguém aí já levou uma surra por telefone?

Com certeza não. Mas muita gente já levou uma surra por causa do telefone, tudo por culpa de uma mania que fez muito sucesso lá pelos anos 90. Quem viveu bem a época com certeza vai se lembrar dos serviços de disque: disk-pizza, disk-esfiha, disk-farmácia, disk-tudo-o-que-se-possa-imaginar. O que hoje se pode facilmente pedir por aplicativos, naqueles tempos se pedia por telefone, e já era conhecido o código de discagem gratuita, normalmente iniciado por 0-800, os famosos “zero-oitocentos”.

Mas nem toda discagem era grátis, e ao contrário, algumas até cobravam bem cobrado, normalmente um valor de alguns reais por minuto de ligação. Em tempos onde não havia comunicação via internet (ou em que a internet era precária e tinha um custo alto), a garotada fazia o quê para se distrair? Exato: usava o telefone! Nos anos 80, ter um aparelho dentro de casa era basicamente um luxo, pois as linhas eram bem caras, e muitas famílias recorriam a telefones públicos ou pediam para usar o aparelho do vizinho, do comerciante ou até do local de trabalho. Já nos anos 90, o telefone estava mais acessível, e não era raridade o pessoal ter uma linha própria. Com certeza a comunicação ficou mais fácil, mas ainda era muito caro fazer chamadas interurbanas, e as conhecidas “chamadas a cobrar” foram o pesadelo de muita gente, hehe!

Também foi nessa época que veio a popularidade do chamado Tele-900 (o “telenovecentos”). Para quem não conhece, aqui tem uma explicação abreviada.

Tele900 foi um serviço telefônico muito ativo no Brasil na década de 1990. Recebeu esse nome devido aos seus números de telefone possuírem o prefixo 0900. Era operado por empresas como EmbratelTeleTV e Telesp. Muitas empresas, principalmente emissoras de TV e estações de rádio, usavam o Tele900. 

O serviço oferecia sorteios e interatividade para telespectadores em programas de televisão, além de uma variedade de serviços telefônicos, como Tele-Sexo, Tele-Namoro, Tele-Piadas com Ary Toledo, Tele-ChavesWalter Mercado e Seus Videntes (de consulta astrológica e esotérica), entre outros. As empresas que ofereciam os serviços de Tele900 cobravam um valor fixo por minuto dos usuários, que podia chegar a quantia de até R$ 5,00 por minuto. O Tele900 gerou inúmeras controvérsias devido às inúmeras reclamações de consumidores que começaram a se sentir lesados. Em 1997, arrecadou cerca de R$ 270 milhões a partir das ligações telefônicas.

Após a privatização do setor de telefonia no Brasil, a partir de 1998, o Tele900 foi proibido pela Justiça, a pedido do Ministério Público Federal.

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As empresas de telecomunicações, que não eram nem um pouco tolas, começaram a investir em propagandas voltadas para o público infanto-juvenil, apelando inclusive para a popularidade de personagens como os do Maurício de Souza, e o Chaves e Chapolin (cujos programas eram transmitidos nas tardes do canal SBT). Os gibis da época continham anúncios com os números bem em destaque, conforme mostram as imagens a seguir. Essa propaganda sequer informava o custo de um minuto de ligação.

Havia o aviso de que por ser um serviço classificado como Disque-200, as ligações feitas a partir da cidade de São Paulo (sede das empresas que administravam essas chamadas), seriam cobradas como ligação local, enquanto qualquer chamada feita de fora da capital paulista teriam o valor de chamadas interurbanas.

Sejamos realistas: alguma criança super fã da Turma da Mônica iria pensar nisso antes de pegar o telefone e teclar esses sete números para ouvir a voz dos personagens preferidos? 

A mesma jogada de marketing era vista nesse anúncio, que prometia dar dicas de passeios e programas culturais.

“Para não dizer que não avisaram”, deixavam esse recadinho no final:

ATENÇÃO: Se você morar fora da Cidade de São Paulo, avise o papai antes de ligar, pois as ligações serão cobradas como interurbanas. Não se esqueça!

Mas sim, é evidente que muita gente se esquecia… Bem como se esquecia de “avisar o papai” antes de ligar, ou então achava que se não devia ligar do aparelho do papai, não havia problemas se ligasse usando o telefone da vovó, do vovô, do titio ou até o da professora…

Outro personagem bem popular no início dos anos 90 foi o Pelezinho, que também ganhou o seu serviço de disque.

Mesmo quando o número informado era um Tele-900, havia o aviso de que as ligações feitas de fora da área onde ficava o serviço de telefonia seriam mais caras, conforme consta nessa propaganda que também inclui o personagem Chico Bento.

Possivelmente houve reclamações às empresas, por elas não deixarem informado o valor do minuto de uma ligação para historinhas gravadas que duravam pelo menos três minutos (isso fora o tempo de espera para ser atendido, as ligações caídas e as chamadas reiniciadas), e então os valores começaram a aparecer nos rodapés. Bem discretos…

Nota-se que os valores começavam variando entre R$ 1,59 até R$ 1,90 por minuto. Porém, os reajustes foram rápidos. Poucos anos depois, o minuto da chamada já estava custando em torno de R$ 2,95, como se vê em um anúncio veiculado em um gibi do final da década.

Sem contar os Tele-900 apresentados em propagandas da televisão aberta. Alguns daqueles voltados para o público adulto, como os disques-eróticos, chegavam a custar R$ 7,90 por minuto. Imaginemos o desfalque que muitos(as) pré-adolescentes e adolescentes da época deram em suas famílias, querendo passar um longo tempo escutando a voz sensual da bonitona que aparecia de lingerie em plena tarde na televisão aberta, ou do gogo-boy gostosão que besuntava os músculos com óleo em frente à câmera…

Se a propaganda tinha fácil acesso à gurizada, como os pais poderiam controlar e evitar que os filhos tomassem o aparelho de telefone e discassem esses “números mágicos”? 

Bom, antes da moda do Tele-900, ainda nos anos 80, muitos tentavam a famosa técnica do cadeado no telefone…

Mas há dois problemas nisso: o primeiro é que crianças, como se sabe, são criaturas “danadas”, e também bastante espertas quando encasquetam com alguma coisa. Muitos(as) petizes dos anos 80 descobriam bem rápido como usar um pedaço de arame, ou qualquer coisa semelhante, para desbloquear esse antiquado aparelho de telefone…

O segundo problema é que os aparelhos comercializados nos anos 90 já tinham outros modelos, como os telefones de tecla (e não de disco) e os móveis de base fixa.

Com isso, a “farra do cadeado” chegou ao fim; consequentemente, acabou o controle dos pais sobre para onde os filhos telefonavam.

Aí vem a corriqueira pergunta: e o que tudo isso tem a ver com spanking?

A resposta já vem pronta: com tantos estouros de contas telefônicas, muita gente daquela época sentiu o chinelo cantando no bumbum, ou o peso da mão ou do cinto dos pais, só por causa de algumas conversas inocentes com os personagens preferidos… 

Um outro personagem chamado Orelhão, o Coelho Malucão (curiosamente, orelhão era o nome que se dava aos telefones de rua), foi o culpado de muitas surras por aí, como se vê nesse reclame que ficou no ar entre a metade e o final daquela década. Com o “pequeno” valor de R$ 6,00 por minuto de chamada…

Vamos ver o que dizem alguns dos depoimentos:

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(em 2019)

@fernandaaaaa111

Kkkk hj com 32 anos ainda me lembro desse comercial… Vira e mexe me pego cantando. Kkkk lavagem cerebral kkkk

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(em 2024)

@jonathandionizio6686

Esse comercial ficou 4 anos passando incansavelmente na TV. Ficou de 94 a 98 passando todos os dias.

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(em 2021)

@dianaresenhareceitas

Gente que saudades. Eu liguei do trabalho do meu pai mas no 900 55 11. Eu tinha 9 anos. A voz era de uma mulher fazendo uma voz meio q infantil, eu logo reparei. Ah e nao me contou historias. Perguntou o que eu ia jantar, se eu gostava de bife. Meu prato favorito. Quantos anos eu tinha. Eu confesso que fiquei bem decepcionada kkkkk

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(em 2019)

@ContrabandoUnderground

Nossa, eu lembro que uma vez eu liguei todos os dias pro coelho malucão e ele nunca nos atendeu, era sempre um coelho com outro nome que pedia pra gente ligar de novo pra falar com o malucão. No fim do mês a conta veio 400R$ e nem preciso falar quem apanhou pra kct kkkkk

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(em 2019)

@nattyrashi

Fiz a mesma coisa e o castigo foi tão inesquecível que procurei o comercial até hoje! Agora preciso encontrar o de historinhas da turma da monica! hahahaha

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(em 2021)

@fabionunes2793

Mano, os caras ficaram ricos com isso. Eu e minha irmã mais nova fizemos exatamente a mesma coisa kkkk

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(em 2021)

@pamelasato5455

Eu tbm fiz o mesmo,meu avô quase teve um treco quando chegou a conta,e não esqueço do número 900-5511,queria ver o comercial anterior.

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(em 2021)

@jonathandionizio6686

@pamelasato5455 eu fiz o da historinha da monica porque o meu pai deixou uma vez. Mas o do Coelho Malucão eu nunca fiz e se eu fizesse escondido o meu pai ia ficar malucão e ia me deitar o cacete

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(em 2019)

@Susimiao

Eu e a minha prima ligamos pra esse coelho e ficamos a tarde toda ouvindo histórias… ainda bem que eu fui embora antes da conta telefônica chegar… tadinha da minha prima, levou uma surra daquelas kkk

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(em 2023)

@roniemedeiros3018

eu levei uma surra tb

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(em 2024)

@girleidematias7009

Maldito Coelho muita gente apanhou por causa dessa praga

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(em 2021)

@barbaralima1062

Gente, chocada! Eu lembrei que quando eu era criança, no primeiro mês que meus pais instalaram telefone fixo, a conta veio 200 reais. Gente, quase fali minha família. 200 reais nos anos 90 era muita grana! Só ligando pra esse coelho desgraçado.

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(em 2023)

@erickkaranbarbosa2285

Apanhei por causa do valor da conta… 120,00 reais, e hoje vejo que o salário mínimo era 120,00 reais… Nossa da tristeza de lembrar e eu nem consegui falar com o coelho, era chamada automática.

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(em 2021)

@eliseumoreiradosreis

Entre as inúmeras histórias do pessoal que ligavam para os 0900 da vida eu tb me dei muito mal ligando para o tal coelho, jovem pan para ouvir os gols da rodada entre outros. Conclusão: conta telefônica nas alturas e meu pai furioso comigo.

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(em 2024)

@reklamento

Essa modinha ridícula do “zero novecentos”, que foi a pior dos anos 90, fez MUITA mãe de criança botar cadeado no telefone!

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(em 2021)

@klarice825

Quando era o 900.55.11 a conta veio uns R$900. Eu ligava todos os dias. Nem preciso contar o resto né?!

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(em 2022)

@Guilherme-uj1ts

Eu liguei pro coelho malucão e pro chaves, ficava mais de 1 hora no telefone. Num dia ligava pro coelho e no outro ligava pro chaves, como ficava mais de 1 hora no telefone, no fim do mês a conta veio uns 850 R$ e claro tomei uma surra

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(em 2023)

@canaldokllebinho7537

Eu tenho uma raiva desse coelho eterna kkkk, dei mó prejuízo pra minha madrinha ela quase me mata quando veio a conta kkkkk

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(em 2023)

@paulogomes4992

Esse comercial marcou a minha infância.

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(em 2023)

@gleidsonsousa7102

A minha tbm. Com as cintadas kkkkkkk

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(em 2020)

@losmorgados

Se hoje já é caro 6 reais por ligação, imagina na época, 1998 o salário mínimo era 130 reais

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(em 2020)

@francielezanetti2744

Pensei exatamente isso. Eu que gastei mil reais nisso. Meu pai teve que parcelar a conta

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(em 2021)

@ericacaldeira10

Eu liguei algumas vezes, só ouvi a saudação e desligava com medo da conta, resumindo de ligação em ligação veio 400 00 minha mãe foi na telefônica reclamar parece eles tiraram o valor da conta e contaram do que se tratava, muitos pais tiveram problemas com esse maluco kkkkkk A música me lembro até hoje

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(em 2022)

@gcrlucena41

E oq aconteceu com vc???

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(em 2024)

@jonathandionizio6686

O Malucão deixou muitos pais malucos na época

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(em 2022)

@emunah

Puts. Eu dublei esse Coelho kkkkk. E na época tinha um departamento inteiro na Vimeltary em SP, Lapa que atendia esse número fazendo o coelho! kkk

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(em 2022)

@gcrlucena41

Pqp vc tomou dinheiro do povo kkkkk

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(em 2022)

@jonathandionizio6686

Sorte que os pais não descobriram na época, pois eles depois de malucões por causa da conta iriam fazer sessão de linchamento

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(em 2021)

@brunamartinsortega1

Genteeeeee eu liguei tanto pro Coelho malucão, na época veio uns 500,00 pau a conta, mas não era esse era o 900-55-11 um mais antigo, meus pais quiseram me matar!!! E ele falava assim espera aí que vou chamar meu amiguinho e me deixava pendurada na linha hahahaha que nostalgia

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(em 2022)

@easylikesundaymorning

o coelho que te rouba

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(em 2023)

@franciscomoreira8699

O mundo sem internet!!!!

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(em 2024)

@mirinhinha

Nossaaaaa kkkk na época eu ligava para o 900 55 11 parecia a voz do Alvin os esquilos, eu viajava com as historinhas deles imaginando uma casa feita de chocolate, rio de chocolate kkkkk e a conta de telefone meu Deus.

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(em 2023)

@darlandklark

Ligar no 0900 e ainda como diz na legenda R$ 6,00 o minuto, caramba kk, a mulecada que ligava escondido deve ter apanhado horrores

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(em 2024)

@johnatandionizio6686

Com certeza! Os pais ficavam malucões quando recebiam a conta do Coelho Malucão! E em seguida os filhos apanhavam até ficarem malucos de tanto levar sova

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(em 2022)

@Guilherme-uj1ts

Ligava todo dia pelpcoelho malucão ficava 1 hora no telefone, quando a conta chegou a chinela cantou

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(em 2022)

@MVintageCultura

Kkkkkkkkkkkkkkkkkk Era uma isca para as crianças! Kkkkkkkkkk

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(em 2022)

@Offttrap

Esse coelho pelo jeito fez muita criança apanhar

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(em 2021)

@nanicobufador7045

Já liguei pro Orelhão, usando um “orelhão”!

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(em 2022)

@grlucena41

Kkkkk o bom é q no orelhão ñ acontecia nda

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(em 2022)

@t-farias9304

Esse Coelho Malucão lascou minha vida, até hoje meus pais lembram quando a conta chegou… eles que ficaram malucão

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(em 2022)

@superanonimous8303

o nogy do canal 90 uma vez já ligou pra isso, ele ficou uns 5 minutos tentando ver, e o negócio comeu os créditos. Ele disse que ñ lembra o valor da conta, mas q foi o suficiente pra umas chineladas e um mês sem tamagochi e kisuco uva

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(em 2023)

@carriemathison4213

Quase perdi o cu de tanto apanhar dos meus pais por conta dessa porra! Kkkkkkkkkkkkkkkk

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(em 2023)

@gercinolopes4576

Lembrar que fiz uns 300 reais de ligação. liguei muito pra esse coelho doidão, final do mês me ferrei com meu pai kkk

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(em 2024)

@rizonetesouza3453

Nessa época levei uma taca quando chegou a conta de telefone

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Bom, por aí já se pode tirar algumas conclusões. Uma é que nos anos 90, não havia censura a propagandas. A publicidade infantil era livre, veiculada em qualquer horário e com qualquer apelo comercial, bem como a publicidade para adultos, que passava na televisão aberta sem restrições, ficando facilmente acessível à petizada. Daí que esses caríssimos serviços de Tele-900 fossem alcançáveis pelas crianças, muitas vezes até fazendo os pais se surpreenderem ao verem as cifras na conta telefônica, pois muitos até então nem mesmo sabiam o que eram esses “Tele-Mônica”, “Disque-Pelezinho”, e nunca haviam ouvido falar do tal “Orelhão, o Coelho Malucão”, já que quem ficava em casa e usava o telefone durante o dia eram os filhos.

Outro ponto é como as crianças sempre davam um jeito de usar qualquer telefone, fosse em casa de avó ou de madrinha, em casa de amigos, ou até no trabalho dos pais. A conta chegava para a linha de onde a ligação havia saído, evidentemente, mas se os reais a pagar sobravam para os pais, as surras sobravam para as crianças…

last but not least: as crianças dos anos 90 “sofriam”, realmente. Em vez de punir as apelativas empresas de telecomunicações, que inventavam essas propagandas e ainda enrolavam a petizada dizendo que “iam chamar o personagem em um minuto” (entre outros truques habilmente utilizados para encarecer a conta), os pais apavorados puniam os filhos… Pelo menos, temos aí uma geração inteira que pode rir da tolice de ter feito ligações para o tal do Coelho Malucão, na intenção de passar o tempo, fazer uma farra, ou até amenizar uma vida meio solitária. Pena para o bolso dos pais, hehe! E para o couro de quem cresceu naquela época.

E você, se lembra desses serviços? Já teve que enfrentar alguma má consequência por causa deles? Eu me lembro que havia também serviços para adultos, tele-sexo, não sei se existe ainda ou se era Tele900, mas deviam ser caríssimos, e tenho o palpite que renderam muitas surras, essas não para crianças, mas para adolescentes.

Esses serviços estão no passado, mas puxam uma instigante comparação com o presente. O perigo agora está na internet. E não tem a ver com a conta, mas com o tipo de conteúdo que a garotada frequenta, ou o tipo de pessoa com quem a garotada inexperiente faz contato, ou mesmo com o mero excesso de exposição à internet, que alguns têm como um vício alienante. Até andei pensando em escrever uma história: algum adolescente da turminha anda fazendo coisas indevidas na internet, e os adultos contam como no tempo deles eles faziam presepadas com o Tele900.

Na sequência, vou mostrar mais comentários.

A Boneca Solitária – II

Dando prosseguimento à análise do caso da boneca solitária, vemos que, de fato, Dare Wright parecia ter o dom de “dar alguma vida” aos brinquedos que viraram os astros de seus roteiros literários. A maioria das fotos, mesmo sem legendas, passa uma impressão bem clara do que poderia estar acontecendo. Nessa imagem, o Senhor Urso sugere uma pose de comando, e Edith parece curiosa, intimada, ou impedida de fazer alguma coisa.

Essa é uma das muitas imagens de afeição, reforçando a teoria de que a autora buscava tanto extravasar a sua própria amabilidade (há relatos da afilhada dela, Brooke Ashley, confirmando que era uma criatura extremamente doce e paciente), quanto preencher antigas carências.

Há muitos takes externos, mostrando os personagens ao ar livre, “como uma família feliz”.

Mais uma vez, fica claro que a relação entre Edith e o Senhor Urso seguia um modelo pai-filha de acordo com os padrões da época. Ela constantemente busca conforto nas “patas” dele.

Em 31 de outubro de 2011, Stephen Gerz, redator do blog Booktryst, fez uma análise sobre a obra e a biografia da autora.

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A mais perturbadora série de livros infantis já publicada.

Por Stephen J. Gertz.

Uma bonita atriz e modelo tornou-se fotógrafa de moda, e ela, para todas as aparências uma urbana sofisticada, falava com as bonecas que fotografava para seu prazer pessoal, “Agora, fiquem paradas; não se mexam; só fiquem aí como estão”, em uma voz infantil e melódica. Ela, na verdade, falava com suas bonecas sempre que estava rodeada por elas, o que era frequente.

Sua [boneca] favorita, Edith, a criança entre ursos de pelúcia, ela nomeou inspirada em sua mãe dominante. (…) Edie, como sua mãe era conhecida, era uma pintora de retratos respeitada pela sociedade, embora a sociedade fosse confinada a Cleveland, onde elas viviam antes de chegar em Manhattan, atraindo artistas, interesses e alguns meios, e às vezes para a sua sorte, todos os três. Formavam uma dupla e tanto: [Greta] Garbo, uma vez como convidada de um jantar, ficou encantada.

Dare Wright (1914 – 2001) era A Boneca Solitária (1957), o livro que lhe trouxe fama e o primeiro em uma série de livros infantis sobre Edith, os dois ursos de pelúcia que fazem amizade com ela, os psicodramas juvenis que Wright colocou nele, uma família grande e feliz, e o anseio de uma mulher-criança resolvendo suas neuroses. Os livros são, em grande escala, exercícios autobiográficos de realização de desejos.

Dare Wright, em essência, fotografou e publicou cenas de sua vida de fantasia com ela sendo a estrela, uma garotinha presa em um mundo além de sua compreensão e trabalhando nisso com percepção infantil. E garotas jovens responderam: os livros se tornaram muito populares. Através dos olhos de criança de Dare Wright e seus leitores, a série A Boneca Solitária reflete o mundo como elas o entendem. Para adultos maduros, ela pode ser um pouco perturbadora, com uma essência estranha, neogótica, um tanto assustadora e perversa; a vida de Dare Wright foi escrita em versão infantil. Agora a série é bem colecionável.

Dare Wright foi atraída para a fotografia após sua carreira como atriz e modelo estagnar. Ela era absorvida por autorretratos, com frequência fotografando a si mesma como uma ninfa do mar, nua e inocente, também com frequência presa por uma rede ou lavada pelo mar, aparentando um cadáver, ornamentada com detritos do mar, uma concha sobre um olho, como se estivesse deixando uma moeda para Caronte para atravessar o rio Estige até o mundo dos mortos. 

Ainda assim, as fotos possuem um erotismo palpável do qual ela parecia completamente inconsciente. Elas são todas simbólicas de algo que não podemos sempre compreender, mas vagamente sentir. Às vezes o simbolismo é óbvio.

É inevitável que em quase todos os livros da série A Boneca Solitária, a pequena Edith leve uma surra. Em um deles, ela está amarrada a uma árvore com uma corda, e amordaçada. 

Há momentos em que você olha os quadros inocentemente concebidos em preto e branco de Wright nos livros e vê, ao mesmo tempo, um sádico e masoquista, os dois papéis como um só no subconsciente do autor, id e ego em conflito com propriedade perfeita.

Em um outro autorretrato ela está completamente nua em uma praia, aberta, ousada, orgulhosa, quase desafiante. Sua mãe está sentada em uma toalha no fundo distante. Dare segura algo – um peixe morto? – em sua mão direita, acima de sua cabeça, e com o rosto virado em um desrespeito frio e desdenhoso, ela parece pronta para jogá-lo em sua mãe. É uma declaração subconsciente de independência, raiva e desdém que ela nunca pôde reconhecer para si mesma, muito menos declarar abertamente.

Em 2004, Jean Nathan escreveu A Vida Secreta da Boneca Solitária, uma biografia de Wright. É uma das histórias mais estranhas, tristes, bizarras e simplesmente esquisitas que você lerá. Ela faz Marilyn Monroe parecer a mulher-criança mais sã e bem-ajustada que já viveu.

As primeiras edições dos livros A Boneca Solitária (Wright escreveu dezenove edições entre 1957 e 1981), em boa condição e com sobrecapa, são vendidas a partir de 325 dólares para os primeiros volumes subsequentes, e por até 750 dólares pelo conjunto da primeira edição do primeiro livro da série, a primeira sessão de auto psicoterapia de Wright e o mais bem vendido de todos eles. A Boneca Solitária foi reeditado em 1998.

Dare Wright envelheceu, tornou-se alcoólatra, foi horrivelmente estuprada, ficou mentalmente confusa, e morreu sozinha, talvez o destino inevitável da inspiração e modelo vivo de A Boneca Solitária

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Após essa publicação, a própria Brooke (afilhada de Dare Wright) fez algumas correções: na verdade, os spankings não aparecem em todos os livros, mas em apenas alguns. A autora também não morreu sozinha, pois tinha amigos dedicados com quem manteve relações afetivas até o fim da vida.

Alguns(as) comentaristas disseram achar “presunçoso” tentar fazer uma análise psicológica da autora, outros acharam certos detalhes perturbadores, e houve quem reconhecesse jamais ter feito tal leitura da obra exatamente por não conhecer a história e o cotidiano de Dare Wright, que se expressava muito pelas lentes, mas era extremamente discreta em sua vida pessoal. 

Essa comentarista indica que lendo o livro em sua infância, nunca desconfiou da mente que estaria por trás do enredo.

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Uau, eu não tinha ideia de que a autora era tão problemática. O primeiro livro foi absolutamente o meu favorito, sendo uma criança dos anos 60, e eu não sabia que havia sequências. Agora terei que procurar por elas. Realmente não penso que alguma criança leria algo perturbador nesses livros, embora seja necessária uma pausa para respirar após ver essa foto foto da Edith amarrada em uma árvore.

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Outra comentarista levanta um ponto interessante: ela se fascinou pela cena de spanking por fazer uma relativização, já que julgava que sofria abusos mais graves em seu lar, e por isso interpretou as palmadas em OTK levadas pela boneca como “carinho”, sobretudo pela reconciliação que houve depois entre spankee e spanker

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Esse livro me tornou uma permanente fetichista de spanking. Lembro vividamente da primeira vez que a minha irmã leu para mim – eu tinha uns 3 anos, por volta de 1966. Meus irmãos e eu éramos surrados mesmo, não levávamos palmadas assim, e eu de fato nunca tinha nem visto um spanking sobre joelhos (otk) até ver essa foto. Edith tinha sido atrevida e fortemente mereceu a punição, que foi bem suave, e depois ela foi perdoada e o Senhor Urso prometeu nunca deixá-la. Aquilo foi tão amável, tão tranquilizador, e tão diferente do que eu estava experimentando, que eu imediatamente erotizei a cena e passei a ficar sexualmente excitada por qualquer referência de spanking a partir de então. Tem sido fascinante e ao mesmo tempo triste ler sobre a vida conturbada da pobre Dare.

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Será que é esse o mecanismo que pega muitos(as) fetichistas? Por sofrerem situações que consideram muito dolorosas e acima de suas tolerâncias (mesmo que não sejam especificamente abusos físicos), de certa forma minimizam o spanking e o categorizam como uma manifestação de afeto e ternura, excluindo a lente da violência – e por isso apresentam uma certa frieza na leitura da cena, como a comentarista que em vez de se comover pela protagonista ter apanhado, julga que a surra foi “fortemente merecida”. Afinal, o que teria acontecido com ela, caso estivesse no lugar da bonequinha?

Fica uma sugestão para refletir.

Outro comentário foca nas imagens, e em como elas são hipnotizantes.

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Um de meus livros favoritos de todos os tempos quando criança. Dare Wright sempre me fascinou. A fotografia dela é incrível.

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Uma comentarista manifesta incômodo ao saber que a autora sofreu graves abusos sexuais.

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Queria que você não tivesse dado detalhes sobre o estupro horripilante. Gatilho máximo para mim. Me arrependi de ler essa página.

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Alguém tentou suavizar a situação, talvez por ter percebido o quanto a informação foi perturbadora para a comentarista.

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Não há detalhes sobre o “estupro horripilante”, só uma menção a isso. Ensaio muito interessante e recordo-me de ter lido alguma coisa dela infância. Lembro principalmente das capas quadriculadas. Que triste luta pela vida. Acho que a autora estava tentando aniquilar o que era muito claro: uma batalha muito pessoal para essa mulher.

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Outra pessoa compartilha a experiência de ter sido uma criança daquela época e leitora dessas obras.

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Tenho adorado esses livros desde a minha infância até o dia de hoje. Às vezes eu os pego e leio sozinha, olhando fixamente as imagens como uma criança fascinada, e tenho 56 anos. A senhorita Wright era um individuo brilhante e eu espero que ela tenha tido alguma felicidade na vida dela, a mesma felicidade que com certeza deu a muita gente.

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Outra pessoa, interessantemente, reconhece que já via “algo sombrio” por trás daquela inocência.

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Li esses livros quando era menina nos anos 60. Eles eram perturbadores para mim e me deixavam inquieta, e eu não sabia o porquê. Agora tenho algum entendimento.

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Já essa outra comentarista via (e ainda vê) tudo com olhos bem inocentes.

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Amo tanto esses ursos. Acho que a boneca, Edith, é tão linda. Eu só queria fazer um chamego bem longo com eles em um sofá durante uma noite de inverno. Dare é uma fotógrafa incrível – de ursos e pelúcia e de tudo mais. Eu acredito que os ursos e a Edith ainda existem e agradeço aos céus por isso. Simplesmente adoro todos eles. Não consigo me cansar deles. Preciso de mais. 

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Uma outra acha que fazem alarde demais em cima da cena de spanking, que na visão dela, seria uma coisa banal para a época, quando muitas crianças eram punidas dessa forma.

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“A Boneca Solitária” era um de meus livros favoritos quando criança, e eu me identificava com a Edith e identificava a minha irmã mais nova com o Pequeno Urso, já que ela era mais atirada e levada do que eu. Mas as pessoas hoje estão vendo coisa demais na cena das palmadas e procurando por significados escondidos que tenho certeza de que não existem. Os tempos mudaram, mas naquela época (1957) quase todas as crianças apanhavam se faziam malcriação, incluindo eu em algumas ocasiões, e a cena no livro pareceu absolutamente nada de extraordinária para mim naquele tempo. Um pouco de palmadas (não surras realmente abusivas, claro) eram muito parte da vida normal de uma criança e eu realmente não acredito que haja qualquer coisa profunda para ser lida nessas cenas. A única coisa que lembro ter me espantado, quando eu tinha uns seis anos – já que eu costumava pensar em tudo de um jeito muito lógico -, é que se aquela era a casa da Edith, então com certeza todas as roupas e maquiagens eram coisas dela, então por que ela não deveria usá-las se quisesse? No meu ponto de vista, eles foram punidos mesmo foi por escrever “o Senhor Urso é um bobão” no espelho. Aquilo me chocou!

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Parece uma lógica da época, de fato: no ponto de vista de muita gente que cresceu naquele tempo, seria mais chocante as crianças escreverem uma bobagem no espelho insultando a autoridade da casa, do que a referida autoridade bater nas crianças, em vez de fazê-las limpar o batom, se retratar e seguir a vida. Sem juízos morais; apenas constatações.

O autor do blog procura explicar o motivo para a sua análise, enfatizando que nenhuma obra artística, seja escrita, pintada ou fotografada, surge sem algum pano de fundo que começa com as necessidades psíquicas do(a) próprio(a) autor(a). Aqui fica bem explicado:

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Uma palavra em geral: um artista é às vezes o pior intérprete de sua própria obra; eles estão muito próximos a ela e frequentemente não entendem de onde veio o produto de sua imaginação, um espaço sagrado nas profundezas do subconsciente no qual eles devem confiar e não questionar, para que a fonte não seja contaminada pela dúvida e seque. Dare Wright era uma artista problemática que fez urgir o seu talento em um gênero literário que embora seja rico com ilustrações artísticas, não é geralmente associado à estética das artes refinadas. 

E, por fim, é isso que os livros “A Boneca Solitária” são: arte refinada adentrada em um gênero popular. Eles transcendem a audiência para a qual haviam sido feitos originalmente para endereçar os demônios interiores que se escondem discretamente sob a superfície plácida da vida cotidiana de uma criança. O dom especial de Dare Wright era que ela falava com os seus leitores mirins como uma colega, não como uma adulta. Ela não precisava mediar entre os dois mundos para encontrar um caminho até a criança; ela falava diretamente, através de suas simples (embora altamente estilizadas) fotografias e de seus textos. Os demônios de infância não precisavam ser despertados por ela. Eles estavam vivos, no presente, ultimamente a única companhia constante da Boneca Solitária.

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A conexão de Dare Wright com crianças ficava evidente sobretudo em sua interação com a afilhada Brooke Ashley, que se entendia com ela a ponto de às vezes desejar ser sua filha. Dare fazia agrados a Brooke dos quais ela nunca se esqueceu (e que fez questão de citar na biografia póstuma que escreveu sobre a madrinha), como levá-la para relaxar à beira dos lagos de Maryland, preparar festa de aniversário onde os “convidados” eram os próprios personagens da série A Boneca Solitária, e deixá-la ajudar a posicionar os bonecos para as fotografias dos livros em produção. 

Brooke também se refere à madrinha como alguém que preparava mingaus gostosos e fazia os seus bolos favoritos, decorava a mesa de refeições para vê-la feliz, e a embalava na cama antes de dormir, inventando histórias sobre piratas e tesouros escondidos. Dare Wright, a despeito de seus problemas interiores, conseguia transparecer uma imagem de pessoa brincalhona e descontraída, atendendo ao perfil que costuma agradar à pequenada.

É interessante notar o contraste entre a pose de Dare junto de sua mãe, Edie, e aquela que ela mostrava quando estava “do outro lado” da relação. Com a mãe, ela parecia mesmo um pouco recuada (embora confortável) como uma criança pequena. Seria apenas um toque poético a um ensaio fotográfico, ou a revelação de uma relação baseada em poder?

Já posando com o famoso “Senhor Urso”, ela o segura e o encara com firmeza, e faz um olhar bem cintilante. Como quem pretende dizer: “Nos livros, é você que me controla. Já aqui fora…”

A mesma pose confiante e altiva é mostrada nessa foto com o gatinho Kitten, que também serviu como “modelo” para alguns de seus livros. Mas dessa vez, o olhar é mais maternal do que inquisidor (dá para entender: o Kitten não representava nenhuma figura de autoridade…).

E quando posava sozinha, Dare tinha quase sempre um ar seguro e elegante, basicamente um mulherão que não lembra em nada a bonequinha triste e carente que implora para o urso de pelúcia não deixá-la sozinha…

Voltando à tão comentada cena de spanking: afinal, o que Dare pretendia ao fazer uma boneca apanhar de um urso e colocar tal imagem em um livro infantil?

Segundo sua afilhada Brooke, nada de mais. O spanking foi meramente uma inspiração de momento, que na verdade surgiu de uma reação espontânea da própria Brooke, conforme ela conta nessa página do site oficial da fotógrafa/autora.

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A musa secreta de A Boneca Solitária.

Por Brooke Ashley, afilhada de Dare Wright.

Algumas pessoas (muito poucas das quais cresceram quando o livro foi publicado pela primeira vez nos anos 50) inferiram que o texto e as imagens de A Boneca Solitária expõe um lado obscuro e problemático da autora. Apontam para uma cena no livro onde o Senhor Urso dá umas palmadas em Edith por ser malcriada, e são críticos quanto ao vestido curto de Edith que mostra a sua anágua. Sem um entendimento da Era em que o livro foi escrito, quando a maioria das crianças levava palmadas e as meninas pequenas usavam vestidos curtos, uma única fotografia fora de contexto se tornou um alvo fácil.

Por trás das cenas – A história real.

Segurei Edith pela primeira vez quando tinha três anos, logo antes de “A Boneca Solitária” ser publicado. (…) Na época em que eu tinha seis, passava a maioria de meus fins-de-semana com a Dare e nós começamos a vestir Edith com uma série de figurinos. (…) As orelhas pequeninas de Edith tinham dois brincos de argola como os que Dare usava, e de repente ela se parecia muito com a própria Dare.

Depois que o irmão da Dare, Blaine, a surpreendeu com dois ursos de pelúcia, Dare e eu começamos a imaginar aventuras para o trio. O Senhor Urso seria uma figura paterna adorável, embora um pouco mal-humorada, que fumaria cachimbo enquanto lia seu jornal. e o Pequeno urso era um irmãozinho chato, mas carinhoso. A personalidade de Edith era tanto tímida quanto impetuosa. Como todas as crianças, ela ansiava por uma família estável e amizades duradouras, enquanto expressava um medo universal do abandono.

(…) Mas Edith, embora fosse carinhosamente doce e atenciosa na primeira parte de 1955, estava um pouco monótona sem um lado rebelde para balançar essas boas qualidades. Isso estava prestes a mudar.

Era fim de ano, às vésperas do Natal de 1955, e a Dare criou figurinos de anjos para mim e para Edith. Ela tirou uma série de fotografias onde eu posava docemente com Edith para um conto breve chamado “O Anjo e Sua Boneca”, que Dare magicamente transformou em um outro modelo de livro para mim.

No final da sessão formal, quando já estava tudo bem sair do personagem, fingi que a Edith tinha sido um querubim muito travesso que havia invadido um camarim celestial para se encharcar de purpurina proibida. Dare decidiu continuar clicando quando curvei Edith sobre o meu joelho para um spanking – e essa foi a gênesis da posterior cena de spanking em “A Boneca Solitária”, que se tornou ganhador de prêmios em literatura infantil clássica.

A Dare não manifestou nenhum trauma obscuro de infância ao criar a cena de spanking de “A Boneca Solitária”. Ela apenas ecoou os impulsos inocentes de uma criança pequena que sabia como era apanhar, e que ocasionalmente mostrava suas anáguas.

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A explicação de Brooke parece razoável quando levamos em conta que, realmente, nos anos 50 era comum crianças apanharem de adultos, o que já foi endossado por comentaristas de outros artigos e não chega a ser grande “novidade” para tanta gente.

No entanto, naquela época Brooke era uma criança de seis anos, e para ela, Dare era a adulta divertida com quem ela passava momentos lúdicos. Fossem qual fossem os demônios do subconsciente de Dare Wright, sua afilhada com certeza não poderia percebê-los; e talvez a Brooke tenha se sentido até um pouco “responsável”, em certa medida, pela confusão que sua inspiração de momento causou à obra e pelas consequentes críticas e especulações que recaíram sobre sua madrinha querida.

Algumas questões ainda não se calam por aqui. Brooke reconhece que a protagonista do livro ansiava por uma família estável e por amizades duradouras, assim como sofria com um medo universal do abandono. Mas será que aos seis anos, ela se perguntaria de onde isso veio, e por que esse enredo surgiu e/ou encantou sua madrinha? 

Da mesma forma, na visão de Brooke, tudo o que ela estava fazendo ao sair do papel de anjo protetor para repentinamente encarnar uma spanker, era “brincar inocentemente”. É assim que uma criança da época veria as coisas. Porém, ela não deixa de dizer sobre si mesma: uma criança pequena que sabia como era apanhar. Ou seja, ela podia não saber disso, mas estava descarregando algo na boneca Edith, que já devia estar ficando “meio irritante” por ser tão perfeita e inatingível aos olhos de uma criança normal. A inspiração para aquele ato não veio “do nada”, tampouco de qualquer referência etérea ou meramente visual; Brooke apanhava, e sabia como era. Se sua madrinha resolveu aproveitar a cena para seu livro (ela poderia ter descartado o spanking, mesmo tornando a boneca um pouco mais levada para que não ficasse tão certinha e acabasse virando mais uma antagonista do que uma referência para leitores-mirins), fica mesmo quase descartada a possibilidade de alguma insinuação erótica. Mas não a probabilidade de que com esse cenário, Dare Wright estivesse dando vida à família que sempre quis ter, ainda que o “pai” fosse um spanker ocasional. 

E é bem curioso que nenhuma das duas tenha pensado em incluir um personagem que representasse uma figura materna… Talvez porque Dare já tivesse a sua mãe sufocante, e Brooke enxergasse em Dare um tipo de mãe substituta. Em um de seus escritos, Brooke comenta que quando ela era bebê, “seus pais ficaram aliviados por se livrar de uma criança com cólicas” (ao deixarem-na com Dare pela primeira vez por um fim-de-semana inteiro, onde ela foi muito bem cuidada enquanto os seus pais acampavam), além de falar com um certo sarcasmo sobre uma foto onde posou com sua outra madrinha, Tallulah Bankhead: “As fotografias da Dare capturavam os raríssimos momentos onde Tallulah mostrava o seu lado maternal.” Tudo indica que as duas – Dare e Brooke – preenchiam mutuamente suas carências mais profundas; e assim sendo, é esperado que apesar de tamanha sintonia, uma não pudesse captar “exatamente” o que se passava no subconsciente da outra.

Sejam coisas da época ou expressões de traumas, o fato é que algumas obras de Dare Wright podem perturbar os desavisados. Além da boneca Edith, ela usou Persi, uma outra bonequinha de sua infância, para ilustrar três livros, todos com a mesma essência de criança abandonada, entristecida e sentindo-se só. Um deles chama-se A Pequenina, e foi publicado em 1959. Segue o enredo:

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Essa é a história de uma bonequinha chamada Persis que foi resgatada de uma fazenda abandonada por uma tartaruga gentil. “Fuja agora e veja o mundo”, disse a tartaruga ao deixá-la sair da casa velha e escura para a luz. Quando o sol aqueceu Persis e o vento soprou o último grão de poeira de cima dela, foi exatamente isso que ela decidiu fazer. 

O Urso Legal e o Urso da Cruz estavam fazendo sua caminhada da tarde quando encontraram Persis tirando uma soneca sob uma macieira. Quando a bonequinha acordou, perguntou se poderia ir para a casa com os ursos, e assim eles partiram juntos. O Urso Legal mostrou a ela como se divertir ao ar livre e a alimentou com mel e uvas. O Urso da Cruz, que era excessivamente mal-humorado, chamava Persis de “pedra no caminho”, até um acidente fazê-lo perceber o quanto ele também se importava com ela.

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Bem interessante: a figura paterna é sempre representada por um urso, e é sempre essa figura que resgata a protagonista da sensação de desamparo.

Outro livro com a mesma boneca chama-se Faça-me Real, com publicação póstuma. O roteiro já é mais simbólico e poético:

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“Faça-me Real” é uma estória agradável sobre uma garotinha chamada Brett e sua bonequinha Persis, que se torna sua melhor amiga. Persis só pode ganhar vida quando for amada por uma criança, e deve voltar a ser apenas uma boneca quando a criança crescer. 

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É uma boa metáfora para o mundo de fantasia infantil, e parece evidente que representa a própria autora com a sua “melhor amiga”. A boneca “perde a vida” quando a criança cresce (parece que toca de leve na ferida do abandono). Para esse livro, Dare convidou Brett, a filha de sua afilhada Brooke, para ser a modelo.

Já o que foi publicado em 1965, Leve-me Para Casa, parece bem sombrio desde a capa.

A boneca Persis (que nessa história se chama Robin) está completamente nua no meio da floresta, e estica os braços pedindo colo. A foto já poderia servir para instigar a imaginação (ou ativar memórias killer) de muita gente, mas o enredo ainda tem nuances adicionais:

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Uma bonequinha chamada Robin vivia alegremente na floresta com pequenas criaturas, e todas a amavam. Ela amava cada pequeno esquilo, coelho e pássaro. Até que um dia uma menina chamada Susan viu Robin deitada entre as folhas e levou a pequenina boneca para sua casa. Susan não era uma garotinha que conseguia ouvir conversas de bonecas, e não escutou Robin gritando: “Ponha-me no chão, ponha-me no chão. Vivo nas florestas. Essa é a minha casa!” 

Robin foi rapidamente bem recebida pelas outras bonecas de Susan e por seus animais de brinquedo, mas sentia falta de seu lar nas florestas, e tinha saudades terríveis de seus amigos animais silvestres. O amigo de Robin que também vivia na floresta, o Corvo, procurou e procurou até encontrar para onde ela tinha sido levada. Com a ajuda esperta do Corvo, Robin conseguiu escapar como um brinquedo e retornou para o seu amado lar nas florestas.

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Seria uma analogia para adoções e seus difíceis processos de adaptação? Quem viveu para conhecer a autora, talvez saiba…

Dare Wright faleceu em 2001, aos 86 anos, e deixou todo esse legado – sombrio ou encantador? Vai de cada freguês.

Dez anos após sua morte, o cantor americano Cass McCombs lançou uma linda valsa com o mesmo título do livro: The Lonely Doll. Claro que é uma homenagem póstuma à autora. Vale a pena escutar, é uma canção bem suave e relaxante.

Em homenagem a todas as coisas, petite

Linda e doce

A boneca solitária

Esse verso eu ofereço e saúdo

Em desejo de agradar

A boneca solitária 

Um retrato pintado de verdade

Mas imaginado para acalmar

A boneca solitária

Por eterna beleza em juventude

Amor, pena, compaixão e amizade

A boneca solitária

Tropeço para fora do salão

Em uma noite de junho passado

A boneca solitária

E escuto uma melodia distante e triste

Sob a lua de díade

A boneca solitária

Minha alma com vinho apaguei

A música despertou 

A boneca solitária

Sigo uma garota que parece bêbada

Por uma casa de papelão

A boneca solitária

E pela janela eu vejo

Uma garota à minha frente

A boneca solitária

Ela estava cantando para o espelho

Seria um apelo?

A boneca solitária

O quarto dela estava cheio de vestidos e laços

Já que uma boneca precisa de suas roupas

A boneca solitária

Ele se curvou para cheirar uma rosa

E ficou na pontinha dos pés

A boneca solitária

Com uma escova feita de jade e pérolas

Ela escovou seus cachos dourados

A boneca solitária

Vi os olhos tristes de uma menina

Sob lágrimas caindo como redemoinhos

A boneca solitária

Ela foi para a sua cama de dossel

E deitou sua cabeça

A boneca solitária

Pegou sua ovelhinha e disse

Algo com temor

A boneca solitária

Mas eu estava muito bêbado para ver sentido

Senti a essência dela

A boneca solitária

Virei-me para deixar aquela pretensão

Parti para a noite escura e imensa

A boneca solitária

Lembro daquela boneca cantante

E de seu chamado doloroso

A boneca solitária

E esse é um pequeno lembrete da música

Cuja tristeza não era tão pequena

A boneca solitária

O que acharam?

Conhecendo a história pessoal da autora e seu consequente perfil psicológico, não é difícil entender como surgiram os arquétipos que vieram compor a saga da boneca solitária. O que é difícil mesmo de entender é como tal história teve tanto sucesso de público. Como um enredo tão restrito a circunstâncias pessoais pôde encontrar eco no imaginário de uma multidão de leitores? Teria a autora conseguido transmitir uma mensagem universalmente inteligível, que “toca qualquer coisa” dentro de qualquer um? As reações foram variadas, desde quem viu apenas uma narrativa inocente até quem se assumiu fetichista de spanking após ler as obras, mas quase todos perceberam algo perturbador. E o que é perturbador, também é fascinante.

Examinando mais de perto os arquétipos, vemos que a figura do urso é universalmente associada a força, poder e destreza, mas ao mesmo tempo, sabedoria e proteção. Dá a impressão de ser uma criatura ao mesmo tempo carinhosa, protetora e disciplinadora; poderoso, não deixa de ser “fofo”, e sereno, só exibe sua ferocidade quando se faz necessário. Muitos deviam deixar-se seduzir por uma figura paterna com tais características. O que realmente “saiu um pouco do esquadro” foi a empostação sensual-inocente que a autora deu às cenas de spanking (que de resto, eram recorrentes nas HQ e histórias voltadas ao público infantil, mas sem tal empostação). Alguém sabe de outras histórias infantis com características semelhantes?

Sim, eu já publiquei um artigo sobre palmadas na literatura infanto-juvenil, onde cito a obra Marcus Robô, publicada pela primeira vez em 1975 (bem após a Boneca Solitária, mas já distante de nosso tempo). É contada a história de uma menina que ganha de presente um robô que faz tudo, só que entre suas “funções” está “Dar Palmadas”. Criatura diferente, mas o mesmo enquadramento de companhia+proteção+disciplina. Talvez forçando um pouco a memória, alguém se lembre de mais.

Carta Aberta de Beth Fenimore – II

Oi gente! Hoje vou dar sequência ao artigo sobre o manifesto de Beth Fenimore descrevendo os efeitos nefastos do “spanking da maneira certa” propalado no livro do pastor missionário amigo da família. Aqui vou abordar as reações à carta (lembrando que ela foi publicada em 7 de setembro de 2005):

RoyLessinOpenLetterRESPReader Responses to Beth Fenimore’s Open Letter to Roy Lessin, author of Spanking: Why, When, How.cdugan0.tripod.com

Respostas de leitores a Beth Fenimore

Carta aberta a Roy Lessin: Autor de “Spanking: Por quê, Quando, Como”

Acho que os pais precisam ouvir isso e considerar todas as implicações de gritos, spanking e qualquer castigo corporal antes mesmo de usarem-nos. É um ótimo caminho para os pais retrocederem 20 ou 30 anos e escutar o que seus próprios filhos têm a dizer sobre como eles foram criados. É verdade que nem todas as crianças são afetadas na mesma extensão, mas pessoalmente, esse não é um risco ao qual eu sequer exporia o meu filho.

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Uau, deve ter exigido um tom de coragem para Beth Fenimore ser apta a publicar essa carta abertamente; ela tem o meu mais profundo respeito. Ela também tem a minha mais profunda simpatia, já que a patologia de sua infância destruiu tanto a sua vida e a sua saúde.

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Essa é uma carta esplêndida, bem escrita e tão pungente. Eu também espero que outras pessoas vão adiante como ela foi. Elas são o remédio mais potente para esclarecer o quão doentio é o “spanking cristão”. Estou triste pela Beth e triste que ainda haja um outro livro advogando por bater em crianças com uma “vara”. Está além de mim compreender o que leva pessoas a escreverem um lixo abusivo como esse.

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Essa é uma carta muito poderosa. E pensar que estamos permitindo que esse tipo de pais continue esse abuso, ao dar o selo de aprovação em nossas escolas! Precisamos endurecer, e espero que essa história ajude a causa. Realmente admiro a Beth por sua pureza.

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Acabei de ler a carta aberta de Beth Fenimore em seu site e ainda estou chorando sentada aqui. Ela simplesmente contou a minha história de vida, incluindo Transtorno de Estresse Pós-Traumático, Síndrome do Intestino Irritável, disfunção sexual. Tudo. Estou anexando um desenho que fiz junto a um ensaio. Sinta-se à vontade para usá-lo em seu site.

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Me comovi com a carta aberta da Beth Fenimore. Pelas fotografias ela parece ter sido uma garotinha encantadora. Nesse país, tradicionalmente as meninas levam menos spankings do que os meninos, já que elas sempre têm sido encaradas como menos agressivas e menos voluntariosas, e por isso menos necessitadas de apanhar. E ainda, a abordagem de Roy Lessin parece ter sido genuína e bem intencionada, se olhada equivocadamente. A foto retrata os Lessins como pessoas doces, em particular a Char parece não ter nem sequer um osso cruel ou rude em seu corpo. A carta aberta indica o dano que pode ser feito por uma abordagem de disciplina como essa, embora alguns possam argumentar que as ligações causais não foram totalmente estabelecidas entre o tratamento que Beth teve quando criança e seus sintomas subsequentes.

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Acho o assunto do spanking tão estranhamente ambivalente. Acho que está muito arraigado em nossa cultura para que que consigamos escapar facilmente disso. Quando criança, na escola, eu, como todos os outros, levava a vara garantidamente – era simplesmente parte do pacote – e ninguém questionava isso. Suspeito que seja assim para muitas pessoas em relação às palmadas em geral – elas não questionariam isso mais do que questionariam o sol nascendo todos os dias.

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Em sua carta poderosamente e fortemente emocional, a senhora Fenimore expõe os efeitos que a barbaridade que se esconde sob o desagradável eufemismo de “spanking” pode ter sobre uma criança. Ela descreve como é ser surrada à maneira recomendada por cuidadores ´experts´ como Roy Lessin. Ela mostra que medo e humilhação são os resultados de “spanking”, e não o respeito que os advogados do spanking clamam. Só aqueles com o mais duro dos corações poderiam possivelmente ler o testemunho dela sem sentir a mais forte repulsa por essa violência em nome de disciplina. Gostaria de expressar minha gratidão a você por exibir esse documento. Agradeço pela carta de Beth Fenimore, agora estou com mais determinação do que nunca em fazer a minha parte para garantir que a prática de castigo físico seja criminalizada aqui no Reino Unido.

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Agradeço por você ter um website tão completo nesse assunto de castigo corporal. Gostei especialmente do ensaio da Vanessa e das recomendações para ter crianças cooperativas. Também agradeço por postar a envolvente carta da Beth Fenimore. Toda vez que vejo a foto dela, aquela com o guarda-chuva, simplesmente quero abraçá-la, dá para ver a ansiedade nos olhos dela. Entendo completamente porque ela decidiu permanecer sem filhos, e mesmo sabendo que minhas próprias experiências não se comparam às dela, eu também deixei a casa de meus pais com desgosto a respeito de criação de filhos e a tudo o que se relacionasse a infância, exceto por crianças em si. Amo crianças, amo conversar com elas, tratá-las gentilmente, acho que apenas quero realmente ser do jeito que desejaria que alguém tivesse sido comigo. Já argumentei e coloquei meus pontos de vista inúmeras vezes em fóruns online, então sei como é difícil, e entendo a sua sessão “Como argumentar feito um pró-spanking”. Ironicamente o bastante, a primeira resposta que geralmente recebo é: “Se você não tem nenhum filho, não fale nada.” Queria saber ser normal. Queria ansiar por uma ´família tradicional´, queria sonhar em ter bebês como outras mulheres jovens de minha idade. Seja como for, realmente aprecio o que você e outras pessoas estão fazendo na questão de acabar com o castigo corporal, ou pelo menos com a legalidade dele. Espero começar o meu próprio site em algum momento em breve, juntamente com um fórum sobre disciplina gentil.

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Fico tão feliz por ter encontrado o seu website. Sou praticante do Cristianismo e sinto que dar spanking em crianças é errado, contraproducente e muito possivelmente contra o que Cristo realmente ensinou sobre crianças. 

Minha criação desde o nascimento foi com meus avós, a intenção era que eu retornasse à minha mãe biológica (filha mais nova deles) quando ela estivesse em condições de cuidar de mim, mas pela continuidade de seus problemas de saúde, fiquei com eles, mas mantive contato com a minha mãe até sua morte, quando eu estava com 16 anos de idade. Acho que a maioria dos spankings que levei foi por causa da frustração da minha avó de ter que criar uma criança quando já estava passada dos 50, quando todos os seus outros filhos já estavam criados e fora de casa. Eu era uma boa criança, ia bem na escola e ficava longe de encrencas na maior parte do tempo. Apanhei por molhar os meus cabelos na banheira, por não fazer a lição de casa, por padrões parentais tais como ´desrespeito´ e ´má atitude´ que nunca eram bem explicados o bastante para eu entendesse o que havia feito de errado. 

Eu apanhava frequentemente com um cinto, vara ou bastão de mexer tinta (que eu acreditava ter sido dado pelo dono da loja como um dispositivo para spanking), tanto quanto 5 dias por semana e várias vezes ao dia. Minha avó ficava atrás de mim com o cinto quando eu praticava piano ou fazia a lição de casa, para ficar mais fácil me bater se eu cometesse um erro. Uma outra vez eu apanhei com um galho de árvore até criar vergões que sangraram e deixaram cicatrizes. 

Os piores spankings aconteceram entre as idades de 8 e 11 anos, que coincidiram com as nossas idas a uma Igreja Fundamental Batista Independente. A igreja era conhecida por uma aderência estrita aos ensinamentos bíblicos, e crianças tinham que levar spanking, esposas tinham que ser obedientes sem questionar, e era assim. Eu também ia à escola, e as crianças eram surradas por coisas como rir na classe, conversar fora de hora e falhar em lembrar algum verso da Bíblia. Meninos apanhavam consideravelmente mais do que meninas, e tinham que baixar as calças para levar um spanking, enquanto nós, meninas, não tínhamos.

Após um sermão particularmente gráfico sobre disciplinar suas crianças, algumas que haviam brincado bem quietinhas atrás da igreja foram levadas para fora e surradas. Ainda posso ouvir seus gritos. Chorei em todo o caminho para casa, e chorei até dormir naquela noite. Lembro que no dia seguinte fui chamada por ter brincado e comandada a me virar devagar. Na sala, vi um cinto pendurado em um prego. Fui levada em um tour pela casa onde vi cintos pendurados em pregos em várias salas. Então levei um spanking, por uma razão que não sei, e me disseram que as coisas seriam diferente dali por diante.

Não sei porque finalmente paramos de ir àquela igreja. Acho que foi parcialmente por causa dos cultos noturnos que acabavam muito tarde, frequentemente durando até 10 horas da noite ou mais. Meu avô regularmente ficava cansado no trabalho na segunda-feira ou terça-feira após uma daquelas sessões. Outra razão para deixarmos a igreja foi a visitação constante do pastor, assim como os assuntos amedrontadores de seus sermões. Eu molhava as calças e pedia para dormir com os meus pais após escutar algumas daquelas coisas. Também acredito que a minha mãe ouviu sobre os spankings e viu que criança nervosa e assustada eu havia me tornado.

Desde que eu tinha uns 10 anos, quando deixamos a igreja, o spanking foi parando gradativamente, mas eu comecei a me tornar agressiva e a bater de volta quando era ameaçada. Com 12 anos eu tinha 1,70 m e 60 quilos, então era bem capaz de bater de volta. Tudo o que eu sabia sobre lidar com frustrações era bater em alguém, e ninguém sabia por que aquela garota horrível estava batendo em seus avós que eram tão maravilhosos e a fizeram chegar onde ninguém mais faria.

Tive sorte por nunca ter tido as minhas calças descidas para spankings, mas a minha avó com frequência usava o cinto como chicote e me batia por onde o cinto pegasse. Muitas vezes tive que inventar histórias sobre o porquê de eu estar constantemente com hematomas, não que alguém teria acreditado em mim de qualquer forma.

Até hoje a minha avó nega que algum dia tenha me batido. Não argumento mais com ela porque ela está muito velha e com pouca saúde, mas lembro de sentir o cinto com nas costas, as costas da mão dela contra a minha boca, até o seu punho fechado contra a lateral da minha cabeça. Não tenho um cinto sequer até os dias de hoje, todos os cintos que vêm junto com outras peças de vestuário são jogados fora imediatamente. Cintos são para segurar calças, réguas são para medir, e bastões de mexer tinta são para mexer tinta. Crianças NÃO servem para apanhar.

Tristemente, esse tipo de abuso infantil continua. Rompi com um noivo por ele ter falado sobre ´fustigar´ nossas futuras crianças. Ele dizia coisas como ´’Se os meus pais tiverem que bater neles, eles vão apanhar de novo quando chegarem em casa’. Eu não poderia permitir que esse tipo de coisa continuasse. Obrigada por ter um website assim.

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Fui procurar por informação sobre Roy Lessin, já que achei que o livro dele chamado Just Think from DaySpring Blessings foi simplesmente uma das ideias mais bem escritas sobre Cristianismo. Imaginem o meu horror ao encontrar a carta aberta de Beth Fenimore referindo-se ao livro sobre spanking de autoria do senhor Lessin. Meu coração doeu após ler a carta da Beth, sentindo toda a angústia e dor que ela experimentou em sua infância. Nunca mais vou comprar qualquer outro item de DaySpring Blessings. Mandei um e-mail à companhia com uma cópia de sua revisão do livro, e disse a eles que o Lessin deveria ser removido do website da empresa. Agradeço por continuar provendo consciência sobre essa situação horrível, que é interpretada como ação cristã.

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Fiquei tremendo de raiva e desgosto quando li a carta de Beth Fenimore ao Roy Lessin. Roy Lessin é exatamente o tipo de pessoa que não tolero. “Bata em suas crianças. Isso vai fazê-las felizes.” Esse homem é 
cego??? “O sétimo passo é continuar até a criança explodir em um choro convulsivo, que indica uma vontade quebrada.” Me senti enjoada lendo essa parte… Ele quer quebrar a vontade da criança, quebrar seu espírito. “O oitavo passo é reconciliação. Você recomenda que os pais confortem a criança até que tempo suficiente tenha passado, e então mandem a criança parar de chorar. Você recomenda que os pais batam na criança que mostrar uma “atitude errada” ao continuar chorando por muito tempo muito longo após um spanking.” Isso é simplesmente doentio, chorar não é indicativo de uma má atitude. É indicativo de que a criança está ferida e humilhada. Se você bater nelas de novo, elas vão ficar muito aterrorizadas para chorar mais uma vez… E aí vão terminar com uma série de emoções e sentimentos reprimidos. Odeio quando pessoas associam spanking a amor… Realmente odeio. “Surre-as até elas estarem implorando para você parar, então abrace-as e diga que as ama”… Acho que é um pouco tarde demais para dizer às suas crianças que você as ama! Há uma enorme lista de motivos para não bater em uma criança, mas ainda assim algumas pessoas ignorantes simplesmente ignoram a lista como se as razões não estivessem ali. Acho que nunca se deve tocar em uma criança a não ser que você esteja segurando a mão dela, dando-lhe um grande abraço ou um beijo.

Como pode ser visto, os comentários foram todos deplorando o “spanking correto”, desde os mais neutros, como aqueles que apenas lamentavam estar o spanking tão inserido na cultura local, até aqueles que afirmavam haver experimentado os mesmos sintomas descritos pela autora – o que deixa claro que o caso dela não foi algo assim tão solado. Nota-se também que nem todos seguiam à risca a receita dos religiosos – muitos comentaristas não tiveram que descer as calças, e outros eram apenas pessoas estressadas, como s avós obrigados a cuidar de netos – mas os piores eram mesmo aqueles que frequentavam a igreja assiduamente, inclusive ministrando o spanking no próprio recinto.

Assustador, sem dúvida. Parece mesmo uma “doença americana”, da qual só aparece a crista do iceberg. Por aqui, embora pais violentos não faltem, bem como igrejas de idoneidade duvidosa, não se vê um estímulo religioso ao spanking tão forte a ponto de fazê-lo “presencialmente” durante o culto. O máximo que vi, por enquanto, foi o tutorial daquela maluca da Simone Quaresma sobre o uso da mangueirinha do nebulizador, felizmente já removido das páginas onde era citado.

A Boneca Solitária – I

Oi gente! Hoje temos um caso de estudo interessante. Já havia abordado em outro artigo a prática de bater em bonecas para extravasar sentimentos reprimidos relacionados ao spanking, mas houve uma autora que foi além: criou personagens representados por bonecos e escreveu tramas onde a cena do spanking era recorrente, deixando claro sua fixação fetichística. E o mais interessante é que apesar desse foco peculiar e certamente inusitado para a maioria das pessoas, seus livros obtiveram uma grande aceitação geral do público.

Vou falar do livro The Lonely Doll, que em português se chamaria A Boneca Solitária. 

O lançamento da primeira edição da série foi em 1957. Todos os volumes são ilustrados com fotografias em preto-e-branco feitas pela própria autora, uma canadense chamada Dare Wright.

O enredo, em princípio, é simples: uma linda boneca de porcelana vive sozinha, até que chegam dois ursos de pelúcia para lhe fazer companhia: o “Senhor Urso” (versão adulta) e o “Pequeno Urso” (versão mirim). Parece uma história bem fofa, certo?

Vamos ver como ela é contada. Segue a transcrição das páginas de um audiolivro publicado no YouTube:

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Havia uma bonequinha, seu nome era Edith. Ela vivia em uma ótima casa e tinha tudo o que precisava. Exceto alguém com quem brincar. Ela era muito solitária.

Todas as noites, quando fazia suas orações, ela suplicava: “Por favor, por favor, mande-me alguns amigos.” 

Todas as manhãs, quando tomava o seu café, completamente sozinha, ela suspirava e desejava companhia.

Todos os dias, ao alimentar os pombos, ela implorava: “Por favor, fiquem e conversem comigo.” Mas os pombos apenas comiam e voavam para longe.

Até que uma manhã, Edith olhou para o jardim, e lá estavam dois ursos!

O urso grande curvou-se: “Você deve ser Edith”, ele disse, “Eu sou o Senhor Urso, e esse é o Pequeno Urso. Viemos para ser os seus amigos.”

Edith bateu palmas em alegria. “Vocês devem ter me encontrado, porque eu desejei com tanta força!”, ela gritou.

O Senhor Urso deu uma patadinha carinhosa na cabeça dela. “Só espere para ver como vamos nos divertir!”, sussurrou o Pequeno Urso na orelha de Edith. Ela nunca havia visto qualquer urso antes. Mas gostou deles à primeira vista.

E a partir de então, Edith nunca mais esteve solitária.

O Pequeno Urso tinha razão. Eles se divertiam mesmo!

Claro que o Senhor Urso fazia Edith e o Pequeno Urso fazerem suas lições todos os dias, mas havia muito tempo sobrando para aventuras.

Quando eles eram bonzinhos, o Senhor Urso os levava para todos os tipos de lugares interessantes. Eles iam ao parque…

Eles iam à praia…

Eles iam pescar!

Mas quando eles eram malcriados, o Senhor Urso tinha que repreendê-los.

Porque eles se sujavam demais [brincando com terra no jardim]…

Ou escalavam [muros]…

Alto demais.

Ou iam longe demais [nas ruas], sozinhos.

Em um dia chuvoso, o Senhor Urso deixou Edith e o Pequeno Urso em casa, por conta própria. “Agora, não arrumem nenhuma encrenca”, ele disse.

“Odeio chuva”, resmungou Edith, irritada. “Por que o Senhor Urso não pôde nos levar com ele? Não tem nada para a gente brincar aqui dentro!” “Vamos encontrar alguma coisa”, disse o Pequeno Urso. “Venha, vamos explorar a casa:”

Eles descobriram um enorme vestiário com um espelho gigante.

Edith escalou para se olhar [no espelho] e ficou realmente muito irritada. “Meus cabelos estão horríveis, e estou cansada desse vestido velho”, ela murmurou.

“Veja o que eu achei!”, chamou o Pequeno Urso. “Um closet inteiro cheio de roupas! Vamos nos vestir!”

“Oh, vamos!”, concordou Edith. “Mas antes, preciso fazer uma coisa com os meus cabelos.” Ela tentou amarrá-los em um coque. Aquilo parecia bem adulto.

“Tente com uma flor”, ofereceu o Pequeno Urso. Ele puxou uma rosa de um vaso. 

Toda a água se espalhou. Mas Edith não ligou. 

Então vieram sapatos de salto alto. 

E uma anágua com babados.

E um chapéu com rosas e fitas.

E o Pequeno Urso descobriu a caixa de joias.

Finalmente eles pararam para admirar um ao outro!

“Tudo o que você precisa agora, Edith, é de batom”, disse o Pequeno Urso. “Oh, nunca me atreveria”, preocupou-se Edith. “Você sabe o que o Senhor Urso diria. “Quem liga para o que o Senhor Urso diz? Eu, não!”, gritou o Pequeno Urso.

Ele agarrou o batom e rabiscou por todo o espelho. “O Senhor Urso é só um velho bobão.”

E passou o batom para ela. Mas no espelho, Edith viu o Senhor Urso vigiando!

“Olhe essa bagunça!”, ele disse severamente. “Essas coisas não são suas, e você sabe que é muito nova para usar batom, Edith!” 

“Não sou!”, respondeu Edith. “E eu não ligo mesmo para o que o senhor diz. O senhor é um bobão.”

“Posso ser bobão”, respondeu o Senhor Urso, “mas sei quando uma garotinha malcriada precisa de umas palmadas!” O Pequeno Urso não conseguiu assistir. Ele estava com medo que a sua vez estivesse próxima.

Ele estava certo!

“Agora, limpem cada centímetro dessa bagunça! E Edith, pare com essa choradeira!”, ordenou bruscamente o Senhor Urso, ao sair. 

Mas Edith continuou chorando como se o seu coração fosse quebrar. “Oh, pare com isso!”, murmurou o Pequeno Urso. “Isso é bem coisa de menina, ficar chorando porque apanhou!” “Não é isso”, soluçou Edith. “Estou com medo!”

“Medo?”, bufou o Pequeno Urso. “Medo de quê?” “O Senhor Urso estava tão bravo”, respondeu Edith, “E se ele for embora e levar você com ele? Vou ficar solitária de novo.”

O Pequeno Urso absolutamente não gostou dessa ideia. “Pare de chorar, Edith!”, ele persuadiu. “Vou guardar todas as roupas. E vou até pedir desculpas ao Senhor Urso.”

Edith e o Pequeno Urso trabalharam tão duro, que tudo estava organizado em bem pouco tempo.

Eles encontraram o Senhor Urso lendo seu jornal. “E então?”, ele disse.

“Desculpe”, disse Edith, suavemente. “Eu não acho realmente que o senhor seja um bobão.” “Sim, desculpe-nos”, admitiu o Pequeno Urso, “E nós limpamos tudo.”

“E não vamos mais fazer isso”, declarou Edith. “Bem, então”, disse o Senhor Urso, “nesse caso, acho que podemos esquecer tudo isso.”

“Oh, obrigada, obrigada, Senhor Urso!”, gritou Edith, abraçando-o. “Eu amo o senhor. Tenho sido tão feliz desde que vocês chegaram para ser os meus amigos! Por favor, o senhor promete que vai ficar comigo para sempre?”

“Sim, para sempre”, prometeu o Senhor Urso solenemente.

“Para todo o sempre!”, gritou o Pequeno Urso.

E assim foi.

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Antes de comentar a controversa e emblemática cena de spanking, cabem aqui algumas observações. O livro foi escrito no final da década de 50 e isso fica exposto já nas notas de contracapa, mas ainda assim, a obra causou frisson entre muita gente, sobretudo a quem nasceu muito após o ano de sua publicação. Neste blog chamado Descobertas Bizarras, vemos alguns comentários bem representativos, a maioria do ano de 2009.

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Uau, isso é perturbador… Mais do que só um pouquinho, hee hee!

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Meio que assustador, especialmente por serem fotos estáticas. Estranho.

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Meu Deus. Acabei de encontrar o meu próximo presente de chá de bebê. Preciso de um desses para a sanidade parental, tenho certeza! Obrigado por publicar!

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No SweetJuniper.com, o Jim costuma postar livros infantis horríficos da Era Reagan, que só se encontram em brechós. Sério, é por isso que filmes como Chucky aconteceram.

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Você tem que se perguntar o que se passa na mente de autores, ilustradores/fotógrafos, editores, e publicadores, quando um livro como esse chega às estantes. Que loucura é essa? Eu não leria isso para os meus filhos, mas definitivamente leria para a minha esposa e cairia na gargalhada. Obrigado por compartilhar!

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Eu adorava os livros de A Boneca Solitária quando era criança, mas lembro que mesmo naquela época eu já pensava que havia algo assustador neles. Há uma biografia interessante da autora, Dare Wright. Ela era uma figura bastante patética, tipo uma clássica “pobre menininha rica”. O que é meio que legal é que ela fez a Edith, suas roupas e muitos de seus adereços.

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Apesar de tudo, a obra se tornou um clássico, chegou a ser uma série literária popular com dezenove edições publicadas e bem vendidas, e marcou a vida de muitas mulheres que foram crianças na década de 60. A que se deve toda essa toda essa fama? E por que os livros caíram tanto no gosto quanto no estranhamento do público?

A autora do blog Sagitarius Dolly fez uma análise em seu artigo A Boneca Solitária: Sessenta Anos Depois, publicado em 30 de março de 2017. Seguem trechos:

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Ouvi falar de A Boneca Solitária pela primeira vez quando adulta, ao ler a resenha crítica da biografia de Dare Wright escrita por Jean Nathan, chamada A Vida Secreta da Boneca Solitária: A Procura por Dare Wright. Li esse livro e achei-o fascinante. (…)

Finalmente encontrei A Boneca Solitária e uma de suas sequências, Edith e Senhor Urso, em uma loja. Tendo lido ambos os livros, tenho basicamente duas opiniões. Artisticamente eles são adoráveis, mas as estórias que os acompanham me fizeram basicamente pensar, “Que p.rra é essa?!?”

(…)

A Boneca Solitária foi publicado em 1957 e se tornou uma sensação imediata por conta de seu design pouco usual. Normalmente, um livro infantil teria ilustrações feitas em uma variedade de mídia (como tinta, aquarela, mídias mistas, etc.). O que diferencia A Boneca Solitária de outras obras é seu uso de fotografias em preto-e-branco para ilustrar a estória. As fotos são bem efetivas em trazer uma qualidade expressiva na boneca e nos dois ursos de pelúcia que são retratados no enredo. (…)

A estória que acompanha é incrivelmente cheia de “Que p.rras são essas?!?” Aqui está a essência básica: há uma boneca chamada Edith que vive em uma moradia de Nova Iorque. Ela tem tudo o que uma boneca poderia querer, exceto uma coisa: amigos com quem compartilhar. Ela passa muito de seu tempo desejando isso e rezando para que Deus ou alguém simplesmente lhe envie um amigo ou dois.

Um dia dois ursinhos aparecem do nada nas escadas da casa de Edith. O urso maior é conhecido como Senhor Urso, enquanto o menor é conhecido como Pequeno Urso. Os dois ursos de pelúcia dizem que gostariam de morar com ela e ser seus amigos. Edith fica tão eufórica por ver seu desejo realizado, que nunca se pergunta de onde vieram esses ursos, ou como eles descobriram que ela existe, ou como sabiam que ela precisava da amizade deles. É óbvio que os dois ursos têm uma relação de pai e filho, mesmo que o Pequeno Urso sempre chame o maior de Senhor Urso em vez de papai, pai ou papi.

O Pequeno Urso trata Edith como uma igual e eles frequentemente brincam juntos e se divertem. Senhor Urso, por outro lado, trata de tomar o comando da casa mandando em Edith e no Pequeno Urso e repreendendo-os se eles fazem algo que o Senhor Urso não aprove. Ignora-se o fato de que era Edith que tinha a casa primeiro e o Senhor Urso é quem se mudou para lá, em vez de ser o contrário. Edith parece tolerar que o Senhor Urso fique lhe dando ordens.

Em um dia chuvoso, o Senhor Urso pega um guarda-chuva e diz a Edith e ao Pequeno Urso que ele precisa ir a algum lugar. Ele não diz aonde está indo, nem o porquê de estar indo sem levar Edith e o Pequeno Urso com ele. Ao sair, diz aos dois para não arrumarem encrenca.

(…) Quando o Senhor Urso repreende os dois pela bagunça que fizeram, e especialmente repreende Edith por estar usando batom, ela por um breve tempo ganha confiança e se defende dizendo que tem o direito de usar batom, e chama o Senhor Urso de bobão. Esse sopro de momento com Edith defendendo a si mesma conduz à notória cena de spanking onde o Senhor Urso primeiro põe Edith sobre seus joelhos e bate no bumbum dela, então faz o mesmo com o Pequeno Urso.

Depois de bater tanto em Edith quanto no Pequeno Urso, o Senhor Urso diz aos dois para limparem a bagunça e ordena que Edith pare de chorar, antes de sair do quarto. Edith continua chorando ao ponto em que até o Pequeno Urso já está ficando irritado. Edith conta ao Pequeno Urso que está com medo de que o Senhor Urso vá embora e o leve com ele, e que ela se torne (gasp!) uma boneca solitária novamente!

O Pequeno Urso encoraja Edith a ajudá-lo a limpar a bagunça. Ambos se desculpam com o Senhor Urso, que diz que todos podem esquecer sobre o incidente. Edith pergunta ao Senhor Urso se ele vai ficar, e a estória termina com ele e o Pequeno Urso garantindo que ficarão com ela para todo o sempre. Nunca mais Edith será uma boneca solitária.

Pode ser a ideia da estória para um final feliz, mas para mim, é um pesadelo total.

Desde que o meu casamento ruiu no final de 2011, me envolvi com um grupo de recuperação para divorciados e nós discutíamos codependência, o quão destrutiva a codependência pode ser, como identificar uma relação de codependência, e como evitar entrar em uma no futuro. Esse livro basicamente envia uma mensagem às crianças de que é melhor estar em uma relação codependente com alguém que manda e desmanda em você, e até te bate se você passar muito dos limites, do que viver sozinho(a). Esse é um pensamento totalmente confuso.

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Até aqui, já temos a pista de que a bonequinha Edith perde em carisma não apenas por sua expressão facial estática, que não deixa claro se estaria “sentindo” alegria, tristeza, medo ou raiva (como aliás também acontece com os dois ursos, evidentemente), mas porque parte do público acabou vendo-a como uma personagem perturbadoramente carente, longe de ser qualquer heroína impávida de algum mundo encantado infantil. 

No mesmo blog, a autora também cita o enredo de um outro livro da série: Edith e Senhor Urso.

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O sucesso de A Boneca Solitária fez surgir várias sequências. Li uma delas, Edith e Senhor Urso, que foi publicada em 1964.

Mais uma vez, o livro inclui fotografias que são muito bem compostas e expressivas. 

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Discorre-se sobre o enredo: dessa vez, Edith e os dois ursos já estão morando juntos há algum tempo, e agora a família adotou um gatinho. Um dia o Senhor Urso chega em casa com presente para Edith e o Pequeno Urso: ela ganha vestidos novos, e ele, um barco de brinquedo. O Senhor Urso, por sua vez, presenteia a si mesmo com um relógio caro pelo qual Edith fica obcecada.

Um dia, sem poder se conter, ela prepara uma pilha de livros para mexer no relógio proibido, e acaba quebrando-o por acidente. Com medo de ser castigada, ela mente ao Senhor Urso sobre ter sido ela quem quebrou o objeto, mas o Pequeno Urso também nega ser o autor da levadice, deixando o caso sem solução.

Edith se sente tão culpada pelo dano e pela mentira, que começa a sofrer de estresse intenso, e chega a tentar fugir de casa. Mas no final, ela enfrenta o medo e expia a própria culpa confessando tudo ao Senhor Urso, que a perdoa e decide não puni-la, já que ela sofreu bastante com o remorso e com a noite passada nas ruas.

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Se o livro tivesse terminado aí, poderia ter sido uma excelente estória de moralidade para mostrar às crianças como contar uma mentira pode ter um efeito negativo sobre a pessoa que a conta, em forma de culpa e estresse adicional.

Mas, tristemente, a estória continua daqui. Edith segue fazendo diversas peraltices (como desenterrar bulbos de flores para ver se eles germinaram, e depois replantá-los de cabeça para baixo). Um dia ela decide assar algo especial para o Senhor Urso e começa a fazer uma bagunça na cozinha, enquanto está mexendo os ingredientes.

Ela faz o Pequeno Urso acender um fósforo, para que eles possam acender o fogão a gás, embora o Senhor Urso os tenha proibido de sequer tocar em palitos de fósforo. O Senhor Urso os pega no flagra e isso conduz a uma outra cena de spanking.

(…)

Depois de ler esses livros, dá para perdoar quem se pergunta que tipo de pessoa escreveria uma série de livros como esses. Olhar para a vida de Dare Wright provém todos os insights, como por que ela os escreveria.

Dare Wright nasceu em Vaughan, Ontário, Canadá, em 1914, como a mais nova de duas crianças em um casamento disfuncional e deteriorado. Seu pai, Ivan Wright, era um crítico de teatro, enquanto sua mãe, Edith “Edie” Stevenson Wright, era uma artista.

O casamento de seus pais estava tenso pela entrega de Ivan ao alcoolismo e sua frequente troca de empregos. Edie tentava contrubuir com as despesas pintando retratos. O casamento terminou em um divórcio que ficou tão dividido, que por fim cada um dos pais tomou a guarda de um dos filhos, ao mesmo tempo cortando qualquer contato com o antigo cônjuge e a outra criança. Como resultado, Dare nunca mais viu seu pai, já que ele faleceu alguns anos depois. Ela não se encontrou mais com o seu irmão mais velho, Blaine, antes de ambos já terem passado bastante da faixa dos 20 anos.

Basicamente, Dare Wright foi criada como uma filha única de mãe divorciada muito antes de esse tipo de unidade familiar ser comum.

(…)

Não é preciso ser expert para adivinhar que as séries A Boneca Solitária provavelmente retratavam uma realidade alternativa na vida de Dare Wright, enquanto ela tentava explorar o que teria acontecido caso tivesse crescido com seu pai e seu irmão em vez de com sua mãe – incluindo um cenário onde ela apanharia de seu pai sempre que se comportasse mal.

Os pais devem comprar esse livro para suas crianças? Minha única sugestão é que vocês leiam antes de dá-lo à sua criança, então vocês poderão decidir por si mesmos se é algo apropriado para o(a) seu(a) filho(a) ler. (…)

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Curiosamente, as cenas de spanking aparecem recorrentemente no mesmo formato: Edith apanha primeiro, para desagrado do Pequeno Urso, e esse cobre os olhos para não assistir o que já sabe que também o aguarda.

Mas há sentido na teoria da realidade alternativa: muito indica que ao construir esses cenários, a autora estava tentando reencontrar os vínculos perdidos de sua própria infância. A própria nota de contracapa de uma reedição dá pistas sobre isso:

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Sobre o livro:

Desde sua primeira publicação em 1957, A Boneca Solitária vendeu quase 200.000 cópias e se estabeleceu como um verdadeiro clássico para crianças. Tudo começou com “Edith”, que é, na realidade, uma boneca que Dare Wright possuía desde os sete anos de idade. Um dia a senhorita Wright foi com o seu irmão escolher um urso de pelúcia para um pequeno amigo. Eles voltaram para casa com dois ursos, e “Edith” pareceu tão feliz com eles, que a senhorita Wright ficou com o “Pequeno Urso”. Após uma boa negociação para voltar às lojas e encontrar um animal de pelúcia com a expressão certa, seu irmão encontrou o “Senhor Urso”, e a família estava completa. Depois veio a câmera fotográfica da senhorita Wright, e o resto é história de livro infantil.

Sobre a autora:

Dare Wright nasceu no Canadá, mas cresceu nos Estados Unidos e agora vive em Nova Iorque. Começou sua carreira como modelo, então foi para o outro lado da câmera e desde então tem sido uma fotógrafa freelance altamente bem sucedida. Suas fotos editoriais aparecem em revistas como Town and Country e Good Housekeeping; suas fotografias comerciais de moda podem ser vistas em Vogue, Harper´s Bazaar, e outras.

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Bem representativo: ela não apenas reconstituía o que “poderia ter sido a sua família” caso tivesse sido criada pelo pai (é notável como a boneca Edith tem medo de ser rejeitada e abandonada, assim ficando sozinha), mas também usava brinquedos da própria infância para fazê-lo. 

Também chama a atenção que ela tenha nomeado a boneca como a própria mãe, que se chamava Edith. Uma explicação já arriscada é que Edith Wright, ou “Edie”, era uma mãe bastante dominante, e as duas tinham uma relação complexa. Assim sendo, Dare poderia, de certa forma, estar tentando inverter os papéis ao dar ao seu objeto de manipulação – a boneca – o mesmo nome daquela por quem era manipulada. Lembrando que ela era uma criança de sete anos quando ganhou a bonequinha. Trata-se de uma fabricação da década de 20, um objeto bastante delicado, e é comum que crianças dessa idade projetem a si mesmas (e as próprias frustrações e desejos) em seus brinquedos preferidos.

A leitura da tentativa de construção de um possível cenário familiar foi endossada por Rebecca Bengal, redatora do The New Yorker, em um artigo publicado em 26 de setembro de 2017:

The Creepiest Children’s BookWhy the 1957 cult classic “The Lonely Doll” still haunts the imaginations of a generation of women artists, from Kim Gordon to Cindy Sherman.www.newyorker.com

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O livro infantil mais assustador.

Por Rebecca Bengal

(…)

Realmente, nas seis décadas desde que foi publicado, “A Boneca Solitária” tem sido um clássico cultural, adorado especialmente entre uma geração de mulheres artistas. (…) Cindy Sherman, escrevendo sobre “A Vida Secreta da Boneca Solitária: A Procura por Dare Wright”, uma biografia escrita por Jean Nathan em 2004, reconheceu uma conexão psíquica à “obsessão e ao role playing” da autora. “Embora eu nunca tenha lido ´A Boneca Solitária´ quando criança ou visto das fotografias de Dare Wright antes,” disse Sherman, “é como se de alguma forma eu o tivesse feito.”

(…)

Segundo Nathan, os livros da Boneca Solitária eram a expressão de Wright do trauma de uma infância isolada e uma vida passada sob a mão dominante de sua mãe, Edie. (…) Até a morte de Edie, em 1975, mãe e filha eram a companhia primária uma da outra. (…) Edie, uma pintora de retratos da sociedade, frequentemente pintava a figura da filha, mas a retratava como uma adolescente mesmo depois de ela já ter entrado na faixa dos quarenta. “Elas dividiam a mesma cama”, escreve Nathan, “mas não pareciam ter ideia do quão estranho os outros achavam aquele arranjo.” Wright, fisicamente petite e delicada, passando por alguém anos mais jovem do que sua idade real, era amada e adorada, mas também controlada e manipulada em uma extensão que parece ter inibido sua maturação até a idade adulta. Seu único relacionamento, com um piloto galã, foi rompido após seu noivo perceber que ela não tinha interesse em uma relação física. Posteriormente, como seu irmão e sua mãe, Wright tornou-se uma alcoólatra.

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Parece que os pontos se ligam: a mãe, divorciada (em um tempo em que separação estava longe de ser algo aceito) e ela própria, solitária, infantilizava a filha, dormindo com ela e possivelmente tratando-a em uma linguagem pueril, para assim poder manipulá-la – ainda que fosse um tipo de manipulação com mais tons “amorosos” do que violentos. A filha por um lado se beneficiava disso, e talvez sequer percebesse que estava “deixando de crescer”, mas ficou marcada por uma certa “Síndrome de Peter Pan”, por uma forte carência de figura paterna – que em sua imaginação, não deixa de ser extremamente dominante – e por um sentimento saudoso do irmão. 

Foi em 1950, quando Edie enviou à filha uma caixa com diversos de seus antigos brinquedos, que Dare reencontrou sua boneca Edith e decidiu “retomar a relação” com ela, além de torná-la de vez a sua personificação.

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Com seus cabelos encaracolados, Edith inicialmente lembrava mais Edie do que Wright. Mas em sua máquina de costura movida a manivela, Wright começou a fazer versões em miniatura de roupas que ela costuraria para si mesma, e combinou as roupas da boneca com uma nova peruca loura e brincos de argola. Edith se tornou, de acordo com Nathan, uma “efígie de sua dona”. Em um retrato tirado na praia de Ocracoke, na Carolina do Norte, Edith embala uma concha como se fosse uma boneca, enquanto Wright suavemente e em um gesto afetuoso, puxa os cabelos de Edith, que estão presos em um longo rabo-de-cavalo que lembram o seu próprio penteado.

É tentador ler os livros da Boneca Solitária como um espelho da vida de Wright – a sufocada mulher-criança fazendo o papel da figura parental controladora sobre a Edith sem vida, e expressando, através da boneca, os impulsos e desejos que ela nunca explorou em si mesma. As saias curtas de Edith tendem a voar para o alto, expondo suas anáguas e calcinhas. Na capa de uma sequência, ela aparece amordaçada e amarrada a uma árvore.

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Precisamos lembrar que na década de 50, não era comum que mulheres em idade adulta tivessem uma aparência jovial e se vestissem de forma mais despojada. Também não era bem visto uma mulher ser solteira e sem filhos, mesmo que fosse por escolha pessoal. No universo adulto da época não havia espaço para roupas coloridas e penteados descontraídos, brincadeiras na praia e “aparentar menos idade”; era mesmo preciso recorrer a um mundo de fantasia para “vivenciar” tudo isso sem sentir as pressões sociais. No retrato das ilhas Ocracoke, fica claro que Dare Wright se sentia feliz brincando de boneca, e tratava a sua bonequinha Edith com o mesmo esmero que um grande diretor de cinema trataria a sua estrela preferida. 

Outro escapismo evidente é a imagem da boneca amarrada e amordaçada. Fãs de BSDM podem sentir seus desejos ocultos (ou nem tão ocultos) formigarem com essa cena, já o pessoal mais purista pode entender como uma simples “brincadeira de criança”, como se a autora/fotógrafa quisesse meramente reproduzir um jogo infantil do tipo “caubóis e índios”, sem nenhuma outra pretensão. Mas tudo faz crer que Wright estava manifestando como ela mesma se sentia: sufocada por uma “mordaça” e imobilizada por “cordas”, impedida de sair dali (ou seja, de crescer), e sem se ver em condições de se resgatar sozinha.

Claro que a cena de spanking deu o que falar, e mais uma vez, sugere-se que há papéis bem definidos para cada um dos três personagens-brinquedos.

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(…) Quando o Senhor Urso é mostrado com Edith curvada sobre seu joelho, sua saia levantada, e a pata peluda dele suspensa no ar, mirando no bumbum dela, um ar de erotismo repentinamente se intromete no conto de brincadeiras inocentes. As faces estáticas das figuras emprestam à imagem uma pontada de horror; o Pequeno Urso, assistindo, ergue seus braços em choque, a única expressão de emoção nessa cena. Nathan teoriza que com o Senhor Urso e o Pequeno Urso, Wright estava replicando “sua própria trinidade: ela mesma, um irmão, e um pai.”

Mas não se deve diminuir as coisas lendo tanto do trabalho de Wright como uma expressão de uma vida familiar danificada, como se ela fosse uma criança brincando de bonecas no consultório do terapeuta. Wright era uma prolífica inventora de imagens que se aproximava de seu trabalho como uma autora meticulosa. (…) Às vezes o Senhor Urso põe uma para confortadora sobre o ombro de Edith, e eles se olham em uma pose que se parece um pouquinho com amor. Mais do que uma estória infantil ilustrada, a mão da autora é palpável nesses livros – orquestrando, posando, transmitindo movimentos, sentimentos e narrativa. Entende-se porque Kim Gordon achou o original “Boneca Solitária” assustador demais para lê-lo para sua filha, mas é igualmente imaginável por quê o livro a cativou tanto em sua juventude. A maleabilidade da boneca solitária revelava, em todos os esquadros, o espírito artístico de sua criadora.

E então, o que acharam? Na sequência, vou continuar a abrir a “caixa preta” da autora a fim de desvendar seus gatilhos psíquicos que deram origem a essa sequência de histórias inocentes na aparência e perturbadoras de fato.

Carta aberta de Beth Fenimore – I

Oi gente! Hoje temos um artigo, triste e pesado, mas necessário. Trata-se de uma carta aberta que foi dirigida ao autor de um livro que instruía spanking na criação de filhos, por uma ex-criança que sofreu esses spankings na própria pele.

São extremamente difíceis de se encontrar descrições detalhadas dos efeitos físicos, psíquicos e psicossomáticos das chamadas surras “do jeito certo”, propagandeadas sobretudo por religiosos, pois ninguém gosta de falar disso, sobretudo quem as experimentou na própria pele. Mas pelos comentários que já ouvi de correspondentes, dá para desconfiar que elas causam um impacto psicológico profundo em razão da angústia da espera, já sabendo exatamente como vai apanhar. Uma amiga de uma correspondente relatou que ficava tão nervosa escutando a bronca da mãe antes da ordem de se virar e esperar as palmadas, que depois não conseguia se lembrar de uma única palavra…

Mas houve uma que teve coragem de escrever uma carta aberta. Chama-se Beth Fenimore. O autor do livro chama-se Roy Lessin, um pastor e missionário americano que influenciou inúmeras famílias ao longo de décadas, sobretudo nos anos 70 e 80. Esse é um retrato de sua família, tirado por volta de 1978, um ano antes da publicação do livro referido na carta. Aqui ele posa com sua filha Lydia, seu filho Joey e sua esposa Charlene, conhecida como “Char”.

Mas a família aparentemente exemplar deixou marcas sombrias em muitas crianças daquele condado. Como? Ensinando os pais a aplicar “a surra perfeita”. Uma daquelas crianças chamava-se Beth Fenimore e nasceu em 1968. Já adulta, ciente dos graves prejuízos sofridos por causa das pregações e do livro do pastor Lessin, ela resolveu contar sua história sem esconder nenhum detalhe. Vamos à carta, que foi publicada inclusive neste link.

Beth Fenimore’s Open Letter to Roy Lessin, author of Spanking: Why, When, How.Beth Fenimore’s Open Letter to Roy Lessin, author of Spanking: Why, When, How.cdugan0.tripod.com

Segue a introdução:

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O pai de Beth Fenimore ilustrou o livro de Roy Lessin de 1979, “Spanking: Por que, Quando, Como.” 

Quando Beth era criança, sua família frequentava a igreja onde Roy Lessin pregava. Seus pais e os Lessins socializavam, andavam juntos e tomavam conta das crianças uns dos outros. Beth e seus irmãos cresceram com as crianças dos Lessins, chamadas Joey e Lydia. Os pais de Beth aplicavam os métodos “divinos” de castigo corporal de Roy Lessin sob sua tutela pessoal, e no último caso, Beth foi “amorosamente corrigida” com uma vara pela esposa de Roy Lessin, chamada Charlene (“Char”) Lessin. 

Nessa carta perturbadora e corajosa, Beth confronta o homem que ensinou seus pais como usar castigo corporal para extinguir todas as evidências externas de emoções infantis que desagradam aos pais, e como instilar obediência instantânea e cega baseada em medo. Ela vividamente descreve a nuvem negra que os métodos de Char e Roy Lessin lançaram sobre sua infância, bem como os permanentes danos psicológicos, emocionais e médicos que resultaram da chamada “correção amorosa da vara” por Roy Lessin.

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Nos primeiros parágrafos, Beth esclarece os motivos para ter tomado a decisão de escrever a carta, e relembra alguns detalhes cruciais do livro.

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Beth Fenimore, 7 de setembro de 2005.

Carta aberta a Roy Lessin, autor de “Spanking: Por que, Quando, Como”

Caro Roy,

Após 19 anos encontrei a coragem para te escrever essa carta declarando como sua escolha de ensinar e escrever sobre spanking me afetou. Meu propósito em escrever essa carta aberta é dividir com você e com outros que a sua abordagem de spanking é prejudicial. Ambos os meus pais conhecem a minha visão sobre esse assunto. Igualmente conversei com eles sobre como sua decisão de implementar suas recomendações de spanking me afetou. Tenho uma missão. Minha missão é alertar novos pais que estão inocentemente tentando criar crianças felizes e saudáveis. Se apenas um pai ou mãe poupar sua criança do tipo de dor que suportei nas mãos de meus pais quando eles implementavam suas recomendações de spanking, minha dor terá mais sentido do que tem agora.

Quero iniciar falando sobre sua abordagem de spanking, para que nós dois falemos a mesma língua. Em seu livro, você descreve um processo no qual um pai ou uma mãe aplica um spanking em sua criança.

  • O primeiro passo é utilizar o instrumento certo; se o pai ou a mãe usa a mão, a criança pode se tornar temerosa da mãe paterna ou materna.
  • O segundo passo é surrar prontamente.
  • O terceiro passo é encontrar um local privado no qual se possa conduzir o spanking.
  • O quarto passo é explicar à criança porque ela vai ser surrada.
  • O quinto passo é colocar a criança em uma boa posição de spanking (quando os meus pais e outros adultos – como a sua esposa, Char – me batiam, o ritual envolvido era remover as roupas da criança); você recomenda curvar a criança sobre uma cama, ou curvar uma criança menor sobre o colo dos pais.
  • O sexto passo é bater nas nádegas da criança com uma vara ou outro instrumento de spanking.
  • O sétimo passo é continuar batendo até a criança explodir em um choro convulsivo, que indica a vontade quebrada.
  • O oitavo passo é reconciliação. Você recomenda que os pais confortem a criança até que tempo suficiente tenha passado, e então peçam que ela pare de chorar. Você recomenda que os pais batam na criança que mostre uma “atitude errada”, caso ela continue chorando por muito tempo após o spanking.

A linguagem em seu livro é muito mais “açucarada” do que essa que acabei de escrever. Mas minha descrição não chega perto da sensação de receber um spanking de Roy Lessin. Então vou descrever como é um spanking de Roy Lessin.

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Surpreendentemente, Beth começou a apanhar quando sua vida mal havia iniciado, conforme fica claro nesse trecho:

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Meu primeiro spanking foi quando eu tinha seis meses de idade. Minha mãe me bateu por eu chorar após ela me colocar na cama. Ela tinha que me bater repetidamente para me ensinar a não chorar quando ela me baixasse. Sei desse incidente porque minha mãe costumava contar a todas as novas mães o quão novinha eu era quando ela começou a me dar spankings. Meu último spanking aconteceu quando eu tinha treze anos. Os spankings de Roy Lessin dos quais me lembro mais vividamente aconteceram entre os meus três e os meus sete anos, porque eu mal passava um dia sem apanhar naquele tempo. Gostaria de dividir com você e com outros, como era receber um spanking de Roy Lessin.

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Dito isso, ela discorre sobre as sensações experimentadas antes, durante e depois das surras ritualísticas instruídas por Roy.

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No momento em que eu descobria que ia levar um spanking de Roy Lessin, eu me sentia fisicamente adoecida. Pois como o spanking de Roy Lessin é um ritual, a provação pode durar um longo tempo. (Quando me refiro a um ritual de spanking, estou me referindo aos passos que você delineia em seu livro.) Era difícil para mim, porque eu tinha a noção de tempo de uma criança. O pavor borbulhava e me consumia, e permanecia comigo até o ritual do spanking terminar. 

Meus pais usualmente me mandavam para um cômodo privado, como o meu próprio quarto, e lá eu esperava até um deles chegar. (Meu pai era quem me batia na maioria das vezes, então em minha ilustração, vamos assumir que o meu pai está conduzindo o spanking de Roy Lessin). Meu pai me explicava a razão para o spanking. Esse era um processo excruciante, porque eu tinha que escutar enquanto já sabia o que estava por vir. Como eu tinha que ficar de costas para enfrentar um spanking de Roy Lessin, precisava tomar cuidado para não ser desrespeitosa enquanto escutava o meu pai. Eu já tinha desenvolvido Síndrome do Intestino Irritável, e sentia fortes cólicas em minhas entranhas por ansiedade durante o discurso dele. 

Então ele me pedia para tirar a minha calça e a minha calcinha. Eu me sentia profundamente constrangida, porque o meu pai não deveria me ver nua. (Minha família tinha um rigoroso padrão de pudor.) Minha humilhação e medo cresciam de forma imensurável quando eu me curvava sobre a cama, sobre o joelho do meu pai, ou sobre o que quer que estivesse por perto. Minhas partes íntimas estavam impotentemente expostas quando o meu pai pousava sua mão em minhas costas. Tentar empurrá-lo ou me defender só significaria que o spanking seria mais longo, ou que eu apanharia pior. A vara, a tábua de madeira com versos da escritura impressos, ou o cinto, balançariam violentamente pelo ar antes de bater dolorosamente em minhas nádegas ou coxas. Eu gritava em dor e agonia.

Imagem ilustrativa

Não consigo me lembrar de um momento onde tenha pensado em resistir, me rebelar, ou tentar “ganhar” qualquer coisa, já que você recomenda que os pais vigiem isso enquanto batem em suas crianças. Eu só tentava sobreviver da melhor forma que sabia como. A gritaria, os golpes e a dor continuavam por quantidades de tempo que eu não podia medir. Quando aquela dor horrível acabava, eu começava uma batalha contra as minhas emoções e o meu corpo. Sabia que chorar demais poderia significar que o meu pai começaria outro ritual de spanking do Roy Lessin, tudo de novo, para corrigir minha “atitude errada”.

Imagem Ilustrativa

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Nos próximos parágrafos, Beth fala sobre a indiferença dos pais quanto aos efeitos físicos – inclusive os visíveis – daqueles spankings, bem como sobre a negação da dor sentida pela criança. Também reconhece que em vez de se sentir amada e consolada pelos pais, ela chegava a sentir aversão a contatos físicos com eles, e sobre a repressão e representação de sentimentos que se via obrigada a suportar com aqueles castigos.

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Meus pais nunca se preocupavam com as marcas que deixavam em meu corpo. Nunca falamos sobre as marcas doloridas em meu corpo, ou sobre como roupas, banhos, cadeiras, etc., machucavam. A mensagem era clara: não havia dor. Subir as minhas calças era incrivelmente dolorido, assim como me sentar no colo do meu pai. Porque “não havia dor”, eu tinha que fingir que as minhas nádegas e coxas não doíam mesmo depois do que me faziam, enquanto o meu pai colocava seus braços ao redor de mim e me “confortava”. 

Eu não era como a criança idealizada que você descreve em seu livro, já que eu não sabia a diferença entre o instrumento usado no spanking e a pessoa que usava tal instrumento. Meu pai me causava aquela dor – não uma vara! Os braços do meu pai me assustavam, e eu temia o meu pai como nunca havia temido outro homem. O toque dele me causava repulsa. Era o mesmo com a minha mãe. (Até os dias de hoje, não consigo tolerar qualquer um dos dois me tocando fisicamente. Me sinto fisicamente doente com o toque deles.) Meu pai orava, e eu mal podia acompanhar, a não ser por medo de outro spanking de Roy Lessin. Depois que orávamos, era hora de eu ser feliz. Mas as minhas entranhas estavam uma bagunça. Lágrimas ameaçavam cair e me causar mais dor e angústia. Eu tinha que fingir que não estava triste, e que não estava em dor. Essa seria a minha maior lição: ficar feliz, não importando como eu me sentia por dentro. Me custaria mais alguns spankings, mas eu aprenderia. Seria uma lição que eu aprenderia para a vida toda – ser falsamente feliz, não importando como o meu corpo se sentia.

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Ela também se encoraja para falar sobre um assunto penoso: a confusão experimentada por uma criança criada em um lar extremamente repressor quanto à sexualidade, mas ao mesmo tempo, violento com as partes íntimas, tendo pais que se sentiam livres para despir na hora em que queriam surrar. Além da dificuldade de dissociar sexualidade e dor excruciante (o que a levou a temer relacionamentos íntimos na adolescência e até na vida adulta), Beth passou pela fase de extravasamento da própria agressividade em brinquedos, o que é até bem comum em crianças que apanham, conforme já foi abordado em outro artigo do blog.

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Um aspecto de um spanking de Roy Lessin é o aspecto sexual. Levei anos para sequer começar a me permitir falar sobre esse aspecto. Veja, sendo criança eu não tinha ideia alguma do que era sexo. Só tinha aquela sensação estranha que vinha durante o ritual de spanking de Roy Lessin. Para meu grande desânimo, aprendi que estimulação sexual pode sofrer linha cruzada com o dolorido ritual dos spankings. Essa linha cruzada foi um problema real para mim. Já que eu não conseguia lidar com a dupla mensagem de amor e dor, evitei desenvolver um relacionamento íntimo com um homem por um tempo bem longo. Levou anos até que eu desenvolvesse uma sexualidade saudável fora das memórias que eu tinha dos spankings de Roy Lessin. Eu lutei com essa dupla mensagem quando criança. Sinto uma vergonha profunda quando lembro de ter batido e torturado minhas bonecas e Barbies quando ninguém estava por perto. Precisava de algum jeito de expressar o medo, a dor e a confusão sexual que sentia por dentro; ainda assim, minha mente infantil não conseguia compreender o significado do que eu estava fazendo.

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Beth revela que apanhava surras frequentes, tão frequentes que as marcas em sua pele eram cumulativas.

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Meus pais eram seus “alunos nota dez”. Eles seguiam seus oito passos, ocasionalmente reduzindo o ritual inteiro de spanking Roy Lessin a poucos golpes – não tão frequentemente, contudo. Minha bunda e minhas coxas ardiam por um longo tempo após um ritual de spanking de Roy Lessin, então eu ia até o banheiro e usava o espelho da minha mãe para olhar o meu traseiro. Lembro de ver vergões vermelhos atravessando minhas nádegas e coxas. Às vezes eu tinha marcas antigas por baixo das novas marcas. Meus pais conduziam diversos rituais de spanking de Roy Lessin por dia quando eu era uma criança pequena. Lembro de uma professora na escola me perguntando, um dia, porque eu simplesmente não ficava sentada direito. Não consegui contar a ela que era porque as marcas em minha bunda doíam muito ao sentar na cadeirinha de madeira.

Imagem Ilustrativa

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Nos próximos parágrafos, ela conta que chegou a apanhar não somente de seus pais, mas também da família Lessin. No caso, da esposa de Roy, que tomou a liberdade de “corrigi-la”, e ao que tudo indica, com aprovação dos pais dela.

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Agora que já comuniquei o que é um spanking de Roy Lessin e como é a sensação de receber um, vamos avançar para as atitudes erradas. Gostaria de começar contando a você uma história de como foi ter um adulto, nesse caso, a sua esposa, lidando com a minha “atitude errada”.

Um dia os meus pais estavam se mudando. Eu tinha quatro anos e acordei em uma casa que não reconheci mais. Perguntei à minha mãe o que estava acontecendo. Qualquer que tenha sido a resposta que ela deu, eu não entendi. Ela mandou a mim e aos meus irmãos para a sua casa, onde sua esposa Char deveria tomar conta de nós. No caminho para a porta, vi nosso pequeno papagaio Chirpy sentado em sua gaiola fora de casa, entre alguns arbustos. Agora, Chirpy não deveria estar lá fora. Um escuro sentimento de ameaça me encobriu. Eu estava assustada quando andei até o carro, vendo o Chirpy piar freneticamente em sua gaiola no meio de uma pilha de caixas. 

Em algum ponto, em sua casa, Char colocou todos nós para tirar uma soneca. Eu chorei. Char veio até mim e me mandou parar, e eu não conseguia. Então ela performou um de seus rituais de spanking. Voltei para o meu ponto de soneca. Deitei ali para tirar o resto de minha soneca – incapaz de dormir, com medo de me mexer, repleta de emoções de ameaça e medo que eram tão grandes que achei que eu fosse explodir. Mas eu tinha que fazer a Char acreditar que eu estava alegremente obedecendo ela. Fiz qualquer cara que pude para convencê-la, e fingi estar adormecida. Eu tinha que fingir estar me sentindo diferente do que me sentia por dentro.

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Ela discorre sobre um tema que embora possa parecer bem óbvio nos dias de hoje, era algo ainda relativamente ignorado na década de 70 (mesmo para quem não aprovava castigos tão severos): crianças não são “programáveis” por adultos.

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Há dois pontos que eu gostaria de fazer sobre más atitudes. O primeiro é que, como você pode ver acima, adultos não têm “poderes” que lhes permitam ler as mentes das crianças. Meus pais cometeram esse erro de novo, e de novo, e de novo. Eles não eram muito melhores em ler a minha mente ou em ver como eu me sentia do que foi a sua esposa naquele dia em que fiquei em sua casa. Você vê, pais cometem erros. Não há como contornar isso. Mas quando um pai ou uma mãe usa uma força tão violenta quanto a de um spanking de Roy Lessin, erros são verdadeiramente danosos, especialmente quando o ritual do spanking envolve quebrar a vontade da criança – ou quebrar uma parte da psique da criança!

O segundo ponto sobre “atitudes erradas” é que você diz aos pais que suas crianças serão felizes com o seu modo de disciplina, ou até preferir apanhar. Quero dizer que não experimentei essa alegria. Construí para mim mesma uma concha de alegria e obediência, e vivi naquela concha, só tirando a cabeça de lá quando me sentia segura, por 30 anos. Custaram-me mais sete anos para realmente tentar arrancar a concha de alegria e obediência – apenas para correr de volta para lá quando algo me fazia sentir nos “velhos medos de minha infância”. Não fui feliz vivendo nessa concha, constantemente fingindo ser feliz quando eu me sentia miserável por dentro. Quando penso em uma criança feliz, penso em uma criança que se sente livre para expressar suas ideias, pensamentos e emoções. Acho que o trabalho dos pais é ensinar uma criança como expressar suas emoções, não bater nela com uma vara até ela demonstrar a emoção da escolha dos pais.

Você escreve sobre pais disciplinando suas crianças por desobediência. Parece muito simples. Os pais estipulam algumas regras e as crianças as seguem. Quando desobediência é baseada na criança agindo ou se comportando apenas como os pais mandam, seguir aquelas regras se torna muito mais difícil. Como seus ensinamentos influenciaram meus anos de formação, descobri que violei mais regras do que poderia acompanhar. Como se não bastasse, uma das regras era obedecer sem que minha mãe ou meu pai tivesse que mandar uma segunda vez. Então a perfeição virou a regra, e perfeição foi algo em que falhei miseravelmente. 

Mesmo na concha de alegria e obediência, eu não estava completamente segura. A lição de vida que tomei foi que não existe algo como uma segunda chance. Levei essa lição para a escola, e descobri que eu tinha medo de tentar. Não que os meus pais não me encorajassem – era só que se o encorajamento não funcionasse, como frequentemente não funcionava, eles me bateriam por não reconhecer letras, errar palavras em testes de soletrar, e por aí vai. Basicamente, eles me batiam por não me esforçar o suficiente. 

Sequer mencionei as centenas de outros motivos pelos quais eles me batiam. Aprendi como viver desamparadamente. Eu não apenas confrontava meu próprio desapontamento por não fazer algo corretamente, eu confrontava um spanking de Roy Lessin em casa quando gastava o meu encorajamento. Cresci achando que eu era mentalmente deficiente. Posteriormente, como uma adulta, descobri que sou disléxica – algo que um spanking de Roy Lessin nunca iria curar.

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A certa altura, Beth procurou questionar se suas memórias não estariam “hiper-dimensionando” os fatos, talvez reconstituindo os acontecimentos de uma forma mais potente do que a realidade. Então, resolveu confirmar com a esposa de Lessin se tudo havia se passado como ela de fato conseguia se lembrar.

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Por quase toda a minha vida, preocupei-me por ter me lembrado de tudo isso de forma errada. Cerca de onze anos atrás, liguei para Char e pedi a ela que me escutasse enquanto eu reconstituía um spanking de Roy Lessin para ela. Descrevi a ela com o máximo de detalhes que pude as surras que suportei de novo e de novo. Char me disse que minhas memórias eram exatamente o que você e ela haviam ensinado aos meus pais. Eu não havia me lembrado errado!

Li o seu livro há alguns anos. Fiquei novamente surpresa em perceber que eu sabia e me lembrava muito bem de seus ensinamentos. Após anos crescendo perto de sua família e escutando seus sermões em Outreach, seu livro trouxe-me de volta seus ensinamentos dolorosos e as memórias doídas com as quais tenho me esforçado tanto para conviver. Mantive o desejo de agarrar minha concha de alegria e obediência, porque até hoje me sinto amedrontada quando penso em todos os spankings e ensinamentos de Roy Lessin.

Tanto Char, durante meu telefonema com ela, quanto você, em seu primeiro livro, falam sobre spankings terem um propósito maior de salvar a alma. Você se refere aos Provérbios 20:30: “Os golpes que ferem limpam o mal; açoites purificam as profundezas do ser.” Aqueles “golpes” deixaram marcas horríveis em meu corpo, marcas que me dificultaram sentar e que faziam um banho com sabonete arder horrivelmente, e que aterrorizaram o meu espírito.

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Além dos prejuízos psicológicos, Beth acabou sofrendo de males físicos, conforme descreve nesse trecho.

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Sentir-me aterrorizada não foi o único resultado com o qual tive que conviver. Há dez anos, um gastroenterologista me diagnosticou com Síndrome do Intestino Irritável, uma condição que eu já tinha desde os três anos. Por causa da ansiedade feroz que eu sentia por conta dos spankings de Roy Lessin. Tive terríveis dores estomacais crônicas e diarréia durante meus anos de crescimento e quando adulta. 

Há cinco anos o meu psiquiatra me diagnosticou com Transtorno de Estresse Pós-Traumático, e comecei a trabalhar com os medos profundamente enraizados que eu sentia de meus pais e dos spankings de Roy Lessin. 

Posteriormente um médico psicossomático me diagnosticou com asma e alergias severas por conta de um sistema imunológico enfraquecido, como resultado de minha ansiedade crônica. O mesmo médico me disse que estou em alto risco de desenvolver câncer de cólon por causa dos anos de Síndrome do Intestino Irritável, como consequência de minha ansiedade. 

Roy, esses problemas são todos consequentes de meus pais terem implementado seus ensinamentos, usando spankings de Roy Lessin para corrigir uma infinidade de erros e atitudes da infância. Não consigo imaginar porque um pai ou uma mãe iria querer esses resultados para sua criança. Posso ter parecido feliz e agido docilmente perto de meus pais, mas por dentro eu estava emocionalmente e fisicamente doente! Seus ensinamentos não me deram outra opção senão viver uma mentira horrível de parecer feliz quando eu estava miserável.

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Ela também relembra como se sentia aterrorizada aos domingos de manhã, nos cultos conduzidos por Roy na igreja local. Também fala sobre como essa experiência impactou suas decisões enquanto adulta.

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Por quase todos os dias de minha vida, temo as pessoas. Se pessoas como meus pais, e amigos da família como você e Char, puderam me machucar tanto, que tipo de coisas horríveis os outros poderiam fazer comigo? Eu deveria estar segura com a minha família e amigos enquanto crescia! Temo especialmente homens em papéis de autoridade. Ocasionalmente olho até para pessoas que conheço, e com quem sei que estou segura, com terror, apenas porque elas falaram em um tom que lembra daqueles tempos. Tenho medo de cometer erros. Escolhi não ter filhos meus, porque os gritos de uma criança remexem minhas entranhas.

Lembra de todos aqueles sermões em Outreach que você, que Don Leetch, que Dean Kerns e alguns outros pregavam? Ainda ouço os gritos das crianças que apanhavam enquanto os pais batiam nelas fora do santuário da igreja nos cultos dominicais, durante aqueles sermões. Lembro dos gritos de meus irmãos. Lembro que em uma noite de sexta-feira, alguém estava pregando e um pai levou um bebê até lá fora para dar-lhe um spanking, e um vizinho chamou a polícia. Paramos o culto, e você saiu com sua bíblia para explicar ao policial porque estava tudo bem o pai bater em seu bebê. Todos nós lá dentro oramos para que o policial entendesse e não levasse o bebê embora.

Como mulher adulta eu ainda temo os spankings de Roy Lessin. Às vezes acordo no meio da noite implorando ao meu marido para “não deixa eles me pegarem.”

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Em algum ponto de sua vida, Beth resolveu conversar com o pai sobre tudo o que sofreu por conta dos métodos disciplinares dele. É desconcertante pensar que ele sequer percebia que estava fazendo algum mal à filha, tudo pela lavagem cerebral sofrida pela convivência com aqueles pregadores e pela influência deles.

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Meu pai e eu conversamos diversas vezes sobre os spankings de Roy Lessin. Ele me pediu perdão, e ficou horrorizado com o que fez. Essas conversas têm sido incrivelmente dolorosas para nós dois, e agora tenho 37 anos! Acredito que ele pensava que estava fazendo a coisa certa. Você era um líder na igreja no qual ele acreditava, e você era amigo dele. Nossas famílias socializavam juntas. Aquele não era um ensinamento que ele pegava em qualquer lugar e depois saiu para tirar proveito dele.

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Ela encerra a carta convidando Roy a refletir, e até mesmo a se juntar à causa pelo fim dos castigos corporais.

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Espero que nesse ponto você comece a ver como suas palavras simples e doces sobre criar crianças são na verdade prejudiciais. Talvez você esteja querendo saber se quero ter um diálogo com você, e falar sobre o que você realmente queria dizer com o seu livro. Talvez você tenha adotado uma política de graça, e agora recomende que os pais batam menos e não na pele nua? 

A verdade é, não quero saber. Se eu precisasse de justificação ou razões para seus ensinamentos, poderia usar o seu livro como referência. O que eu gostaria que você fizesse é reconsiderar sua posição após olhar cuidadosamente para como seus ensinamentos me afetaram. Pais amorosos iriam querer criar uma criança para temer pessoas, para vestir uma concha de alegria e obediência, ou para viver com Transtorno de Estresse Pós-Traumático e outras doenças? Espero que a resposta na qual você consiga pensar seja NÃO. Espero que você perceba que bater em uma criança por qualquer razão não é amor. 

Além disso, espero que você se junte à causa para acabar com castigo corporal nos lares das crianças. Eu vim a este mundo como uma bebê feliz e saudável. Por nenhuma outra razão que não seja os spankings de Roy Lessin, eu agora luto por minha saúde física e mental. Por favor, ajude os outros e a mim, para que isso não aconteça com mais nenhuma criança. Ajude a acabar com castigo corporal. Ajude a acabar com abuso infantil. Se Jesus disse, “Quanto a estes pequeninos que creem em mim , se alguém for culpado de um deles pecar, seria melhor para essa pessoa que ela fosse jogada no mar, com uma pedra grande amarrada no pescoço.” (Marcos 9:42), não consigo imaginar que Deus perdoe tal comportamento em pessoas que clamam ser pais amorosos.

Sinceramente,

Bethany A. Fenimore

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A essa altura, já deve estar claro que se trata de uma pessoa severamente traumatizada por spankings brutais e recorrentes na infância, que acabaram criando uma adulta com medo de se relacionar e de ter filhos. Eram surras sistemáticas, ritualizadas, em um ambiente sem diálogo (apenas com os adultos falando e as crianças sendo obrigadas a ouvir), e onde o “afeto” só aparecia na forma de “conforto” após o tormento físico e psicológico. Pode-se pensar: mas não é assim que acontece em todos os lares que usam castigos corporais, e olhando por aí, nem toda pessoa que apanha na infância vai chegar a esse estágio de trauma e doenças ao longo da vida. 

Com certeza, há fundamento nessa argumentação. Muitas pessoas apanharam na infância, e embora seja certo que todas foram afetadas e prejudicadas de alguma forma, não é “regra geral” (felizmente!) que as coisas atinjam a gravidade que se vê nesse relato. 

Mas o ponto crucial é: os pais dela achavam que estavam agindo certo. Foram necessários 37 anos para o pai de Beth se tocar do mal que havia feito à filha. E possivelmente, ao escrever o tal do livro, o pastor Lessin também acreditava que estava ensinando os meios “corretos” para educar uma criança. Até onde pode ir a alienação de pais e orientadores parentais supostamente “bem intencionados”? Até onde a aceitação social de “métodos que funcionam” pode levar as ações e decisões de pessoas que no fundo, só desejam “fazer o bem”? Essa carta é uma boa lição sobre o poder das palavras. As “palavras mágicas” de um pastor visto como autoridade e figura sábia e orientada por Deus tiveram o poder de estragar uma vida. Dito de forma nua e crua.

Seguem duas fotos de infância de Beth, com descrições feitas por ela mesma.

Lembro-me de saber que a minha mãe estava me vigiando e me mandando sorrir para o fotógrafo. Me senti intimidada por minha mãe a sorrir. Não importa que expressão facial eu tivesse, meus olhos pareciam mostrar minha ansiedade. Olhando para essa foto agora, sinto-me profundamente triste.

Quando criança, eu vivia vigiando os humores e as emoções dos outros. Eu era comumente distraída com ansiedade tentando saber se havia feito algo errado que pudesse ocasionar que eu levasse um spanking de Roy Lessin.

Beth tem agora (em 2024) 56 anos de idade, e segundo um depoimento antigo de sua irmã caçula, Dorinda, ela estava se saindo bem na tentativa de recuperação de seus traumas. Foi citado que ter a oportunidade de escrever essa carta e vê-la publicada foi um imenso alívio para ela, chegando a ser um processo libertador, e até mesmo o trampolim para um essencial caminho terapêutico.

O que acharam?

Uma discussão que já rolou aqui muitas vezes é qual seria a surra pior, a ritualizada passo-a-passo dada de cara limpa, ou aquela dada de qualquer maneira na hora da raiva, de cara dura? A opinião geral é que ambas são ruins, mas eu insisto em dizer que a ritualizada é pior, não só porque é dada “a frio”, sem a descarga de adrenalina que protege da dor nos momentos de tensão, mas também porque a longa e angustiante espera é ideal para o desenvolvimento do estresse pós-traumático. Sem contar que a forma repetitiva como se bate é ideal para gerar lesões específicas.

Os pais de Beth me parecem anormais (sobretudo o pai), mesmo dentro de um contexto em si anormal, que é essa aceitação sem ressalvas de viciosos castigos corporais em crianças, e até em bebês. Dois aspectos me chamaram a atenção: a extrema frequência das surras, a ponto de não haver tempo nem de curar as lesões da última surra, e a exigência de nudez. Note que o passo-a-passo do livro não inclui despir as nádegas das crianças, essa era uma “preferência”. Alguma gratificação não assumida conscientemente eles deviam obter das surras que aplicavam. Talvez muitos não concordem, mas não achei que fosse teatro a reação do pai e seu pedido de desculpas, a impressão que tive foi que ele se sentiu pego em flagrante e ficou genuinamente arrependido, pois caiu a ficha de que ele fazia mal à filha para se agradar. Fosse ele só mais um dos religiosos seguidores de manual, que batem sem usufruir nenhum prazer especial, limitaria-se a repetir que “aquilo está nas escrituras” e não se mostraria arrependido.

No Brasil, livros assim já são alvo de censura, mesmo aqueles que abordam o assunto de forma muito mais ligeira, conforme abordei nesse artigo. Mas impressiona como nos EUA eles correm soltos. Eu fiz uma pesquisa pelo título “Spanking Why When How” e vi como o livro é vendido na Amazon e em várias outras plataformas. Excesso de respeito pela liberdade de expressão? Ou o passado puritano dos EUA deixou de herança esse pendor pelo castigo corporal na educação? Aí não sei, pois os jesuítas no Brasil não deixaram o mesmo legado. Contudo, na busca também encontrei muitas páginas criticando o título, e até o anúncio de um livro parodiando-o:

Na sinopse, são parafraseados muitos trechos do livro de Roy Lessin, mas ao final há um adendo explicando que se trata de um livro de sacanagem rsrs. O exemplo, entretanto, mostra a facilidade com que o discurso dos religiosos conservadores pode ser capturado pelos fetichistas curtidores de spanking. É claro que para quem conhece o fetiche, é fácil reconhecer: um religioso normal não enfatizaria certos aspectos de interesse fetichístico, e sobretudo não recomendaria bater na criança despida, pois isso vai contra os princípios religiosos que consideram a nudez indecente. Mas muitos ingênuos até bem intencionados podem ser engambelados por esse discurso que se passa por religioso.

Na sequência, vou mostrar alguns comentários despertados pelo desabafo da autora.

Rhett e Link

Oi gente! Achei um vídeo que desperta uma discussão interessante. Chama-se Dando uma surra em um moleque de 14 anos:

Parece uma piada, né? Mas rendeu uma conversa muito bem-humorada.

A publicação foi em 05 de outubro de 2012, pelo famoso canal humorístico Good Mythical Morning estrelado pelos velhos amigos Rhett McLaughlin e Link Neal (depois eles serão devidamente apresentados). Nessa gravação eles estavam com (quase) 35 e 34 anos de idade, respectivamente. Rhett é o rapaz à esquerda, de camisa azul, barba e cabelos castanhos, e Link é o da direita, de óculos, camisa de riscas e cabelos pretos.

Nesse vídeo eles relembram uma levadice que haviam feito cerca de 20 anos antes, quando ainda eram dois adolescentes entediados em sua minúscula cidadezinha chamada Buies Creek, na Carolina do Norte. O assunto é puxado no ponto 3:45, após os dois comentarem as diferenças entre as prisões americanas e as prisões suecas.

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LINK: Mas como eu disse, isso me lembrou de uma experiência de minha infância, ou na verdade, de muitas… que de algumas formas são o oposto disso. Nós faríamos alguma coisa e os dois estariam encrencados, mas aí você iria para a sua casa e receberia uma punição dos seus pais, e aí, eu iria então… A minha mãe aproveitaria a sua punição para mim, às vezes!

RHETT: Ela olhava para os meus pais para ver o nível de disciplina, e aí ela administraria isso em você.

(…)

LINK: Vamos pegar um exemplo específico. Vamos contar a eles sobre a história do telhado, e o que aconteceu lá.

RHETT: Ok! Isso foi quando tínhamos 14 anos, mais ou menos no mesmo tempo em que estávamos trabalhando em nosso magnífico primeiro filme amador, Magnus Opus Gutless Wonders. 

LINK: Então, estamos falando de moleques de oitava série?

RHETT: Sim, acho que era temporada de verão, então, se eu tinha 14, isso foi logo antes de eu entrar no ensino médio. Então foi no ano de pré-calouro do colegial. Já comentamos antes, em episódios anteriores aqui no Good Mhytical Morning, que Buies Creek era um lugar consideravelmente chato durante o verão. Você tinha que criar a sua própria diversão! Claro que uma das coisas legais de Buies Creek é que tinha a Universidade Campbell, então, dois moleques de 14 anos tinham acesso a esse campus enorme.

LINK: Então, a coisa que a gente fazia era entrar nos prédios e explorar.

RHETT: E quando podíamos, tentávamos chegar ao telhado dos referidos prédios…

LINK: Bom, acho que isso, em primeira instância, foi o que nos inspirou a fazer aquilo, porque uma coisa de que me lembro é de entrar no prédio da administração, a gente estava subindo pela escadaria, só indo acima, e você olhou: “Oh, tem pessoas nesse andar! Vamos ao próximo andar! Tem mais gente nesse andar! Vamos subir mais!” Sei lá o que a gente estava procurando! A gente só curtia causar, ou qualquer coisa assim. A gente não ia roubar nada, só bisbilhotar…

RHETT: A gente ia contrabandear alguma coisa ali.

LINK: Não, não íamos. Mas então, eu lembro de ver pessoas em todos os andares, até que a gente chegou ao topo da escadaria, e lembro que olhamos para cima… E havia um alçapão.

RHETT: Sim.

LINK: E lembro que a gente olhou para o alçapão… E olhamos um para o outro.

RHETT: E estava aberto.

LINK: Olhamos para o alçapão, olhamos um para o outro, não dissemos nada. Você não precisa dizer nada. Sabe, você é um moleque, e está com outro moleque, você está em frente a uma escadinha que leva a um alçapão. Sabe como é, não tem discussão! Você foi primeiro.

RHETT: Então, nós subimos pela escadinha, e vemos bem à nossa frente o telhado da faculdade de administração, que era coberto por pedrinhas brancas redondinhas. Era um daqueles telhados…

LINK: Era um telhado plano!

RHETT: Na verdade, as pedrinhas tinham mais o tamanho de pequenas rochas, elas eram dessa largura até uns dois centímetros e meio, aquelas pedras brancas por toooodo o telhado… E lá estávamos nós, em cima do telhado do prédio de três andares, com pedras brancas por toda a nossa volta, bem na frente da rua principal de Buies Creek. 

LINK: E novamente: nós olhamos as pedras… Olhamos um para o outro… Olhamos para as pedras… Olhamos para o topo do prédio… Olhamos um para o outro… Não tem necessidade de discussão! Sabemos o que vamos fazer.

RHETT: Vamos começar a atirar pedras lá embaixo.

LINK: Vocês não atirariam?

RHETT: Em todas as direções.

LINK: Só por atirar!

RHETT: Tipo, uma por vez…

LINK: Duas por vez…

RHETT: Várias para o alto…

LINK: Em quantidade! Olha, parece chuva, mas são pedras!

RHETT: Então, começamos a escolher as menorzinhas, porque não éramos babacas, sabem… Éramos só um pouquinho levados! Pegamos as pedrinhas menores e as atiramos em carros… Que estavam passando na rua principal.

LINK: Eu não fiz isso, acho que não…

RHETT: Só passava, tipo, um carro a cada sete minutos em Buies Creek.

LINK: Não lembro de ter feito isso per se… Talvez você tenha feito isso.

RHETT: Não atingimos ninguém!

LINK: Eu não me lembro.

RHETT: Elas só davam uma batidinha no para-brisas, e o pessoal olhava em volta, tipo pensando: “O que está acontecendo?” Enfim, tivemos a nossa diversão! Então, ainda estávamos lá em cima, e de repente, do nada…

LINK: Lembro de ter escutado: “Meninos?” … Olhamos para baixo, olhamos um para o outro, olhamos para baixo… E imediatamente reagimos recuando para longe da borda, percebendo que quem quer que estivesse gritando “Meninos!”, estava provavelmente falando com a gente, porque o pessoal tinha visto a gente lá em cima, então fugir seria meio… fútil! Então eu lembro que a gente meio que se afastou, mas então voltamos para a beira, e demos uma olhada. Adivinhem quem vimos lá embaixo?

RHETT: Leonard Johnson.

LINK: Vocês não conhecem o Leonard Johnson?

RHETT: Pai da Lisa Johnson.

LINK: Lisa Johnson era…

RHETT: Eu era a fim da Lisa Johnson.

LINK: Holly Womo e Lisa Johnson, você voaria para as casas delas em seus sonhos.

RHETT: Em meus sonhos, sim.

LINK: E o pai dela estava lá embaixo, olhando para a gente e dizendo. “Meninos, são vocês que estão jogando pedras?” Eu meio que disse, “Não, não, deve ser outra pessoa que está aqui jogando pedras!”

RHETT: Não, eu lembro que a gente só ficou em silêncio! Foi meio que assim… (imita reação silenciosa)

LINK: Sim, tipo, não se incrimine! Use o direito de ficar calado!

RHETT: Não, há outros caras atrás da gente, aqui no prédio!

LINK: Sim, não dissemos nada.

RHETT: Meio que só ficamos quietos… E então ele entrou!

LINK: Ele entrou!

RHETT: Ele entrou…

LINK: E então, ok, ficamos tipo… Ele está vindo atrás da gente… Então corremos! Corremos lá para baixo como se estivéssemos em uma simulação de incêndio, saímos do prédio, subimos em nossas bikes ou sei lá, e fugimos de lá. Escapamos! Saímos de lá ilesos! Sim, conseguimos!

RHETT: Então, o resto do dia passou, e eu eventualmente voltei para a minha casa, e o meu pai, que dava aulas no curso de verão, ou eventualmente estava lá na faculdade lecionando no curso de Direito, chegou em casa na hora do jantar. Mas em vez de só chegar em casa, tirar seu casaco, sentar, ele vem direto até mim, e diz: “Tenho algo para falar com você. Venha comigo. Vamos para o quarto.”

LINK: Vamos para o quarto?

RHETT: Então eu entro lá, me sento… Deixem-me fazer um prefácio com o fato de que naquele tempo eu tinha 1,90 m de altura. Um e noventa!

LINK: Mais alto do que eu hoje!

RHETT: Meu pai tinha 1,60 m. 

(Link dá risada)

RHETT: Ok, e ele ainda tem! Ele já vinha olhando para cima para falar comigo por alguns anos, naquele tempo!

LINK: Ok!

RHETT: Bom, durante nossos anos de formação, meus pais castigavam a mim e ao meu irmão de vários jeitos diferentes. Um deles era spanking, ok? Apanhávamos em uma base consideravelmente regular.

LINK (irônico): É um método convencional de disciplina.

RHETT: Mas na época eu tinha 14 anos. Estava, tipo, eu tenho 14 anos, não vou mais apanhar!

LINK: Também não vai mais atirar pedras do telhado da faculdade, vai?

RHETT: Certo! Então, ele diz: “O Leonard Johson passou aqui hoje.” Sim, Leonardo Johnson, o pai da Lisa Johnson… Sou a fim da filha dele, mas não vou te falar isso! 

(Link dá risada novamente)

RHETT: “Ele disse que viu você e o Link jogando pedras do telhado da faculdade de administração, em carros… (pausa) É verdade?” E eu disse…

LINK: Você estava pensando em um jeito de fugir, certo?

RHETT: Não tinha como escapar do meu pai! Ele estava no controle. E eu falei meio que, “Sim, é verdade.” Timidamente, disse: “Sim, é verdade.”

LINK: Isso não é algo de que se orgulhar.

RHETT: E ele diz: “Ok, curve-se.”

LINK (rindo): Foi isso? “Curve-se”?

RHETT: E eu fiquei, tipo, ele vai mesmo bater em mim? Ele vai bater na minha bunda!

(Link ri)

RHETT: Eu tenho um metro e noventa!

LINK: Não quando você se curva!

RHETT: Para encurtar a história: eu me curvo, e recebo, talvez duas…

LINK: Só duas?

RHETT: Duas cintadas-relâmpago. (faz o gesto)

LINK: Oh, ele te bateu com um cinto?

RHETT: Claro! Agora, escutem, não sei o que vocês acham de castigo corporal. É assim que se chama?

LINK: Isso, está certo.

RHETT: Tudo o que sei é, sabem o que nunca mais fiz? Nunca mais joguei pedras do telhado da faculdade de administração. Só devo ter atirado pedras do telhado da faculdade de artes!

LINK: Você não me ligou naquela noite! A gente foi para a escola no dia seguinte, você chegou até mim e contou o que tinha acontecido, e também me disse que você estava de castigo por uma semana, somando a ter apanhado, você estava de castigo por uma semana. E minha reação foi, tipo. “Oh, que droga para você, cara!” Até eu chegar em casa naquela noite, e minha estava meio que, “Link, falei com o Jimmy e a Diane, e soube do que você e o Rhett fizeram… E você também está de castigo por uma semana.”

(Rhett ri)

RHETT: Ela não disse, “Curve-se”!

LINK: Ela não disse, “Curve-se”!

RHETT: Porque você, ao contrário de mim, nunca apanhou, o que explica muita coisa! É por isso que você não é bem-comportado! Por isso você é tão sem noção!

LINK: Eu apanhei algumas vezes quando era criança.

RHETT: Da sua mãe?

LINK: Não, do Jimmy. Meu padrasto naquela época.

RHETT: Ah, sim!

LINK (irônico): Ele me batia, e eu merecia. E sou a favor disso.

RHETT: Sério?! Ok, vamos gravar um outro episódio…

LINK: Não! Sou a favor disso para mim, naquele tempo! Vou esclarecer!

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Os comentários foram abundantes, a maioria elogiando o roteiro, a capacidade de improviso e a dinâmica da dupla, alguns lamentando/citando as próprias experiências de spanking, outros opinando contra ou a favor do método. Mas o que vem ao caso mesmo, é que Rhett e Link, além de ter uma sintona fina, também sabem usar uma ironia fina

E finalmente, quem são esses humoristas carismáticos, que já foram aqueles guris levados atirando pedras de telhados lá pelos anos 90?

São os velhos amigos Rhett James McLaughlin e Charles Lincoln Neal III, ambos nascidos no final da década de 70. Rhett e Link se conheceram no ano de 1984, quando começaram a frequentar a escola primária de Buies Creek. Logo tornaram-se inseparáveis, foram crescendo juntos, e aos 14 anos resolveram começar a escrever músicas e gravar filmes de brincadeira. Os dois entraram na mesma faculdade, cada qual em um curso diferente, até que após a formatura e alguns anos de carreira, em plena Era YouTubeana, a dupla resolveu pedir demissão dos respectivos empregos e começar a viver de seu canal humorístico, que vem bombando desde sua estréia em janeiro de 2011, conquistando mais de 18 milhões de seguidores e acumulando mais de nove bilhões de visualizações e inúmeras curtidas. Atualmente, ambos têm esposas e filhos: Rhett tem dois guris, e Link é pai de dois guris e uma guria.

Na época dessa levadice (que pelo que eles contaram, deve ter acontecido por volta de julho de 1992), os dois tinham essas aparências. Realmente, o Rhett era um gurizão gigante…

Seguem mais algumas velhas fotos desses amigos-irmãos.

E fica a pergunta de um milhão de dólares: afinal, os spankings serviram para corrigir o comportamento desses dois?

Evidentemente, não. Eles continuam aprontando até hoje, hehe!

E então, o que acharam?

Pessoalmente achei uma reconstituição divertida e bem-humorada de surras da juventude, mas sem aquela pegada de auto ridicularização do Timeless Tim. A maneira como eram punidos pode ter sido bem representativa dos costumes americanos em cidades pequenas de uns 20 – 30 anos atrás, em muitos aspectos semelhante a como os pais de alguns comentaristas do blog faziam.

Acredito que o humor do Rhett e o do Link se torna mais agradável porque eles colocam quase todo o foco na levadice que fizeram, usando uns tons bem-humorados para descrever a aventura, sendo o spanking apenas um detalhe em cima do qual eles usam uma ironia fina, sem ridicularizar explicitamente nenhum dos envolvidos. Fica evidente que o pai do Rhett era o tipo sisudão, daqueles que entravam em casa de cara séria e não falavam muito com a família, e que a mãe do Link era a típica Maria-vai-com-as-outras (tanto que tinha os pais de Rhett como gurus, e permitia que o parceiro, no caso, padrasto do filho, batesse no guri), mas eles em momento algum colocam mais ênfase nisso do que na graça de ter subido no telhado da universidade para ficar atirando pedras na rua e em carros. É mais uma reconstituição de uma brincadeira da adolescência do que de um castigo corporal per se. E fica claro que nenhum dos dois aprova isso, eles só usam argumentos irônicos e colocados nas linhas certas.

Já o Tim cria um clima meio aterrorizante porque todo o enredo dele é focado nos spankings, do início ao fim, já deixando óbvio qual vai ser o desfecho daquela levadice. As animações dele também prendem a atenção e falam sobre levadices de juventude, mas sempre com aquela “assombração” da ameaça ou da certeza de um spanking, com ênfase nos instrumentos, etc. Além disso, o pai do Tim curtia fazer um terror psicológico e usar sarcasmos para tripudiar dos filhos, enquanto o pai do Rhett “pelo menos” foi direto ao ponto: “Venha comigo, Aprontou? É verdade? Curve-se.” E duas cintadas. Evidentemente foram desnecessárias, mas não vemos aquele grau de violência das surras do Tim, que levava múltiplas chapoletadas, muitas vezes sendo obrigado inclusive a baixar as calças para apanhar. Sem falar na relação quase tóxica que ele tinha com o irmão, o que cria um incômodo adicional. A amizade do Rhett e do Link é genuína, isso fica claro até pela forma como eles interagem nas gravações.

last but not least, o Tim tem uma postura dúbia com os spankings. Ele expõe em dezenas de vídeos como apanhava na adolescência (e às vezes, na infância), de certa forma fazendo um tipo de denúncia contra os pais, mas ao mesmo tempo tripudia dos “colegas brancos bundas moles que não apanhavam” e não deixa de fazer uma certa campanha dando a entender que aprova castigos corporais. Fica um pouco confuso, além de desconfortável, pois depois de ver toda aquela brutalidade, ainda somos “obrigados” a ouvir que ele acha tudo aquilo normal e correto (mesmo que ele só esteja forçando a barra e não “acredite” nisso de fato, afinal, ele não bate no próprio filho). 

Mas essa reconstituição da dupla Rhett e Link não ficou pesada de assistir, porque dá para se divertir relembrando de coisas que muitos aqui aprontavam no passado, e no final eles até colocam o spanking como motivo de estranhamento, pois o Link não apanhou – só ficou de castigo – e pareceu achar inusitadas aquelas duas cintadas levadas pelo Rhett. Ainda mostram que o “método” não funciona (ao contrário do Tim, que recorrentemente diz que “os spankings funcionavam para ele”, embora ele continuasse aprontando), através de comentários como “nunca mais joguei pedras do telhado da faculdade de administração, só da faculdade de artes”. Ou seja, eles continuaram sendo adolescentes normais, que têm umas ideias doidinhas na cabeça mas não passam muito de umas levadices triviais. O Tim passa a impressão de ter feito umas coisas mais sérias (consequência de já ter apanhado tanto que nem ligava mais, e se tornou imune aos spankings?)

Agora, a pergunta de dois milhões de dólares: é saudável fazer uma abordagem assim, leve e divertida, das surras do passado? Pois não deixa de ser uma maneira de “passar pano” nessas surras. Compensa?

Eu tenho o palpite que sim, pois o foco ficou mais na aventura do que na surra, esta apresentada como uma consequência desagradável e inútil, mas a mensagem passada foi que o divertido da aventura era compensador – e assim a surra fica desmoralizada, sem que ninguém precisasse ser ridicularizado.

Tapa no bumbum: crime sexual

O tópico desta vez é sobre um assunto ainda pouco discutido, mas bem relevante, e que está em pauta na atualidade: importunação e assédio ao corpo alheio.

Mas o que spanking tem a ver com isso? 

Tudo, como já sabemos, e esse tema já foi abordado em alguns artigos do blog sobre castigos escolares. Só que agora não vamos falar de spanking como castigo para infantes e adolescentes, mas como crime de teor sexual. De alguns tempos para cá, chama a atenção como andam aparecendo notícias de mulheres que levam tapas no bumbum dados por conhecidos, colegas, e até estranhos com quem cruzam em locais públicos. À primeira abordagem, é difícil de conceituar: brincadeira de mau gosto, se vem de um conhecido? Atentado ao pudor, se vem de um desconhecido na rua? Agressão sexual, se vem de um maníaco que é um “serial spanker”? Na verdade, há desses três tipos.

Para entender melhor, vamos ver o teor das notícias. Um caso do tipo “serial” aconteceu em Cascavel (PR) em 2019. O agressor acabou preso e deu uma justificativa particularmente bizarra.

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Seis casos de agressão a mulheres, com tapas nas nádegas, que ocorreram na região do Lago Municipal de Cascavel e imediações, foram registrados entre os meses de agosto e setembro deste ano. O autor de tais práticas delituosas, que trafegava com uma moto, vinha trazendo incômodo e medo às mulheres que circulavam naquela região, e em pelo menos um dos casos, a agressão deixou lesão corporal na vitima. 

As vitimas repassaram informações sobre o caso aos investigadores do GDE – Grupo de Diligências Especiais de Cascavel, como as características do motoqueiro e da moto que utilizava. As equipes do GDE passaram a desenvolver diligências e identificaram um suspeito, no Bairro Brasília. O delegado responsável pelo caso, de posse das informações obtidas pelos investigadores, representou pela busca e apreensão naquele endereço, que foi deferido pelo 2º Juizado Especial Criminal. Na tarde desta terça-feira (2), policiais do GDE deram cumprimento ao mandado de busca, quando encontraram a moto e roupas com as mesmas características daquelas identificadas pelas vitimas. O suspeito, um jovem 23 anos, foi conduzido para a delegacia, onde acabou por confessar a autoria dos delitos. 

No entanto, ele não soube precisar quantas mulheres atacou alegando que “estava perturbado” naqueles momentos, por desentendimentos com a esposa. Ele foi autuado pela prática dos crimes de importunação ofensiva ao pudor e lesão corporal, delitos estes que resultaram na lavratura de termo circunstanciado de infração penal. O jovem foi ouvido e liberado mediante compromisso de comparecer no Juizado Especial Criminal, em audiência pré-agendada, onde responderá pelos atos. Diante dos fatos, outras vitimas eventuais podem procurar a 15ª SDP para formalização de queixa, que será juntada ao mesmo procedimento em curso.

Pessoalmente não acredito que o motivo de seu comportamento fosse o alegado desentendimento com a esposa, acho que ele quis ser “engraçadinho”. Muitos maníacos são fantasiosos e debochados.

próximo coletado aqui é de 10 de dezembro de 2019, ocorrência de Belo Horizonte (MG). O caso: o jogador de vôlei francês Earvin N’Gapeth “se empolgou” em uma balada e resolveu dar um tapa no bumbum de uma mulher que estava passando por ali. O atleta, então com 28 anos, estava no Brasil para competir no Mundial de Clubes, e durante uma happy hour, fez o que fez e foi flagrado por uma câmera de segurança.

A moça que levou o tapa não gostou nada, e resolveu fazer um boletim de ocorrência. Segundo a defesa de Gapeth, ele não sabia que se tratava de uma desconhecida, e tudo não passou de um mal entendido, pois na França seria comum fazer esse tipo de brincadeira entre amigos.

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Na madrugada desta segunda-feira (09/12/2019), o atleta francês Earvin N’Gapeth, que está no Brasil para participar de uma competição internacional de vôlei encerrada no último final de semana, se envolveu em um mal-entendido em uma casa de shows de Belo Horizonte (MG). O jogador confundiu uma mulher com uma de suas amigas próximas e deu um tapa em suas nádegas, em tom de brincadeira. Ao perceber que se tratava de outra pessoa, N’Gapeth ficou profundamente constrangido e se desculpou com a mulher. 

“Earvin está consternado com a situação e lamenta muito pelo constrangimento causado. Como se tratou de uma brincadeira, estamos defendendo a atipicidade da conduta. Ou seja, vamos demonstrar que não houve dolo e, portanto, não há crime”, explica Dino Miraglia, advogado do atleta no Brasil. O jogador reforça o pedido de desculpas já feito diretamente à mulher por tê-la confundido com outra pessoa e está à disposição das autoridades enquanto aguarda a decisão da Justiça.

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Seja como for, as desculpas não foram aceitas e ele foi preso, sendo liberado após pagar fiança no valor de 50 mil reais.

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O jogador passou a noite em uma cela dormitório no Complexo Penitenciário Nelson Hungria, em Contagem (MG). Ele recebeu liberdade provisória mediante o pagamento de fiança de R$ 50 mil reais. O valor foi considerado “aceitável” pela defesa do atleta, levando-se em consideração o salário que o francês recebe.

Além da quantia desembolsada, N’Gapeth, um dos principais jogadores de vôlei do mundo, precisará cumprir algumas medidas, como se manter a pelo menos 200m de distância da vítima da agressão, não manter qualquer tipo de contato com a mulher e comunicar previamente qualquer mudança de endereço.

Segundo Dino Miraglia, o ponteiro está profundamente arrependido do ocorrido e que sequer conseguiu dormir durante a noite em que passou detido.

“Ele disse que não conseguiu dormir, evidentemente, mas que não foi incomodado, molestado, nada. (Ele) falou para mim agora que, se pudesse, cortava os braços, mas ele precisa dos braços para jogar”, afirmou, em entrevista ao portal GloboEsporte.com.

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Apenas uma semana depois, em 17 de dezembro de 2019, saiu uma notícia semelhante de um caso ocorrido nos Estados Unidos, envolvendo uma repórter e um pastor de igreja.

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O pastor norte-americano Thomas Callaway, 43 anos, foi preso na última sexta-feira (13) após assediar uma repórter durante a transmissão ao vivo de uma corrida por um programa de televisão, em Savannah, no condado de Chatham, nos Estados Unidos.

Segundo a Fox News, a acusação é de agressão sexual e pode ser punível com até um ano de prisão.

O vídeo que mostra o homem dando um tapa no bumbum da repórter que cobria o evento, em meio a vários corredores, viralizou na internet nas últimas semanas. Depois, ele foi identificado como sendo o pastor do ministério da juventude de Statesboro, de 43 anos, e casado. 

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Seguem as imagens. Primeiro aparece a repórter fazendo as narrações no meio da bagunça, e como acontece em todo evento coletivo, os passantes aproveitam para fazer umas graças para a câmera. Até aí, nada de mais.

Até que o tal do pastor vai se aproximando, e quando passa por ela, prega uma palmada em suas nádegas.

A moça fica indisfarçavelmente chocada, e perde a fala por alguns segundos. 

Depois, gagueja um pouco e consegue continuar a reportagem, evidentemente sem o entusiasmo de antes. Ela chegou a se pronunciar publicamente sobre o ocorrido:

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A repórter assediada, Alex Bozarjian, se indignou ao comentar o caso: “Para o homem que bateu na minha bunda, ao vivo na TV hoje de manhã: você me violou, me objetou e me envergonhou. Nenhuma mulher NUNCA deveria ter que aturar isso no trabalho ou em qualquer lugar! Seja melhor.” escreveu ela. 

A emissora também se pronunciou: “A conduta exibida em relação a Alex Bozarjian, durante sua cobertura ao vivo de Savannah Bridge Run, no sábado, foi repreensível e completamente inaceitável. Ninguém deve ser desrespeitado dessa maneira. A segurança e a proteção de nossos funcionários são a maior prioridade da WSAV-TV.”

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Outro caso ocorrido em ambiente de trabalho: em 21 de julho de 2020, foi a noticiada demissão por justa causa de um funcionário que aproveitou uma confraternização da empresa para estapear o bumbum de uma colega, também em Belo Horizonte (MG).

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Um homem perdeu uma disputa na Justiça do Trabalho de Minas Gerais após ser demitido por dar um tapa nas nádegas de uma colega durante uma confraternização da empresa em que trabalhava em Betim, na região metropolitana da Belo Horizonte.

Ele processou a firma pedindo que a demissão não configurasse justa causa. No entanto, na visão da juíza Karla Santuchi, da 2ª Vara do Trabalho de Betim, a conduta do trabalhador é reprovável e grave o suficiente para justificar a aplicação da justa causa.

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Mas por que, exatamente, houve protesto por parte do acusado?

A argumentação em defesa própria foi a de que o tapa não foi dado durante o expediente, e que ele estava alcoolizado durante o ato. Todavia, a juíza não aceitou tais explicações.

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“Ainda que tenha ocorrido em festa de confraternização da empresa e não no horário de trabalho, ainda que tenha ocorrido após ingestão de bebida alcoólica, ainda que o autor tenha sido bom funcionário, não há justificativa para o ato do reclamante, que pode ser, inclusive, enquadrado, em tese, no artigo 215-A do Código Penal (crime de importunação sexual)”, afirmou Santuchi na sentença.

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Explicando: desde 24 de setembro de 2018, quando entrou em vigor a Lei 13.718, dar tapa no bumbum sem a autorização da vítima é considerado importunação sexual, conforme fica brevemente esclarecido nesse trecho.

Trata-se de uma alteração no texto do Código Penal, especificamente no capítulo “Dos Crimes Contra a Liberdade Sexual”, com a criação do artigo 215-A, que diz:

Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro: Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave.

Ou seja: o que antes era classificado como uma contravenção, agora é crime mesmo.

Voltando ao caso do funcionário demitido:

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Durante os trâmites do processo, a empresa apresentou conversas de WhatsApp comprovando que o funcionário não negou a conduta. 

A juíza também negou os outros pedidos do homem, como o de pagamento das verbas devidas pela dispensa injusta (aviso-prévio indenizado, 13º salário sobre o aviso-prévio, férias proporcionais, multa de 40% sobre o FGTS, multa do artigo 477 da CLT, e entrega de guias para saque do FGTS e recebimento de seguro-desemprego).

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Há casos onde a importunação pode acabar trazendo consequências ainda mais graves, onde além de passar pelo constrangimento, a vítima termina machucada. Em 21 de setembro de 2021, uma estudante universitária da cidade de Palmas, no sul do Paraná, foi derrubada no meio da rua por um dos quatro passageiros de um veículo que se aproximou de sua bicicleta, enquanto ela fazia um passeio. Imagens capturadas mostram claramente que o homem do banco de carona esticou o braço na intenção de pôr a mão nas nádegas da moça. Ela sofreu queda imediata.

Alguns passantes procuraram ajudá-la, tentando entender o que havia acontecido. A estudante ralou a omoplata esquerda, e as gravações flagrantes sugerem que também teve ferimentos em uma perna.

Graças à própria vítima, que resolveu fazer o boletim de ocorrência e divulgar o crime nas redes sociais, o paradeiro e a identidade dos envolvidos foram descobertos, conforme essa matéria publicada oito dias depois.

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A universitária Andressa Lustosa foi derrubada da bicicleta após sofrer uma violência sexual enquanto pedalava neste domingo (26), na cidade de Palmas, no interior do Paraná. O momento foi registrado por uma câmera de segurança e compartilhado pela própria ciclista nas redes sociais.

De acordo com a Polícia Civil do Paraná, o suspeito de ter passado a mão na universitária foi preso em flagrante nesta terça-feira (28) e autuado por importunação sexual e lesões corporais.

“Ao ser indagado, ele afirmou que estava dentro do veículo, mas negou ter passado a mão na vítima. Disse que já estava com o braço para fora do veículo e que não se deu conta de que havia acertado a Andressa”, disse em entrevista coletiva o delegado Felipe Souza, responsável pelo caso. Ele afirma, porém, que as imagens contrariam essa versão.

No registro, que já conta com mais de dois milhões de visualizações, é possível ver um carro branco se aproximando da estudante. Depois, um dos ocupantes coloca a mão para fora da janela e toca no corpo de Andressa, que perde o equilíbrio e cai no chão.

“Nós, mulheres, não temos um minuto de paz!! Saí de casa para andar de bicicleta e volto toda machucada pra casa por uma atitude covarde dessas! Todas as medidas cabíveis estão sendo tomadas.. estou bem, só quero que paguem pelo o que fizeram. COMPARTILHEM!!” , escreveu ela em uma rede social.

Em outro vídeo, a estudante mostra os hematomas causados pela queda, mas diz que está bem. Nos comentários, os internautas expressaram repúdio à violência e prestaram solidariedade a ela. “As mulheres não têm um minuto de paz, que absurdo!”, escreveu uma internauta. “Conte com o nosso apoio! Inadmissível um abuso desses.”, comentou um rapaz.

O escritório de advocacia onde Andressa faz estágio também usou as redes sociais para prestar solidariedade a ela. “O ato repugnante e de extrema covardia deixa evidente, mais uma vez, que o sexismo enraizado na sociedade é um problema grave, que põe em risco, diariamente, a vida e a integridade das mulheres, unicamente pelo fato de ser mulher.”

De acordo com as pesquisas dos institutos Patrícia Galvão e Locomotiva divulgada em 2019, 97% das mulheres afirmam que já foram vítimas de assédio sexual no transporte público, carros de aplicativo ou em táxis. Já segundo dados do Ministério Público do Trabalho, denúncias de assédio sexual no trabalho cresceram 64,7% entre 2015 e 2019.

Em entrevista ao programa Encontro com Fátima Bernardes, da TV Globo, Andressa disse que já fez um boletim de ocorrência para que o caso seja investigado. “Está na hora de alguém tomar uma atitude. A gente não está aguentando mais esse tipo de situação. É humilhante nós, mulheres, não podermos sair pra rua fazer uma atividade física por medo”, disse ela.

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Não localizei o link para essa entrevista no programa Encontro, mas segue a matéria sobre o caso veiculada no canal Band Jornalismo:

Em outra cidade também chamada Palmas, essa a capital do estado de Tocantins, nessa mesma época outro maníaco saía de motocicleta por aí dando tapas nas nádegas de mulheres transeuntes, conforme detalhado nessa matéria.

As vítimas contam que o homem se aproveita de ruas desertas para dar um tapa no bumbum das mulheres enquanto elas caminham sozinhas. O agressor costuma agir nos horários em que elas estão chegando ou saindo do trabalho e foge segundos após dar a palmada. Segundo detalhado nesse outro artigo, os tapas chegam a machucar.

E não para por aí. Em 2022 houve uma chuva de casos veiculados na mídia, como esse, ocorrido em Fortaleza (CE) no dia 21 de março daquele ano.

Mais um caso pego por câmera de segurança.

Segue a matéria:

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Um motociclista foi flagrado dando um tapa na região dos glúteos de uma mulher que caminhava na Rua Esmeralda, no Bairro Ellery, em Fortaleza, nesta segunda-feira (21). O assédio foi registrado por uma câmera de segurança.

A Secretaria da Segurança Pública disse que a Polícia Civil investiga o caso de importunação sexual. Segundo o órgão, uma equipe da Polícia Militar fez buscas na região com o intuito de identificar e prender o suspeito a partir do vídeo.

As imagens mostram a jovem caminhando sozinha na via. O trecho é estreito, e a mulher segue em uma parte da pista, próximo ao canteiro. Em determinado momento, o condutor aparece em uma moto amarela, se aproxima da vítima pelas costas e dá um tapa no corpo da mulher.

Após a ação, o homem foge. Já a vítima fica assustada e volta correndo pela rua. A moto usada pelo suspeito estava com a placa coberta por um pano.

A pena prevista para condenados por crime de importunação sexual é de até cinco anos de prisão

Investigação

A Secretaria da Segurança disse ressaltar a importância de comunicar a uma das unidades da Polícia Civil por meio de Boletim de Ocorrência (BO).

A população também pode contribuir com as investigações repassando informações que auxiliem os trabalhos policiais. As denúncias podem ser feitas para o número 181, o Disque-Denúncia da Secretaria da Segurança, ou para o (85) 3101-0181, o número de WhatsApp, pelo qual podem ser feitas denúncias via mensagem, áudio, vídeo e fotografia.

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O homem, um mototaxista de 53 anos, foi identificado três dias após o crime. Foi decretada a sua prisão preventiva. Em 06 de abril de 2022, foi revelado que ele já havia sido preso pelo mesmo motivo no ano de 2020, ainda respondia criminalmente por aquela primeira importunação sexual, mas nessa segunda vez havia coberto a placa da moto com um pano para dificultar sua identificação, como diz essa matéria.

Em 03 de julho, uma garçonete de Ipatinga (MG) procurou a polícia após ser beijada à força e levar um tapa nas nádegas de um cliente do bar, conforme consta aqui.

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Um homem de 34 anos foi preso na madrugada deste domingo (3) após beijar o rosto e dar um tapa na bunda de uma garçonete, de 18 anos, sem o consentimento dela, no bairro do Bom Retiro, em Ipatinga-MG.

A jovem disse aos policiais que trabalha no bar, na Rua Tomé de Souza, e no momento em que estava indo em direção ao caixa do estabelecimento para fechar a conta de um cliente, foi surpreendida por um homem que parou em sua frente e perguntou qual era seu signo. A funcionária disse que não ia falar, então o mesmo deu um beijo no rosto dela, e quando ela virou, ele proferiu um tapa na bunda da jovem. Logo em seguida fugiu do local.

Após o fato, a Polícia Militar foi acionada pelo 190, que após atendimento no local, fez diligências com a vítima na busca do autor. Ele foi encontrado em um posto de conveniência na avenida Fernando de Noronha, no Bom Retiro. O homem foi abordado e preso. 

Segundo a PM, o indivíduo foi levado à delegacia e enquanto aguardava para ser ouvido pelo delegado, ele começou a ficar alterado tendo uma crise e batendo a cabeça na grade da cela. Por conta disso, foi levado à UPA para receber atendimento médico.

Diante do fato, foi feito contato na residência do irmão do homem preso, e ele relatou que o irmão toma remédios controlados e sofre de esquizofrenia. Disse também que o autor ficou alterado em casa mais cedo e que possivelmente pode ter feito uso de bebida alcoólica e drogas, e que não é a primeira vez que ele é preso pelo mesmo fato.

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Pois é, mais um reincidente…

Um outro caso ocorrido na capital mineira envolveu o vice-prefeito da cidade, que segundo testemunhas, fazia isso (dar tapas no bumbum de funcionárias) “com certa frequência”. Mas no dia 21 de julho de 2022, acabou sendo preso, após uma denúncia feita por uma servidora.

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O vice-prefeito de Mateus Leme, na região metropolitana de Belo Horizonte, Anderson Wester de Sousa, mais conhecido como Andinho, foi preso nessa quinta-feira (21) após um caso de importunação sexual dentro da sede da prefeitura. Uma servidora da limpeza procurou a polícia depois de receber “dois tapas na bunda” do político.

Segundo a vítima, de 44 anos, ela trabalha como faxineira e copeira no Executivo e o vice-prefeito tem feito “brincadeiras das quais ela não gosta, como beijo no pescoço e tapa na bunda”. Ela alega que já reclamou com ele sobre os episódios. Por volta da 8h20 dessa quinta, quando Andinho chegou na prefeitura, deu dois tapas na bunda da servidora, que manifestou sua indignação e procurou a polícia. Duas testemunhas teriam presenciado o fato.

Pessoas ouvidas pela polícia afirmaram que o vice-prefeito “sempre brinca com diversas funcionárias, com toques ou beijos”, mas não sabiam se era com cunho sexual. Afirmaram, ainda, que “não perceberam maldade na ação dessa quinta-feira e que já presenciaram a faxineira reclamar da ação em outras vezes”.

O político também compareceu à sede da polícia depois de ser alertado que a mulher foi registrar um boletim de ocorrência. Aos militares, Andinho disse ser homossexual e que “sempre brincou com a vítima, bem como com outras funcionárias, mas de forma respeitosa e carinhosa”. Ele alega que nunca foi informado sobre a insatisfação da mulher com as brincadeiras.

O caso foi registrado na 2ª Delegacia de Mateus Leme e a denúncia encaminhada à Polícia Civil. Por meio de nota, a PC informou que “após análise dos fatos, a autoridade policial ratificou a prisão em flagrante do suspeito, que foi encaminhado ao sistema prisional e segue à disposição da justiça”. A reportagem procurou a Prefeitura de Mateus Leme e o vice-prefeito, mas não teve as ligações atendidas.

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Em São Paulo, no dia 14 de setembro de 2022, um americano arrumou confusão em um hotel de luxo após sair na briga com o marido de uma mulher em que deu um tapa no bumbum em uma pista de dança do bar, alegadamente por ter confundido a desconhecida com a sua própria noiva.

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Um empresário norte-americano foi preso em um hotel de luxo na cidade de São Paulo após dar um tapa nas nádegas de uma mulher que não conhecia. Salvador Ahumada Sanchez, 47, estava no bar Rabo di Galo, que fica dentro do Hotel Rosewood, na Bela Vista, quando teria cometido o assédio.

O suspeito afirmou em depoimento à Polícia Civil que não se lembra do que aconteceu nos momentos anteriores ao tapa. Já a vítima, de 48 anos, disse que estava dançando na pista dentro do bar e que, ao retornar à mesa, foi surpreendida pelo toque. O marido dela, de 51 anos, foi cobrar explicações sobre a atitude do homem e os dois brigaram, fazendo com que a Polícia Militar fosse acionada.

A noiva de Salvador, que o acompanhava no local, defendeu o empresário em seu depoimento. Ela declarou que os dois teriam consumido muitas doses de bebida alcoólica ao longo da noite e que, após uma ida ao banheiro, ele teria errado de mesa e confundido a vítima com a companheira, o que levou à suposta confusão.

O caso aconteceu na madrugada de quarta-feira (14). Uma diária no Hotel Rosewood São Paulo, localizado na região da Avenida Paulista, custa em média R$ 3 mil, mas as reservas nos quartos mais sofisticados podem chegar a R$ 7 mil.

Sanchez foi preso em flagrante por importunação sexual. Ele já foi liberado, mas a SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo) não deu mais detalhes sobre a data de sua soltura.

Em nota, o Rosewood São Paulo afirmou que “prestou toda assistência às vítimas até a chegada da equipe da Polícia Militar” e que está colaborando com a investigação, que corre em sigilo, fornecendo inclusive as imagens registradas pelas câmeras de segurança do local.

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Já em 18 de março de 2023, o caso foi em Santa Catarina, na cidade de São Miguel do Oeste. Aconteceu em um supermercado.

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Um homem foi preso após dar um “tapa na bunda” de uma mulher, dentro de um supermercado, em São Miguel do Oeste, no Oeste catarinense. Segundo a Polícia Militar, ele contou que o gesto ocorreu porque ele conhecia a vítima e que era uma “brincadeira”. As informações são do g1 SC.

O caso ocorreu na tarde de sábado (18) no Centro da cidade. A mulher contou à polícia que estava embalando as compras quando o suspeito, ao sair do supermercado, passou por ela e deu o tapa. Ela, então, acionou a polícia e o gerente do estabelecimento, que não teve o nome divulgado.

Em depoimento à PM, o homem confirmou a história e alegou que a atitude foi uma brincadeira porque “era conhecido da vítima”. Segundo a Polícia Civil, um inquérito por importunação sexual foi aberto sobre o caso.

Previsto no Código Penal, o crime de importunação sexual ocorre quando a pessoa pratica contra alguém, e sem a sua anuência, ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro. A pena é de um a cinco anos de reclusão.

Como denunciar?

  • Disque-denúncia: 181
  • Polícia Civil: 197
  • Polícia Militar: 190
  • Por meio do whatsapp da Polícia Civil: 48 98844-0011
  • Também é possível fazer um boletim de ocorrência por meio da Polícia Virtual da Mulher

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E um caso bem recente ocorreu em Belém do Pará, no dia 08 de março de 2024. Foi mais um motociclista, de 21 anos de idade, que passou com o veículo, deu o tapa em uma moça a quem chamou de “bunda gostosa”, e depois acelerou. 

Ele só não contava que seria flagrado por uma câmera de segurança do estabelecimento logo à frente. Com certeza também não esperava ser detido.

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Na tarde desta sexta-feira (8), a Polícia Militar foi acionada via Niop para uma ocorrência de importunação sexual em Castanhal. 

De acordo com relatos, a vítima estava transitando em via pública quando um indivíduo, conduzindo uma motocicleta, se aproximou e deu um tapa em sua bunda. A ação foi registrada por câmeras de monitoramento, o que facilitou a identificação do agressor.

Após identificação do suspeito, a Polícia Militar o encaminhou à Delegacia da Mulher. Lá, ele foi autuado e posteriormente conduzido à unidade prisional, onde permanecerá à disposição da justiça. 

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Observa-se que à exceção do caso de Ipatinga, onde o praticante do ato era portador de esquizofrenia, todos os demais foram cometidos por cidadãos considerados “comuns”, que não chamariam a atenção de ninguém se não fossem as importunações. O que leva a uma importante conclusão: essas coisas só acontecem porque aqueles que deram os tapas se acharam “no direito” de fazê-lo. Se eles veem uma mulher que consideram atraente, para eles, na cabeça deles, tocá-las é algo legítimo e até mesmo “evidente”; não é preciso pedir licença, muito menos permissão, à dona do corpo. 

Outro ponto digno de nota: apenas dois dos casos veiculados aconteceram em festas, bares ou casas noturnas, onde com certeza o ato continuaria injustificável, mas de qualquer forma, é sabido que esses ambientes são mais propícios a virar palco de importunações e assédios, pela quantidade de pessoas que se juntam e pela facilidade em se mascarar na multidão, nas luzes baixas e no som alto. A maioria dessas importunações aconteceu nas ruas, durante o dia, quando as mulheres faziam compras, caminhavam ou faziam atividade física, ou então em ambientes de trabalho. As explicações daqueles que foram detidos costumam ser parecidas: “eu a confundi com uma amiga”, “foi só uma brincadeira carinhosa”, “eu estava bêbado”, “mas foi dentro de uma festa”, etc. 

Mais uma pauta observável: embora haja muitas pessoas (mulheres e homens) genuinamente solidárias às vítimas dessas importunações, ainda são encontráveis, em quantidade, comentários que procuram minimizar ou normalizar esses atos, chamando-os de “brincadeiras”, “um simples tapa na bunda”, colocando o repúdio das vítimas como “frescura” ou “tentativa de chamar atenção da mídia” (acusação sofrida pela repórter da corrida de Savannah), e indo além, ainda há quem tente culpabilizar as próprias vítimas, como um comentarista do YouTube que lamentavelmente escreveu, a respeito do caso da ciclista que sofreu a queda na pista de veículos, algo do tipo “ela pediu, ninguém mandou usar essa roupa curta”. Outro comentarista citou, sobre o caso da repórter, que “o pastor deve ter batido ali por engano”, “pois ela estava toda coberta, e de costas não deve ter dado para ver direito onde o tapa ia pegar”. Um outro ainda completou: “Qual é, foi só um tapinha de incentivo, tipo ´vamos lá, a corrida está boa´, não teve nada de sexual nisso”. Chegou ao ponto de alguém questionar: “E desde quando bunda é parte íntima?” (Ou seja, na cabeça desse cidadão, o bumbum é uma propriedade pública, todo mundo tem o direito de pegar. Criminoso seria só tocar em “algo mais”…)

Bom, independentemente do que cada um pense, o fato é que pelo menos no Brasil, a lei está aí. Infelizmente, em nosso país, impera a cultura do prende-e-solta, mas já pode ser reconfortante saber que alguém chegar passando a mão sob o subterfúgio de “brincadeirinha”, seja a vítima conhecida ou não, já é caso de polícia, e causa revolta em boa parte da população (isolando os comentários de “justificativas furadas” e as tentativas de culpabilizar/ridicularizar as vítimas). 

Vale lembrar que existe uma diferença entre importunação e assédio, embora ambos sejam crimes contra a liberdade sexual. Esse link explica de forma bem objetiva.

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importunação sexual trata de crime mais grave e, portanto, com pena mais severa, que vai de 1 a 5 anos. O artigo 215-A do CP também condena a prática do ato libidinoso (que tem objetivo de satisfação sexual) na presença de alguém, sem sua autorização. Por exemplo: apalpar, lamber, tocar, desnudar, masturbar-se ou ejacular em público, dentre outros.

assédio sexual exige que o criminoso use sua condição de ocupar cargo superior no local de trabalho de ambos, com objetivo de constranger a vítima a lhe conceder vantagem sexual. Por exemplo, chefe que ameaça demitir secretária, se ela não atender seus convites para saírem juntos. A pena prevista para esse crime vai de 1 a 2 anos de prisão e pode ser aumentada em até 1/3, caso a vítima seja menor de 18 anos.

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Agora, é claro que tendo conhecimento sobre tudo isso, ficamos com aquela coceira para questionar: se dar tapas no bumbum de uma pessoa adulta sem o consentimento dela é um crime sexual… o mesmo poderia ser aplicado às chamadas “palmadas corretivas” em crianças. Ou não? Afinal, crianças também têm senso de pudor – ou não? Se têm, conclui-se que elas também se sentem constrangidas e violadas se alguém, ainda que sejam seus(as) cuidadores(as), der um tapa no bumbum delas – ou não?

É instigante especular que a tendência de achar que o tapa no bumbum dado de surpresa “não é coisa tão séria, é tipo uma brincadeirinha” tem a mesma origem da crença de que a palmada punitiva nas crianças é um castigo “aceitável, porque o bumbum foi feito para isso”. Talvez ligado à percepção freudiana das nádegas na psique humana. O que vocês acham?

Reações Honestas ao Spanking – II

Oi gente! Segue mais um forum mostrando reações honestas de pessoas que apanharam na juventude, sem blefes nem palhaçadas. Este fórum é originalmente de Portugal, mas aparentemente também atraiu alguns(as) comentaristas do Brasil. Já é antigo, a data no cabeçalho consta como “há 16 anos” (ou seja, é de 2008). Trata-se de um extrato recuperado do já extinto site Yahoo Respostas, que como se sabe, foi super popular entre 2005 e 2021.

Vale lembrar: em Portugal, a palmada está vetada desde 2007, quando foi sancionada a lei que proíbe todas as formas de castigos corporais no país, em todos os ambientes (escolar e doméstico). 

A pergunta é bem genérica: basicamente, querem saber quem apanhava quando criança, e em caso positivo, de quem apanhava mais (pai ou mãe). A pessoa que lançou o debate tem uma posição meio contraditória: primeiro se pronuncia veementemente contra castigos corporais, mas no último parágrafo critica o fato de que as crianças poderiam acionar o conselho tutelar se levassem “um cascudo” ou “um tapinha”. Na verdade, a mesma postura dúbia de muitos brasileiros quando saiu a nossa Lei Menino Bernardo, então isso nem surpreende muito…

Uma comentarista relata que apanhava mais da mãe na infância, e enfatiza que isso não adiantava nada, sobretudo porque quanto mais chapoletadas levava, mais desafiante se tornava. Diz que apanhou do pai uma única vez, e que foi nessa vez que viu o pai chorar. Claramente uma opinião desfavorável a surras.

A comentarista seguinte relata um caso triste, e sua mãe aparentemente tinha traços narcisistas. Ela comenta que apesar de ser uma criança cooperativa e comportada, apanhava bastante, e ainda defendia o irmão das surras da mãe. Comenta que as mágoas perduraram mesmo na vida adulta, e que a mãe continuou abusiva.

Interessante: o negacionismo dos pais que bateram parece ser um fator comum. Não é o primeiro depoimento onde uma pessoa conta que o pai/a mãe diz ter “esquecido” das chapoletadas que deu, ou então que “lembra de outra forma”, diferente daquela de como o(a) filho(a) se lembra…

Outra comentarista traz um ponto importante: será que a mágoa maior é contra quem agrediu, ou contra quem poderia ter defendido da agressão, e não o fez? Instigante…

O próximo comentarista diz estar escrevendo de Curitiba (só não especifica se é da cidade, ou se só estava por lá na hora em que fez o relato), e pelo jeito foi um menino bem levado. Mas deixa implícito que discorda de surras.

Mais uma comentarista que apanhava da mãe, e diz também ter mágoas da irmã, que sempre fazia as levadices e (pelo jeito) jogava a culpa na outra. Ela cita que se tornou uma adulta cheia de problemas, diferentemente de seus filhos, que foram criados sem apanhar e viraram adultos tranquilos.

Uma outra pessoa relata ter apanhado muito do pai, que era severo, às vezes dava tapa na cabeça, e chegou a bater na frente de outras pessoas.

Uma comentarista diz que apanhou só uma vez, do pai, e relativiza dizendo que “foi no bumbum, nada agressivo”, mas também faz questão de dizer que não bate nos filhos de jeito nenhum.

Um relato cita castigos escolares, e a comentarista é clara ao dizer que é contra esses métodos e que nunca bateu nos filhos, que são excelentes adultos sem jamais ter levado uma palmada.

Uma pessoa comenta ter levado surras severas do pai, com chicote do tipo “rabo de tatu”. Felizmente criou os filhos sem bater.

Outra comentarista diz que era poupada por ser a mais nova, e os irmãos mais velhos apanhavam mais porque “tinham que dar o exemplo”. Mas ela não tripudia, e em vez disso, mostra-se solidária a eles.

Esse relato é interessante: a comentarista diz que “foi o cão” quando criança, talvez querendo justificar as chapoletadas que levava, mas aparentemente ela foi apenas uma criança ativa, que fazia aquelas levadices comuns a crianças curiosas. Talvez o ambiente onde ela cresceu fosse intolerante, daí que ela pense dessa forma.

Essa comentarista tinha bastante personalidade: sabia que a mãe ia bater, mas mesmo assim fazia o que queria e pronto, e nunca mudou de opinião nem depois de adulta.

Um comentarista cita os castigos escolares, mas é indisfarçavelmente contra bater, e deixa isso evidente ao dizer que “os pais nunca bateram nos filhos, sempre respeitaram” (ou seja, ele não disfarça que considera bater um desrespeito).

Outra comentarista diz que nunca apanhou, pois o pai sabia colocar moral com o olhar, e a mãe “era sua melhor amiga”.

Essa comentarista levava surras severas: a mãe dela batia de escova nas mãos e no bumbum. Já o pai não batia, mas “exigia que a mãe batesse. Aparentemente, uma família patriarcal, onde o pai era o “chefe”, mas também não queria sujar as mãos com o “serviço chato” e deixava a parte prática da surra com a mãe, ficando no papel de “comandante”.

O último relato é curto, mas bem profundo e sincero…

Como se pode ver, os relatos são bem variados, tal como as reações, mas todas as opiniões me pareceram honestas, sem zoação ou autoengano. Houve quem pareceu não haver guardado mágoas, e até minimizou afirmando ter sido uma criança “custosa”; houve quem guarda mágoas até hoje, sobretudo em razão da atitude hipócrita de quem batia; e houve até quem nunca apanhou, mas fez questão de postar isso para endossar que é perfeitamente possível criar filhos sem bater. As reações das pessoas do entorno também são variadas: há casos de irmãos solidários e irmãos que tripudiavam; famílias onde ambos os pais batiam e famílias onde apenas um batia com a conivência ou a oposição do outro cônjuge, e até uma família onde um mandava o outro bater. Entretanto, nota-se que nenhum comentarista veio com argumentos a favor da palmada.

E você, identificou-se com algum dos cenários expostos?

Campanhas Francesas Contra os Castigos Corporais

Oi gente! Descobri uns vídeos bem interessantes feitos na França, em prol de uma campanha para conscientizar as pessoas sobre os efeitos nefastos dos castigos corporais nos filhos, sejam uma surra ou um mero tapa. O primeiro vídeo é de 2011, e trata da questão das agressões transmitidas de uma geração para outra:

Começa com uma menina derrubando suco e a mãe, furiosa, gritando de forma bruta e dando-lhe um tapa no rosto. Enquanto a menina fica aos prantos, a mãe vai secar a bagunça, com uma cara fechada.

Enquanto isso, uma senhora assiste tudo, chocada. Então faz um rosto sentido e começa a se aproximar da mulher, que muda a expressão de irritada para amedrontada, recua e encolhe o corpo. 

A senhora abraça a moça e diz: Perdão. 

Vêm as notas explicativas: Os pais que batem, frequentemente, foram filhos que apanharam. 

Vamos educar sem violência..

E entram os créditos da fundação organizadora da campanha.

Esse vídeo foi um dos mais bem elaborados que já vi. Praticamente sem usar palavras, passa uma mensagem pungente, com a qual muitos comentaristas aqui se identificariam. Que bom seria se todos os pais que bateram pudessem pedir desculpas por haverem ensinado seus filhos a bater, e que bom seria se todos esses filhos pudessem quebrar a corrente que passa as agressões de geração para geração…

Seguindo, esse próximo vídeo que é de 2013:

Começa com um garotinho brincando agitadamente com os brinquedos em cima da mesa da cozinha, enquanto a mãe tenta falar ao telefone, aparentemente sobre algo relacionado a um problema no trabalho.

A mãe pede para o filho parar, pois não consegue se concentrar no telefonema por causa do barulho que ele está fazendo.

O menino continua a brincadeira, fazendo a mãe dar um grito. Então ela olha para ele bem decidida.

Anda até o filho e dá uma bronca: Você não entende o que eu digo?! E nisso, dá um tapa no rosto do menino.

A criança evidentemente para tudo o que está fazendo, e fica quieta e em silêncio, como a mãe pretendia.

A cena corta, e aparece um chamado: Um tapinha para você.

E então, vem uma nova tomada com esse mesmo trecho da cena, mas dessa vez sob o ponto de vista da criança, e não da mãe.

E um novo aviso: Um tapão para ele.

Agora, a reação do garoto após o tapa ganha outro sentido, mesmo sendo idêntica ao take anterior…

E nos créditos finais, a mensagem: Não existe palmada fraca. Vê-se que é uma campanha da mesma fundação do vídeo anterior. Tem a ver com algumas discussões que já rolaram aqui. Mas para a criança isso é irrelevante (“onde” foi o tapa), o que fica gravado para ela é a sensação de ter sido calada na chapoletada em um momento em que estava lá na própria “viagem” ou tentando chamar a atenção dos adultos. Relativizações racionalizadas são coisas de adultos, a criança apenas sente e internaliza, e quando ela apanha, o cérebro dela não se preocupa em fazer diferenciações e conceituações.

O próximo vídeo é bem interessante, com uma pegada satírica (acho que já conversamos sobre ele no blog, postado por um comentarista). É um curta-metragem de três minutos chamado As Palmadas, produzido e veiculado em 2016, como um reforço para campanha que já estava rolando no país pela proibição total dos castigos corporais. 

Começa com um garoto andando até a mãe e carregando um presente. Quando ela abre o embrulho, vê que se trata de um livro bem peculiar: Mamãe Perfeita – Estou Aprendendo a Bater.

Com o tal do “manual” em mãos, a mãe começa um diálogo com o filho:

MÃE: Que ideia engraçada!

FILHO: É assim que você será a mãe perfeita!

MÃE: Por que eu deveria te bater?

FILHO: Bom, há muitas razões. Por exemplo, para me punir por eu ter sido malcriado. Assim, eu não vou fazer de novo! Devemos tentar?

MÃE: Por que não? Só não sei se vou ser boa nisso!

Então o guri procura alguma levadice para fazer, e assim, dar motivo para a mãe lhe dar palmadas. Ele pega um vaso e pede aprovação da mãe com o olhar. Também um pouco confusa, ela “aprova”, e assim, o filho atira o objeto no chão, fazendo-o espatifar.

O filho dá uma incentivada, então a mãe, meio “perdida”, pega o livro para ver o que fazer. Lê a primeira instrução:

MÃE: Passo 1: Certifique-se de que você esteja em um espaço privativo, longe de olhares curiosos.

Ambos constatam que esse é o caso, então a mãe continua lendo. Quando o filho se aproxima para espiar a página, ela agarra o pulso do garoto, assustando-o, e faz uma cara de brava:

“Você se comportou mal! Merece um castigo!”

O guri entra na encenação:

Não, mamãe, por favor! Eu prometo que não vou fazer de novo!

A mãe fica bem relaxada, e segue um diálogo:

MÃE: Ah, então, tudo bem!

FILHO: Não, mamãe! Você não deve se deixar influenciar! Tem que ir até o fim! Do contrário, nunca vou aprender a lição…

MÃE: Ah, ok. Entendi. Desculpe!

FILHO: Você também tem que estar um pouco mais brava.

MÃE: Não, não! Olhe, está escrito aqui: “Seja cuidadosa, fique calma. Você precisa manter o autocontrole.” “Avise a sua criança que ela não deve resistir, e que chorar é desnecessário. Quanto antes a surra começar, tanto antes ela vai terminar.”

Nisso a mãe dá uns tapinhas na própria perna e “convida” o guri a se deitar no colo dela. O filho obedece. Com o guri deitado de bruços, ela continua lendo em voz alta:

“A surra deve ser administrada com a palma da mão, e não com um instrumento. 

Tenha o cuidado de não fazer isso sob as nádegas nuas, pois isso deixará marcas. 

Mantenha uma mão firme sobre as costas da criança… e não converse enquanto bate.”

Ela deixa o livro de lado, ergue uma mão, hesita um pouco, mas começa a bater. 

Ouve-se o som das palmadas em off, enquanto a câmera mostra tomadas representativas. Em uma delas, é possível ver o reflexo do braço da mão subindo e descendo.

No take seguinte, mãe e filho aparecem lado a lado, mudos e perplexos, absorvendo o que acabara de acontecer. 

Ainda nesse clima, a mãe pega o livro novamente. Lê em voz alta:

“Então tome a sua criança nos braços e lhe dê um beijo, e diga que a ama em quaisquer circunstâncias.”

Ela segue a instrução.

MÃE: Eu te amo, em quaisquer circunstâncias. E você, me ama?

FILHO: Sim, mamãe, eu te amo.

Durante o abraço, o guri nota que uma instrução importante não foi seguida:

Passo 7: Ponha de volta o anel que você tirou no passo 3.

Nisso, chama a atenção da mãe:

FILHO: Mamãe, você tirou os anéis, como é instruído aqui?

MÃE: Meu anel de noivado! Droga!

FILHO: Não é tão grave! Está tudo bem!

MÃE: Oh, você é tão gentil! Mas quer saber? É a sua mãe que merece uma punição por isso!

FILHO: Bom, não. Isso não é possível. É reservado a crianças…

Vem a mensagem de encerramento: 

As Palmadas: Ainda disponível na França em 2016. 

Ao contrário de 44 países (27 deles europeus) que proibiram por lei qualquer forma de castigo corporal em crianças.

Nos créditos finais, a “grande revelação”: esse livro não se trata de piada, muito menos de “brincadeira fetichista”. É um dos muitos manuais de bater que realmente já foram publicados e comercializados com o objetivo de instruir spanking em crianças. Inclusive, com ilustrações artisticamente impecáveis, claramente feita por ilustradores profissionais (eu já publiquei esse manual aqui, em um artigo anterior).

Fica evidente que o vídeo que inicialmente poderia ser encarado como uma gozação, é na verdade um trabalho sério, conforme consta na própria descrição:

Uma mãe. Um filho de 9 anos. Entre os dois: um livro que defende a palmada como ato educativo e que ensina a arte e a forma de realizá-la. A criança, querendo ser o filho modelo de uma mãe perfeita, se oferece para colocar o método em prática.

“Por que chamamos bater em um animal de crueldade, bater em um adulto de agressão, e bater em uma criança de educação?”

Lembrando que o vídeo é de 2016, ano em que eram 44 os países que proibiam integralmente toda forma de castigo corporal, como é citado no final do curta-metragem. Atualmente (2024), são 65 países. Ou seja, em oito anos, houve adesão de 21 nações à proibição total.

A França entrou nessa lista em 2019, o que foi considerada uma adesão tardia por parte de muitos outros países europeus.

Então, que acharam? Em minha opinião, foi uma abrdagem bastante inteligente de um tema espinhoso, mas cada um tem suas próprias experiências.

Reações Honestas ao Spanking – I

Oi gente! O título do artigo de hoje é instigante: reações honestas ao spanking. Então quer dizer que existem reações desonestas ao spanking?

Sim, por assim dizer. Para começar, surras na juventude não são um assunto que se toque só por tocar, descontraidamente. Se o tópico é trazido à baila, em geral é de forma bombástica, como em certos forum´s já citados aqui, onde os comentaristas se pronunciam de maneira apaixonada, uns dramatizando, outros repetindo aquelas conhecidas bravatas tipo “apanhei mais do que todos vocês” e “a surra me tornou a pessoa que sou hoje”. Tive um certo trabalho para encontrar depoimentos emitidos em uma atmosfera isenta, desapaixonada e… honesta. Mas justamente por serem sinceros e sem firulas, estou certo que muitos comentaristas aqui se identificarão com eles e reconhecerão que tiveram reações parecidas. Vamos lá!

Esse é um depoimento de 2019 de um rapaz que (pelas minhas contas) estava com 29 anos de idade quando publicou o relato. A pergunta lançada foi aparentemente trivial:

A maioria das repostas foi contra (não surpreende, se o debate ocorreu em 2019), mas uma reação particularmente enfática veio desse comentarista, que logo de início explica a motivação para sentir e pensar de tal forma, e cita que por conta dos castigos corporais que levou, nunca conseguiu ter um bom relacionamento com pais depois de adulto.

Ele também fala sobre a diferença entre o pai e a mãe: enquanto o pai batia de formas ritualísticas, inclusive fazendo os filhos sofrerem por antecipação (ao ter que olhar o cinto ou ficar o dia inteiro esperando a surra), a mãe era mais de reagir espontaneamente, sem dar surras severas como cintadas no bumbum, mas pregando beliscões e tapas soltos.

Sem bloqueios, ele conta que não consegue perdoar o pai por uma situação particularmente triste e injusta.

E também não poupa a mãe, embora reconheça que ela costumava ser mais benevolente. Ele critica abertamente a mentalidade que insiste em diferenciar “palmadinha” de “surra”.

O final do depoimento, infelizmente, é bem triste: ele reconhece que não consegue ser próximo dos pais, ou confiar neles, e que nunca pôde superar as surras do passado.

O relato ganhou apenas votos positivos, e todos os comentários foram solidários. Quando uma comentarista lamenta por tudo o que ele passou, o autor do depoimento tenta justificar porque se abriu dessa forma em uma rede social, ganhando uma reposta compreensiva e de apoio.

Outra participante também demonstra empatia, e lembra que é normal que fique uma marca quando a pessoa sofreu esse tipo de agressão no passado. No final, o encoraja a ver positividade no fato de que dado todo esse reconhecimento, ele não vai bater nos próprios filhos.

Mais dois comentaristas se manifestam, uma aparentemente mais velha que diz ter sofrido com o relato, e outro reiterando que foi lúcido da parte do autor compartilhar sua história pessoal naquele espaço.

Um rapaz diz ter se identificado com a história do autor, pois também sofreu castigos corporais em sua família.

Mais um comentarista se encorajou a reconhecer que assim como o autor do relato, não conseguiu se relacionar bem com o pai pelos mesmos motivos.

Um outro comentarista demonstra uma mágoa particular por ter sido agredido físico e moralmente pela madrasta, sempre com apoio do próprio pai, que também batia nele.

E vocês, se identificaram com algum desses depoimentos? Podem descrever de forma sucinta e sem floreios como reagiam ao spanking?